Texto: V. Oliveira
Foi em noite fria e chuvosa que os Ignite mantiveram o lisboeta RCA Club em ebulição constante. Num concerto que começou em nível altíssimo, a banda americana cedo se fez valer da sua vasta experiência para conquistar de forma ininterrupta um espaço que de si já lhe é familiar. Com um alinhamento maioritariamente pertencente ao seu último álbum de estúdio (Ignite, 2022) e fazendo jus ao som que desde sempre os caracterizou, foi em atmosfera nostálgica e a fazer lembrar glórias de velhos tempos que se desenrolou a noite no RCA Club, há largos anos ponto de referência da cena musical alternativa em Portugal.
Do álbum de estreia Call On My Brothers (1995), o concerto começou ao som de “Ash Returns” naquilo que consideramos ser um uso lírico simbólico do ressurgimento da banda com novo alinhamento – Eli Santana substituiu o icónico Zoltán Téglás em 2021. Vindos da Califórnia, os Ignite trouxeram consigo sabedoria e energia inesgotável, demonstrando que o segredo da sua longevidade permanece intimamente interligado com o público que desde sempre os acompanha. Em jeito de retribuição, foi esse mesmo público que foi presenteado com juras de amor e devoção exclusiva por parte de Eli Santana: «They got nothing on you», em referência ao público de outras capitais.
Numa viagem entre passado e presente, destacamos temas como “Anti-Complicity Anthem”, “This Day” e “On The Ropes”, esta última um dos momentos mais emotivos da noite: «This is to the ones we lost». Arrancada de 2006 e do álbum Our Darkest Days, “Know Your History” foi faixa que deu mote a um throwback na carreira da banda, e que fez as delícias do público presente. Numa alusão ao contributo que Portugal teve na sua carreira, Eli fez questão de aludir à cena hardcore/straight edge portuguesa, com principal menção para os X-Acto, com quem os Ignite editaram um álbum split intitulado Benefit, em 1997.
«Believe in yourselves. We believe in you. Don’t give up on your dreams» ecoou como um dos lemas da noite. “Done Digging the Grave”, com Comeback Kid, é a faixa mais recente da banda e também foi uma das favoritas do público. Sugerimos ainda o uso da rendição do clássico da banda U2, “Sunday Bloody Sunday”, como lema e mensagem principal da noite e de tudo o que se passou no RCA: «Tonight we can be as one». Assim permaneceremos até uma próxima ocasião.
A abertura da noite esteve a cargo de duas bandas portuguesas: BØW e Suspeitos do Costume. Se os primeiros de Santa Cruz se mostraram com fome de palco e desejou regressar («Esperamos que seja até uma próxima»), foi com os segundos e em português com que o público se mostrou menos estrangeiro. Foi ao conjunto de Odemira, de forma objectiva o mais conhecido do público presente, a quem coube o papel de subir de tom o espírito de intervenção reinante. Estando entregue ao seu frontman Rui Matos a missão de apelar à interação do público, ao som de “Reis Sem Trono”, “Jogo Sujo” e “Remar Contra a Maré” se fizeram os momentos mais altos da actuação da banda alentejana: «Bora aí, queremos sentir a vossa vibe».