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Blink-182 na Altice Arena. Uma viagem no tempo com o trio da adolescência

Texto: Ana Ribeiro (Grifus)

Foi em 2012 que Blink-182 se estrearam em Portugal e, mais de uma década depois, voltaram a Lisboa com a formação clássica do trio. Quem conhece bem o percurso de Blink-182 sabe que estabilidade não é o seu forte. Soma-se um passado que envolve a troca do baterista da formação inicial, Scott Raynor, pelo icónico Travis Barker (o baterista actual); um hiato de cerca de 4 anos (2005 a 2009); a saída de Tom DeLonge (guitarra e voz) a ser substituído por Matt Skiba; o cancro (felizmente curado) de Mark Hoppus (voz e baixo); e a reentrada de Tom DeLonge para voltar a fazer o que eles consideram a sua maior digressão mundial.

Contudo, os fãs de Blink-182 transpiraram ao ver as recentes notícias de concertos cancelados devido a problemas de saúde na família de Travis, o que o levou a voar para os Estados Unidos para estar com a família nesse momento crítico cancelando assim quatro datas. Se isso não bastasse para fazer o público temer ver o concerto de Lisboa cancelado, o baterista publicou no seu Instagram, a três dias do concerto na Altice Arena, que nas últimas semanas teve uma nevralgia do trigémeo, uma desvitalização dentária e Covid, afirmando ainda que isto só mostra que consegue lidar com tudo o que Deus lhe atira.

Assim sendo, no passado dia 2 de Outubro, a maior das digressões de Blink-182 teve paragem marcada em Lisboa, onde a multidão foi composta por antigos punks do secundário que foram buscar as suas t-shirts à gaveta da nostalgia, pais e mães de meia idade na esperança de reviverem a banda sonora da sua adolescência. Alguns até partilharam essas memórias com os seus filhos também presentes, ao lado de muitos estrangeiros, com uma questão em mente: “What’s your age, again?”.

Ainda nem eram 21 horas e já os Blink-182 estavam a entrar em palco ao som de “Assim Falou Zaratustra”, de Richard Strauss, peça é facilmente associada ao conhecido filme 2001: Odisseia no Espaço, e saudaram o público que ladeava as três frentes do palco quadrado que entrava pela plateia. Começando com “Anthem Part Two”, foram tocadas de seguida “The Rock Show” e a acelerada “Family Reunion”, sem pausas e entre foguetes, guitarradas no ar e saltos de Mark Hoppus em pré-refrão.

Pela primeira vez a falar ao microfone, Mark anunciou a música seguinte “Man Overboard” onde DeLonge e o próprio se passearam pelo palco baixando-se até para tocar encarando o público mais de perto. Antes de “Feeling This”, disse «Olá, bom dia, nós somos os Blink-182 da Califórnia», arranhando a saudação em português. Foi interrompido por Tom que, pela primeira vez falou ao público e questionou «Eles sabem falar espanhol? Fala-se espanhol aqui?», em tom de piada meio infantil (característica sua), que continuou após “Reckless Abandonment”, onde insistiu em tentar falar outras línguas entre piadas sexualizadas. “Violence” começou com Travis em foco, com um solo na bateria e, após Mark enrolar uma toalha à volta da cabeça dele, este acabou por tocar a música toda, perfeitamente confortável.

Foi entre canhões de fumo (que faziam sempre Barker ser momentaneamente devorado pela nuvem gigante de fumo que tinha sido lançada), menções aos fãs do Brasil, que estavam com as suas bandeiras presentes na audiência, e uma constante de aplausos satisfeitos, que “Up All Night”, “Dysentery Gary” e “Dumpweed”, onde uma ambulância insuflável voava por cima do palco,  foram apresentadas a uma plateia que exalava jovialidade e diversos copos de cerveja a voar. Mark referiu o lançamento de um novo álbum, One More Time, e embora já tenham saído três singles, o único que apresentaram em Lisboa foi “EDGING”, que foi recebida com algum mosh e crowd surfing, um pouco tímido para Blink-182, não esquecendo que muitos dos elementos da plateia não praticavam há vários anos.

O baixista e vocalista mostrou-se baralhado com o dia da semana, prova de quem está a fazer uma digressão longa, ficou surpreendido e agradeceu à plateia ao saber que tinha uma Altice Arena quase esgotada numa segunda-feira. Ainda brincou colocando a hipótese de ser feriado no dia seguinte, mas foi interrompido por DeLonge que gritou «Adivinhem!? Eu tinha razão quanto aos OVNIs!», o que serviu de mote para uma nostálgica “Aliens Exist”, que se seguiu de “Cynical” onde Mark moveu o seu microfone para o lado oposto, dedicando a música à zona de visibilidade reduzida.

Num concerto sempre muito dinâmico e com poucas paragens, “Happy Holidays, You Bastard” foi tocada em duas velocidades. Com Mark frente a frente com Travis, a velocidade normal foi seguida de «tão rápida quanto o Travis consiga tocar» justificando o porquê deste ser considerado pela revista Rolling Stone um dos melhores bateristas de todos os tempos. Terminaram a música com a moral em alta e com os Blink-182 a compararem-se aos Beatles, afirmando serem superiores aos mesmos.

Com muitos outros clássicos na manga, “Stay Together For The Kids” foi um claro apelo à nostalgia e com uma plateia a cantar em uníssono à luz das lanternas dos telemóveis. Quando se chegou a “Always” o público estava completamente envolvido na atmosfera do concerto. Ironicamente em “Down” Travis foi elevado numa plataforma suspensa, onde permaneceu até quase ao final do concerto, enquanto eram lançados foguetes vermelhos por trás. «Vocês são muito bem parecidos, muito melhor do que Bruxelas», rematou Hoppus em prelúdio de “Bored to Death”, onde DeLonge poisou a guitarra no chão e com toque de maestro coordenou o coro do público.

O concerto estava quase a chegar ao fim e ainda faltavam alguns clássicos para que o passeio pelas ruas da nostalgia ficasse completo. “I Miss You” foi canção muito esperada e cantada pelo público, superando Tom na icónica entrada com a sua voz e intensidade peculiar. O trio californiano terminou a música em forma de vénia, todos inclinados para a frente incluindo o baterista e a sua plataforma que descaía a frente acompanhando assim os restantes músicos.

«Esta banda salvou a minha vida duas vezes e esta próxima música escrevi quando estava muito deprimido e não sabia se queria continuar a viver», confessou Mark à sala expectante. «Há alguns anos atrás pensei que não conseguiria sobreviver outra vez. Tive cancro e curei-me! Esta é para vocês, amo-vos a todos!», justificou, e neste momento o público aplaudiu intensamente para celebrar a vida do músico. O tema que introduziu foi “Adam’s Song”, outro clássico da banda que não poderia faltar e que foi acompanhada por milhares de vozes em cada palavra.

Nova rotação de palco para encarar outro lado do público e “Ghost on the Dance Floor” foi introduzida antes de se assumir a recta final do concerto, com Mark, em tom de brincadeira, afirmar que não ia haver o famoso encore. «Vamos fingir que o concerto acabou. Mas ainda não acabou por temos mais quatro músicas… porque está escrito no contrato!», e assim, deram-nos “What’s My Age Again”, “First Date”, “All The Small Things” e “Dammit”. Escusado será dizer que estas últimas músicas foram recebidas em total histeria por uma plateia que, durante o concerto e as 25(!) músicas foi relembrada do que era ser jovem no início dos anos 2000. O concerto terminou sem encore oficial, mas com uma ovação de aplausos contínuos de um público completamente rendido a Mark, Tom e Travis (já cá em baixo, em tronco nu e longe da bateria) que agradeceram a todas as frentes do seu palco quadrado.

A título pessoal, posso resumir o concerto de Blink-182 numa palavra: Incrível. Mas posso acrescentar que, para além de todos os clássicos ouvidos no concerto, durante esta hora e meia foi possível testemunhar um espectáculo bem organizado e estruturado, com uma acústica que, tendo em conta o local, estava muito boa. Um conjunto de vídeos e imagens foram seleccionados e cuidadosamente personalizados para cada música tocada, foram vistos coelhos gigantes a saírem detrás do palco, ambulâncias insufláveis a voarem e um baterista a fazer metade do concerto numa plataforma giratória suspensa a pelo menos três metros do chão. Vimos um palco diferente e que foi bastante funcional, um espectáculo com jogos de fumo, pirotecnia e lança-chamas.

Quanto à banda, as expectativas foram superadas a quem estava relutante em assistir a um concerto que fez parte da sua juventude e, naturalmente, envelheceu. A energia de Mark, Tom e Travis continua constante, fazendo um concerto fluido e nada forçado. A dinâmica do trio é notória e, apesar de ter passado mais de uma década desde que lançaram juntos um álbum e fizeram uma digressão, ainda é possível ver os mesmos Blink-182 que vimos há onze anos: Tom continua a dançar no seu modo desengonçado e com piadas desadequadas, infantis e perversas; Mark continua com a mesma energia e boa disposição de sempre e Travis continua um Deus da bateria onde quase se transforma numa mancha de movimento de braços a rodopiar entre tarola, tom toms e pratos. Os Blink-182 conseguiram fazer uma Altice Arena viajar no tempo, permanecer durante 90 minutos e regressar como se tivesse passado por dentro de um tornado. Obrigada.