Bruno Correia

Woodrock Festival. Quem vai quer voltar

Texto: Bruno Correia

Julho é já sinónimo de alvoroço na zona da Praia de Quiaios. 2024 não foi exceção, com o regresso – naquela que é já a sua 10ª edição – do Woodrock Festival à pacata vila, a menos de 10km da Figueira da Foz, que volta a ser ponto de paragem para a já tradicional visita a um dos festivais rock mais descontraídos do Verão. A adesão do público aparenta continuar a ficar aquém do que a qualidade da localização, condições, cartaz, e boa organização merecem, mas o que é certo é que os que visitam o Woodrock Festival ficam com vontade de voltar.

Quinta-feira, 18 de Julho

Pulseira trocada e tenda posta de pé, acaba-se o jantar e passa-se o portão que liga o parque de campismo ao festival. O primeiro dia acontece tradicionalmente no carinhosamente apelidado Palco Mato Possível e a normal timidez do público na primeira noite leva a um ligeiro atraso que é interrompido pelo habitual uivar do lobo a que fomos habituados como sinal que os concertos estão a começar.

De costas para o que seria o palco das noites seguintes, olhos postos no mato onde os Sinoptik, banda ucraniana mas agora com residência por cá, não tardaram a dar início ao que tinham apelidado online como o seu «concerto mais pesado do Verão». Assim parece ter sido, com os níveis de energia elevados desde o primeiro tema e que conseguiram ir agarrando o público, com ponto alto numa versão da “Desfolhada Portuguesa”, de Simone de Oliveira, que pôs todos a cantar.

O concerto acabou por ficar marcado por uma falha de luz que levou algum tempo a ser resolvida mas não mandou abaixo o espírito da dupla da Ucrânia. O baterista ainda aproveitou para começar um solo que foi acompanhado de aplausos mas acabou por parar quando foi perceptível que o problema não se resolveria tão rapidamente quanto esperado. Adivinhava-se que seria o fim do concerto, mas ainda voltaram quando ficou tudo resolvido para terminar o set a que se tinham proposto.

Os Overdoses foram os próximos a chegar e com All Killers! No Feelers!, disco de estreia, ainda quentinho, que se focaram em apresentar. Com o seu estilo e sentido de humor – apresentaram-se como sendo de Madrid – sempre muito próprios, foram apresentando e tocando as malhas do álbum. Joey ia sendo ele próprio e comunicando com o lado de cá, mas nem sempre sentiu a reciprocidade esperada.

Com uma presença algo mais séria, os Them Flying Monkeys chegaram de Sintra e convenceram logo desde cedo. Sentiram o público longe e falaram em negociar uma aproximação, que acabou por se ir fazendo e que terminou com o pedido, já perto do fim, para que se passassem as barreiras, que alguns fizeram. “Pretty Sticks”, single recente, não ficou guardado para o fim e até foi tocado bastante cedo num concerto onde estiveram sempre bastante agradecidos.

O embalo da noite trouxe-nos, por fim, os Epilepsia Alienígena. Com EPs de 2015 e 2016, aproveitaram-nos ao máximo para se divertir e fazer divertir. Foram ao primeiro para tocar duas seguidas e, através de um vocalista sempre muito comunicativo, disseram-nos que «iria começar o rock», antes de tocarem “Bisonte dos 10 Pés”, que dá título ao EP de estreia. O tom era de festa. Pediu-se um comboio, tradicional das festas populares de Verão, e prometeu que o começaria ele mesmo se mais ninguém o fizesse. Assim o fez, passando para o lado de cá das barreiras e conseguindo recrutar algumas pessoas para que fossem dadas umas voltinhas à zona do público.

Sexta-feira, 19 de Julho

As noites são invariavelmente longas no Woodrock, pelo que as manhãs não tendem a começar cedo. Mas as coisas fazem-se com calma neste festival. A sexta-feira encoberta não convidava à praia (e um mergulho no mar era só para os mais fortes), mas o dia passa-se bem a relaxar. Aproveita-se o ar livre e trocam-se vários dedos de conversa com as caras do costume antes de ser hora de voltar a curtir a música.

Já no palco principal, os Lord of Confusion foram os primeiros a tocar no segundo dia para apresentar o seu «evil doom psicadélico» caracterizado pelos, próprios do género, temas longos e hipnotizantes. A dinâmica das vozes funciona tão bem ao vivo como em álbum, com inevitável destaque para Carlota Sousa, habitualmente ao centro com o seu Roland VR-09 com que ia tocando os temas de Evil Mystery (2022) mas que acabou o concerto de microfone na mão para uma versão de “All Your Sins”, original dos Pentagram. Do lado de cá, ainda houve pedidos para mais uma que não puderam, infelizmente, ser acedidos.

Musicalmente pouco ortodoxos e, talvez por isso, sempre um ponto alto por qualquer lugar onde passam, os dUAS sEMIcOLCHEIAS iNVERTIDAS foram os próximos e desde cedo agarram o público com a sua envolvência rítmica. O olhar tendia a pender para a esquerda onde víamos o nível seguinte no que aos instrumentos de sopro diz respeito – com dois a serem tocados ao mesmo tempo – e, já perto do fim, à utilização de fita-cola como instrumento musical. O uivar que marca também o fim dos concertos não tirou o quarteto lisboeta do palco, que tocou mais uma antes de dar por terminada a terapia de grupo. Ainda era relativamente cedo e faltavam os nomes internacionais que se seguiam, mas as conversas após a última nota eram unânimes em dizer que podíamos já ter visto o concerto da noite.

O batimento cardíaco já não voltou à base, e foi nesse estado que recebemos os JIRM e o seu rock com bastante groove na estreia da banda sueca em Portugal. Com quatro álbuns em atraso para nos mostrar, desfilaram entre eles ao longo de um concerto sem quase nenhuma falha a apontar, mas que não conseguia convencer verdadeiramente. Agradeceram em português bem cedo, e apresentaram-se como JIRM, evocando também o seu nome antigo, Jeremy Irons & the Ratgang Malibus.. A temperatura foi subindo, contudo, e “Fog by the Steep”, tema de abertura de Spirit Knife (2014) e um épico com mais de 10 minutos, viria a ser um dos pontos altos de sexta-feira. Sucedeu-se “Skin Deep”, de Bloom (2011), que fechou o concerto depois de um último «obrigado» antes da despedida.

Nome incontornável e com estatuto de culto no que ao sludge diz respeito, os Weedeater foram os próximos a tocar. Uns dos mais antecipados do festival, foi notório um aumento do público junto às grades para ver a banda norte-americana liderada pelo carismático e tresloucado Dixie, vocalista e baixista fundador da banda, ainda antes do virar do milénio. Acompanhado da sua habitual garrafa de Jack Daniel’s, perguntou aos presentes «vamos festejar?!» e teve, claro, o sim esperado. Sem lançamentos desde 2015, o alinhamento não tende a ter grandes surpresas mas é sempre entregue com a força e sujidade que se antecipa e muito bem recebido do lado de cá. God Luck And Good Speed, álbum já de 2007, é um verdadeiro marco na carreira da banda e um inevitável destaque nos concertos, com a música do mesmo nome a ter sido tocada logo cedo, para, caso não estivessem já, pôr todos no estado de espírito certo. Do mesmo álbum, entre passagens pelos outros lançamentos, destaque também para “$20 Peanut”, “It Is What It Is” e “Weed Monkey”, a última que tocaram.

Depois do sucesso de Dirty Tracks For Clubbing (2023) e da assinatura com a Fuzz Club, com quem lançaram Prata já este ano, os MAQUINA. têm aproveitado o sucesso para fazer aquilo em que são exímios: tocar ao vivo. Habitualmente com a missão de fechar a noite em vários dos festivais por onde passam, também na Praia de Quiaios o fizeram para um público que, apesar do avançar da hora, não arredou pé antes de os ver. O trio não se tem envergonhado de tocar em todo o lado e, por cá, não parece ir descansar até que Portugal inteiro os tenha visto. E acreditamos que será um país bem mais feliz quando assim o for. Entre temas do lançamento mais recente e do bastante aclamado álbum do ano passado, foram obrigando a tirar o pé do chão e agradecendo ao público que ia dançando com eles até ao fim, já bem para lá das 3 da manhã.

Sábado, 20 de Julho

O dia de Sábado até começou solarengo, ao contrário do anterior, mas o final de tarde voltou a trazer a chuva, inicialmente ligeira e que não assustou o já considerável número de público que pouco depois da hora marcada se encontrava pronto para ver os Misleading a dar início aos concertos da última noite. Com menos oportunidades de os ver ao vivo este ano do que as que gostaríamos, todos pareciam estar a apreciar bastante ver e ouvir Face The Psych, lançamento de Fevereiro que não surpreenderá se figurar nalguns tops de final do ano. «É o último dia por isso bora aproveitar», disse Viviana, e assim o fizemos ao longo de todo o concerto que nos deixou de água na boa para ir revendo a banda sempre que possível.

A chuva começava a cair com mais intensidade antes do concerto dos Cachemira, e até um prato da bateria caiu antes mesmo do início, mas a força da banda catalã é maior que qualquer contrariedade. Antecipados em várias conversas ao longo do dia como um dos nomes a ter em conta, provaram-no ao vivo com uma força incrível que nos leva a fazer o devido destaque a Claudia González Díaz, energética e incansável baixista e vocalista do grupo. Apresentaram-se logo de início e pouco voltaram a parar. Quando o fizeram, o guitarrista ainda começou por falar em inglês mas a baixista/vocalista perguntou se castelhano estava bem e assim continuou a comunicar até ao fim. Saíram dos originais para tocar uma versão de “Ride The Sky”, dos Lucifer’s Friend, que dedicaram aos outros Lucifer, os que tocariam no festival um pouco depois. Terminaram com “Ambos Mundos” onde nos disseram que iam improvisar um pouco e que incluiu um solo de bateria. Sabem claramente a teoria do que faz um bom concerto e conseguem pô-la em prática, como muito poucos, num concerto onde se tornou difícil não sentir por antecipação que estava encontrado o pico do festival.

Com a difícil tarefa de seguir o que tinha acabado de acontecer chegavam os Hippie Death Cult, outro trio, este de Portland, nos EUA, com uma sonoridade bem diferente. De poucas palavras do início ao fim, usaram ao máximo o tempo de que disponham para apresentar Helichrysum, de 2023. “Aneurysm”, single lançado este ano, também fez parte de um set que terminou com “Circle of Days”, faixa-título do disco de 2021. Um concerto sólido que acabou por não ter muita história e cuja comparação inevitável (e talvez até injusta) com o anterior não lhe permitiu ser um dos destaques da noite.

Nome relativamente recente na cena, pois corria o ano de 2014 quando os Lucifer se formaram, a banda sueca tem sido algo prolífera – são 5 os álbuns desde então – e crescido como um dos nomes grandes do hard rock e do oculto. A apresentar pela primeira vez Lucifer V (2024) em Portugal, entraram em grande e sem tempo a perder com “Fallen Angel” antes de voltar uns anos atrás com “Ghosts”, do Lucifer III (2020). Exímios na arte, Johanna Sadonis e os restantes membros assentavam bem no papel de headliner e mostravam-se seguros em palco. Se é certo que a sonoridade (como qualquer outra) pode não agradar a todos, também o é que aos Lucifer não é fácil apontar qualquer defeito ao vivo. Sabem o que representam e demonstraram-no bem do início ao fim de um desfilar dos vários discos que só deixou de fora Lucifer I, de 2015.

O fim das festividades estava próximo mas ainda havia energia para receber os Travo, banda de Braga com a tarefa de nos mandar embora da melhor maneira. Assim o fizeram, para uma boa quantidade de público que ainda se aguentava forte para os ver. A experiência que têm acumulado ao vivo não deixava dúvidas que ia ser um concerto forte, e provaram isso mesmo ao longo do tempo disponível entre temas como “Faceless Ghoul” ou “Turn to the sun”, com a qual fecharam estes três dias em grande.