Conjunto Corona no Musicbox. Chá místico contra a invejidade e a imposturice

Texto: Filipe Silva | Fotografia: Alexandra Ramos

Por esta altura do campeonato, acreditamos veemente que a personagem do Corona já faz parte do léxico urbano-lendário português. No mínimo uma entidade mítica, o Corona é uma personagem com um história pesada, bizarra e hilariante que passa por problemas com drogas, negócios em bordéis que deram para o torto e até a criação de um culto à Repsol. Após ter estado rodeado de gandins, o Corona tomou a decisão de aprender sobre bruxedo contra a invejidade e imposturice, em busca da luz que mata a escuridão.

Corona, é claro, um produto do imaginário de David Bruno (dB) e Edgar Correia (Logos), que aliados ao infame Homem do Robe formam a trupe conhecida como Conjunto Corona. Cada disco dos Conjunto Corona é uma obra conceptual sobre a vida da personagem principal acima mencionada, e o seu mais recente disco, ESTILVS MISTICVS, é talvez o momento mais emblemático e esotérico tanto do grupo como da personagem que lhes deu o nome, pegando em histórias de bruxas, bruxos e bruxedo por todo o norte do país, e espalhando as mesmas em jeito de palavra do Nosso Senhor.

À boa maneira do Conjunto Corona, um disco repleto de tão rico agouro só poderia ser lançado numa sexta-feira 13, mas a apresentação ao vivo do mesmo só se daria um mês depois, tanto em Lisboa como no Porto. Após escutarmos este novo registo vezes sem conta, decidimos que o melhor a fazer seria mesmo participar na congregação que teria lugar na capital, mais propriamente no Musicbox. A boa palavra do Corona merecia de ser ouvida em todo o seu esplendor. Após uma entrada sem demoras e da compra do novo chá que a banda criara especificamente para esta apresentação ao vivo, vislumbramos o cenário de palco que teria sido preparado para esta ocasião especial. Dois caixões ao alto davam um aspecto mórbido ao palco que se manteve coberto por um manto de escuridão até ao início do concerto, que se deu com uns minutos de atraso e com uma série de projecções, também elas decididamente estranhas.

Com a chegada de dB, Logos e o Homem do Robe ao palco, este último a empunhar um cinturão de ‘Kampião’, chegava a tal luz que atravessa e aniquila a escuridão. “Ora Ring Ding Dong”, “Pa Cabeça ou Pó Peito” e “Ei Oh Marujo” servem como entradas incríveis para um concerto que teve um toque humorístico de início ao fim. Desde gritos por Gondomar e a menções de candidatura à presidência de Gaia por parte de dB, visto que o actual presidente se demitiu, até ao tradicional brinde de hidromel com copo de papel, a actuação do Conjunto Corona teve de tudo um pouco, inclusive mosh, gritos pelo ‘Kampião’, o cantar de todos os versos proferidos, flexões em pleno palco e máquinas de fumo improvisadas.

Temas como “Puta da Velha”, “Chico com a 6-35” e “Fumo na Panela” do acima mencionado novo disco foram intercalados com clássicos anteriores como “Pacotes”, “Pontapé nas Costas” e a já célebre “Chino no Olho”. Para o fim, ficou reservado um regresso ao Santa Rita Lifestyle, com “Perdido na Variante” e “187 no Bloco”, esta última a fechar um concerto magnífico. A energia contagiante do Conjunto Corona sente-se de início ao fim, e mesmo após abandonarmos as instalações do Musicbox, damos por nós ainda a cantar os temas ouvidos, tal e qual acontecera a caminho do concerto. A promessa de não regressarem a Lisboa tão cedo ficou a pairar no ar, mas estando nós na posse do Chá Místico, iremos fazer uma reza todos os dias para que tal promessa não seja cumprida. Sentimo-nos capazes de tal árdua incumbência.