Super Bock Super Rock. Três dias de rock, legado e dança

Texto: Nuno Bernardo | Fotografia: Rita Sousa Vieira

Quatro anos depois, o Super Bock Super Rock regressou finalmente ao Meco. Sem o percalço de ter mover o festival para o Parque das Nações, como aconteceu no ano passado sob risco de incêndio, a Herdade do Cabeço da Flauta voltou a servir de recinto, local de campismo e parque de estacionamento. Os problemas de sempre mantêm-se – filas no único acesso e pó – mas o foco mantém-se na música, a força motriz de um evento que celebrou a sua 27ª edição de 13 a 15 de Julho.

Dia 13 de Julho: O sonho de uns e os êxitos de outros

«Look at what we did together / BC NR friends forever». Os Black Country, New Road têm um sonho e nós vivemos dentro dele, em que todos somos amigos e fazemos parte da banda. Daí ter-se ouvido, a plenos pulmões nas primeiras filas, esse verso repetido vezes e vezes sem conta. Na ressaca de um concerto in loco na ZDB, na véspera, a banda mostrou no Super Bock Super Rock já um certo à vontade com o público português apesar de estarmos a falar da sua primeira visita.

Mesmo não tocando qualquer tema lançado em trabalho de estúdio – o vocalista, guitarrista e letrista Isaac Wood saiu da banda logo após o lançamento do aclamado álbum Ants From Up There e a sua apresentação nunca chegou a acontecer – o conjunto apostou nas faixas que entretanto conhecemos do filme-concerto Live at Bush Hall. As letras estavam bem sabidas, com o público a tentar sobrepor as palavras de “Up Song”, “The Boy” ou “I Won’t Always Love You” às vozes de quem dirige perto de um palco para meter a conversa em dia. Problemas comuns de um festival em 2023. Aliás, o concerto pedia outro contexto, mais minucioso e cujo som não pudesse ser atropelado pela publicidade a mais um refrigerante nos restantes palcos do festival.

Os crescendos de “Laughing Song”, “Nancy Tries to Take the Night”, “Turbines/Pigs” e “Dancers” expuseram as mais belas composições da banda, fazendo-nos lembrar por meros segundos o ensemble canadiano Godspeed You! Black Emperor, apesar da obsessão pandémica ter passado pelos Arcade Fire. Não se sabendo se a carreira de estúdio será retomada na rota original sem Isaac Wood, são estas faixas paralelas tocadas ao vivo que sublinham a criatividade colectiva. Aqui dividem-se as responsabilidades de voz e escrita entre amigos, mas o sonho é de todos. Deles e nosso.

 

Do novo ao ‘velho’ rock, este dia de Super Bock Super Rock foi uma espécie de regresso às origens. James Murphy, que aqui compareceu para um DJ set a encerrar o Palco Super Bock, podia pegar numa frase ligada aos seus LCD Soundsystem para as dirigir aos The Offspring: «Shut up and play the hits». Entre algumas infantilidades constrangedoras para músicos a roçar os 60 anos de idade, foi a tocar que a banda fez acender mais chama na audiência. Podemos-lhe apontar o dedo para a explosão do punk nos anos 90 com o lançamento de Smash, em 1994, de onde foram sacados para o alinhamento “Come Out and Play” e o êxito maior “Self Esteem”, mas foi Americana que os colocou nas bocas dos adolescentes. Esse disco de 1998 fez-nos decorar as letras de “Pretty Fly (for a White Guy)” e ensinou-nos que é possível fazer uma malha pop punk com base em “Ob-La-Di, Ob-La-Da” dos Beatles (“Why Don’t You Get a Job?”).

Esses adolescentes já são trintões e quarentões, o ensino secundário já lá vai e as coisas podem ser colocadas em perspectiva. Uma banda na condição de headliner, por muito valor nostálgico que traga a quem pede rock no Super Bock Super Rock todos os anos, não deveria incluir os êxitos dos outros – “Iron Man”, “The Trooper”, “Sweet Child o’ Mine” e “Blitzkrieg Bop”, com uma aventura na música clássica via “In the Hall of the Mountain King” – na sua própria fórmula. Mas para quem tiver saudades das suas vidas passadas, queira curtir um som e beber mais uma ao lado dos amigos que não vê há 15 ou 20 anos, está tudo bem.

Os Franz Ferdinand tiveram a responsabilidade de transformar o final de tarde em início de noite. Alex Kapranos tomou as rédeas e liderou a plateia, ainda que com visível cansaço na primeira metade do concerto. O carismático frontman, vocalista e guitarrista partilha a responsabilidade com o baixista Bob Hardy de serem os membros originais que restam, mas nem por isso se perdeu a identidade que resultou em alguns dos maiores hinos do indie rock após o virar do milénio. Com Dino Bardot na guitarra, Julian Corrie na guitarra e teclados e Audrey Tait na bateria, os Franz Ferdinand não deixaram assentar a poeira com “The Dark of the Matinée”, “No You Girls” ou “Walk Away” logo ao início, guardaram “Michael” e “Darts of Pleasure” para o miolo, destacaram a dinâmica energética de “Love Illumination” e, claro, provocaram saltos e cânticos coordenados em “Take Me Out” e “This Fire”.

De rock neste primeiro dia houve ainda o de The Legendary Tigerman. Paulo Furtado apostou num alinhamento desconhecido à maioria, com uma parada de convidados – Catarina Salinas, Ed Rocha Gonçalves, Delila Paz, Sarah Rebecca, Afonso Rodrigues, Ray e Anna Prior – para nos revelar como soa o novo álbum Zeitgeist. Os temas novos tiveram menos guitarras quentes do deserto da Califórnia e mais melodias reverberantes das florestas do Noroeste Pacífico. A fervura fez-se sentir à mesma, graças a passagem por faixas conhecidas, como “Motorcycle Boy”, “Fix of Rock’n’Roll” e a versão de “These Boots Are Made For Walkin’”. A saída de cena foi feita em falso e disparou-se algum veneno verbal, que depressa se esqueceu quando Furtado se misturou com o público nas grades para se gritar “21st Century Rock’n’Roll”.

 

Rock à parte, quem ainda tentou fintar as muitas filas no estacionamento para sair do Meco após The Offspring confortou-se com o concerto de Róisín Murphy. Ainda que o seu nome não possa fugir à breve mas assinalável carreira nos Moloko (e em palco recordou “The Time Is Now” e “Sing It Back”), a artista irlandesa não poupou nos outfits criativos para nos mostrar Hit Parade, disco que há-de lançar ainda este ano. “Can’t Replicate”, “CooCool” e “The Universe” foram jogados como singles de avanço, convenceu ao som de “Overpowered” ou “Incapable” e fez o desfile final ao som de “Ramalama (Bang Bang)”. Fossem os compassos de espera sempre tão bons como este.

 

Dia 14 de Julho: A importância do legado em noite de coroações

Ao segundo dia era fácil adivinhar-se qual o concerto mais antecipado. O sol ainda ia bem no alto quando perdemos conta às peças de merchandise de Wu-Tang Clan e não era para menos. Trinta anos depois da edição de Enter The Wu-Tang (36 Chambers), um dos mais influentes e importantes discos de hip-hop da história, o colectivo fez no Super Bock Super Rock a sua estreia nacional para relembrar os clássicos. Aquele W amarelo, representado em inúmeras camisolas pela plateia, estende-se além das rimas nova-iorquinas, reunindo uma série de elementos que constituem o seu lore: os ensinamentos de Deus (ainda que por vezes pareçam distorcidos) via Five-Percent Nation, as filosofias shaolin, os filmes de artes marciais e a representação vilã. Tudo isto vocalizado por RZA, GZA, Ghostface Killah, Raekwon ou Cappadonna, que assumiu o lugar do falecido Ol’ Dirty Bastard, embora se tenha sentido a falta de Method Man, um dos rappers com maior expressão deste clã.

Os Wu-Tang podiam ter feito a coisa da forma mais ‘preguiçosa’. Não surgiram apenas com um DJ nos decks para lançar as célebres batidas (avistámos baixo, bateria, guitarra) e assumiram mesmo aos portugueses, enquanto RZA lançou champanhe, que a ostentação é feita para ajudar a malta a passar um bom bocado. O som, porém, nem sempre esteve à altura. “Clan In Da Front” feriu-nos com os agudos dos samples, já depois da incendiária “Bring Da Ruckus” ou do calculismo de “Da Mystery of Chessboxin’” nos terem desafiado a alinhar muitas vozes com beats nem sempre perceptíveis. Já em “Wu-Tang Ain’t Nuthin’ Ta F’ Wit” a efusidade do público fez esquecer esse pormenor: o importante era responder à altura, de mãos ao alto a fazer um W.

“C.R.E.A.M. (Cash Rules Everything Around Me)”, tema para a difusão de dólares e um manifesto do capital, mostra que há refrãos intemporais – mensagem de 1993 que ganhou mais um significado em 2015, quando a cópia única de Once Upon a Time in Shaolin o tornou o álbum mais caro de sempre a ser vendido. Contudo, não é só pelo colectivo que os Wu-Tang se fazem valer. As carreiras a solo de cada um dos rappers podiam ter sido levadas a palco, mas foi a de Ol’ Dirty Bastard (com “Shimmy Shimmy Ya” e “Got Your Money”) que teve parte das honras finais. Deu-se por terminado o concerto com uma contagem em castelhano – «uno, dos, tres» – para se gritar em uníssono «Wu-Tang Is Forever». O relógio dizia-nos que tinham passado apenas 55 minutos e que a despedida de palco não fazia sentido. Seguiram-se as perguntas. Encheu as medidas? Foi excelente? Talvez sim, talvez não. Certo é que foi absolutamente histórico.

 

A transição perfeita de concertos no Palco Super Bock aconteceu, na medida em que coube a Nile Rodgers & Chic aquecer o público para Wu-Tang Clan – é dele que vem parte da responsabilidade da comercialização do hip-hop. O guitarrista e compositor, responsável por inúmeros sucessos de disco e funk, e co-fundador da banda que trouxe ao Meco, fez questão de se gabar dos seus feitos. Mas se há alguém que se possa gabar, é ele, especialmente a quem o desconhecia na plateia. Foi já depois de “Le Freak” ou “Everybody Dance” que o ecrã no fundo do palco serviu para dispor a sua colecção de colaborações e produções. De Hitmaker nos braços (embora pareça ter saudades dos seus vários Grammy, de tantas vezes que falou neles), Rodgers jogou-se a temas que escreveu para Diana Ross (“I’m Coming Out”), Sister Sledge (“We Are Family”), Madonna (“Like a Virgin” e “Material Girl”) e Beyoncé (a recente “CUFF IT”).

Novamente focado na importância dos seus feitos, destacou o décimo aniversário de Random Access Memories de Daft Punk, o primeiro álbum orientado à dança a ganhar o Grammy para melhor álbum do ano desde Saturday Night Fever dos Bee Gees, de 1977. Jeito carregado de fanfarronice para nos dar “Get Lucky”, colaboração que somou ainda Pharrell Williams em estúdio, e ainda uma apreciação a “Lose Yourself To Dance”. Auto-estima à parte, o importante era dançar, dançar, dançar – e até nos deu “Let’s Dance”, que escreveu para David Bowie – e distribuir as atenções sobre as belíssimas vozes, o vocoder do teclista, a precisão (e humor) do baterista e a eloquência das basslines. Bem lembradas essas linhas de baixo do falecido Bernard Edwards, determinantes para “Good Times” dos seus Chic, e que influenciou o trabalho de Queen, Blondie e Daft Punk. Foi dela que também saiu o sample para a música que introduziu o hip-hop a uma escala global: “Rapper’s Delight”, de Sugarhill Gang, teve os seus versos vocalizados por GZA, um mimo de luxo antes de voltar ao palco com o restante clã.

Dois momentos de transmissão de legado foram igualados pelo mesmo número de ‘coroações’. Caroline Polachek trouxe ao festival Desire, I Want To Turn Into You, o mais recente trabalho da nova realeza da chamada art pop. Pouco faltou para ser uma apresentação integral desse seu novo trabalho a solo, fazendo apenas esparsas referências ao anterior Pang e dispensado qualquer passagem pelos seus projectos anteriores, como Chairlift ou Ramona Lisa. A sua performance, tecnicamente exímia, teve contornos vulcânicos: uma voz afinadíssima, muitos braços ondulantes e um coração vulnerável a tantos aplausos. A artista nova-iorquina chegou a agradecer em bom português e mostrou-se emocionada entre canções instrumentadas com alguma vibe dos anos 90 – trip-hop, leftfield, algum drum’n’bass, por aí. “So Hot You’re Hurting My Feelings” e “Door” deram o remate final neste secundário Palco Pull&Bear, adivinhando-se voos maiores numa nova passagem por Portugal.

 

Na ponta oposta do recinto, e logo assim que Polachek terminou, deu-se o palco principal a Charlotte de Witte. Apesar de não ser difícil encontrá-la num palco português, a ‘ocasião faz o ladrão’: a rainha do techno teve direito a hora e meia para firmar as suas batidas ácidas, dispersada por vários EPs recentes como Overdrive, Reflection, Apollo e Formula, e conquistar também com o seu espectáculo de luzes. As dimensões do palco, assim como a frescura sonora que trouxe ao festival marcado por outros géneros musicais, fizeram sobressair a supremacia do seu trabalho como DJ e produtora, que comanda a label KNTXT. É uma aficionada pela velocidade, sobretudo pelas corridas de F1, e transmite essa agilidade a cada curva dos seus sets: não houve espaço para transições invulgares ou para comunicações desnecessárias com os milhares de corpos a levantar pó; onde uns podem ter encontrado a repetição, outros reconheceram-lhe uma consistência expecional. Pesadas as coisas, foi uma aposta ganha do Super Bock Super Rock.

Este dia foi encabeçado, em teoria, por The 1975, mas na prática foi uma plateia pouco preenchida que testemunhou as deambulações de Matty Healy. Podiam ser as controvérsias recentes a tramá-lo, mas falemos do que se viu em palco. O frontman da banda de pop rock, ainda que visivelmente embriagado e fora de si, foi ainda assim a peça central de uma banda que também se arriscou pelo funk e pela música minimamente dançável. Mas pouco mais do que isso salta à memória, além da bata branca de doutor que Healy decidiu apresentar. Pareceu monótono demais para manter as atenções em horário nobre e pós-Wu-Tang Clan, especialmente quando Sampa The Great também tinha acabado de dar um concerto muito competente, de bandeira zambiana elevada e destacando-se uma passagem por “Ghost Town” de Kanye West.

 

Dia 15 de Julho: Quem dança seus males espanta

À cabeça reconhecíamos que o terceiro e último dia de Super Bock Super Rock era mais dado para o pé de dança. Talvez por isso o sábado tenha sido o dia em que os guarda-roupas viram as suas peças mais incomuns a passar umas horas fora. Pela mesma via alternativa do pouco convencional, o grande realce do dia caiu sobre L’Impératrice, num palco secundário.

Não foi uma estreia por cá, dado que a banda deu um dos mais aclamados concertos em Paredes de Coura no ano passado, merecedor de uma ovação invulgar. Mas não é todos os dias que podemos utilizar esta expressão: a verdade é que os L’Impératrice têm um je ne sais quoi. São francamente franceses e bestiais, carregam um nu disco suave que nos remonta a St. Germain, Air ou Daft Punk (chegámos a reconhecer uma referência a “Voyager” a meio do concerto), mas também ao italo-disco dos anos 70 e 80 via Giorgio Moroder. Durante uma hora fizeram dançar e até coreografaram, a sugerir os passos mais estranhos que a plateia se pudesse lembrar de fazer, enquanto percorreram uma boa parte de Tako Tsubo, álbum editado em 2021. “Off to the Side”, “Anomalie blue”, “Submarine” e a afectuosa “Peur des filles” arrancaram muitos aplausos, mas era sempre que a banda saía do trilho e se jogava a pequenas jams que a resposta subia de tom.

A cadência funk beijou o disco, a la Nile Rodgers nem a propósito, e as melodias foram muitas vezes entoadas pelo muito público que se concentrou no Palco Pull&Bear. Restou dançar, incansavelmente, enquanto nos deixámos perder no alinhamento – esta é do Matahari ou do EP Odyssée? Enfim, aparentou ser um amor correspondido e uma relação para durar. Os corações dos L’Impératrice bateram em cores coordenadas e palpitaram na direcção dos nossos; e parafraseando o poeta romântico Alfred de Vigny, «La raison parle, mais l’amour chante». De facto, o coração tem razões que a razão não entende. Tudo certo desde que as continue a cantar e a dançar deste jeito.

 

O bailarico não se deu apenas ao parisienses. A fazer cair a noite, Kaytranada invocou R&B, hip-hop e algum funk para a sua electrónica. As cores quentes do céu assentaram bem num set de lume brando, que não tentou de todo combater a frescura sentida no final de tarde. O produtor e DJ nascido no Haiti teve projecções em fundo de palco para ilustrar as batidas de 99.9% e Bubba, mantendo um fio-condutor que se estendeu às vozes de Beyoncé, Rihanna, The Weeknd ou Chance the Rapper. Prova de que é possível fazer clubbing sem se basear na pastilhada, argumento partilhado pelo austríaco Parov Stelar. Já a altas horas e para encerrar o Palco Super Bock da 27ª edição do festival, houve distribuição gratuita de sopros sobre electroswing e house com base na polka. A festa fez-se com muitos sorrisos e até passou para lá da hora prevista, servindo de brinde para a plateia que resistiu a mais hora e meia de bate-pé desenfreado.

 

Ainda que fosse a maior atracção do palco principal neste último dia, Steve Lacy não cumpriu quaisquer expectativas que se pudessem ter. Talvez a exigência fosse muita para um jovem de 25 anos, ainda que o seu CV enquanto cantor, guitarrista e compositor a solo, fora colaborações com Kendrick Lamar, Calvin Harris ou Vampire Weekend, pudesse dizer o contrário. Actuou no Super Bock Super Rock precisamente no dia em que o seu segundo álbum Gemini Rights celebrou um ano de existência, motivo para se cantar os parabéns com alguma apreciação própria.

Lacy recordou-nos que ganhou um Grammy com esse disco, mas a grande maioria só queria saber de uma das dez canções que o compõe: “Bad Habit”. Foi graças a ela que se tornou viral no TikTok e que a sua carreira a solo subiu de nível, mesmo já tendo começado nisto com tenra idade nos The Internet, banda semeada nos campos do colectivo Odd Future de Tyler, the Creator, Earl Sweatshirt ou Frank Ocean. No entanto a maldição também pode vir daí. Pouco houve para justificar o estatuto de headliner para lá dos telemóveis levantados neste tema. Nem mesmo os interessantes jogos de silhuetas sobre os painéis de cor disfarçaram os desafinanços e evitaram sequências de bocejos. Não sabemos o que será da sua carreira assim que a poeira de “Bad Habit” assentar, mas a julgar pelo concerto desinspirado que vimos nem o próprio deve ter soluções tão cedo.

Sinal mais para a irlandesa Biig Piig, que finalmente se estreou em Portugal – chegou a estar confirmada em 2020 para o festival ID No Limits, em Cascais, adiado e depois realizado com outro alinhamento. Em bom ano o fez, já com a mixtape intitulada Bubblegum cá fora, podendo casar em palco a sua pop cantada em castelhano (a artista viveu e cresceu em Espanha) com alguns tiros de drum’n’bass em inglês. Para musicar o pôr-do-sol contou com guitarrista, baixista e bateria, havendo algumas teclas e saxofone adicionais, mas o assunto manteve-se o mesmo ao longo do concerto: divertir as primeiras filas, nem que a custo de uma wall of death fofinha antes da explosão de “Switch”.

 

Podíamos repetir a laracha dos incómodos do Super Bock Super Rock no Meco, mas o potencial continua todo lá. Com ou sem filas, é possível utilizar aquele cenário idílico da Herdade do Cabeço da Flauta como escapadela da vida agitada da cidade: quem acampa não precisa de ser lembrado dos lugares comuns do resto do ano; quem se dirige todos os dias, consegue respirar um ar mais saudável do que o costume naquela meia-dúzia de quilómetros da N377. Existe um sentido de co-existência e partilha, as bebidas são refrescadas em geleiras e a boa disposição sai para fora do campismo até ao parque de estacionamento. De algum modo, lembra-nos o Jamor, numa final da taça, ainda que o único cachecol que avistámos tenha sido do Alverca.

Foi bom regressar, quatro anos depois, ainda que exista margem para melhorias fora e sobretudo dentro do recinto, onde o posicionamento dos palcos pode ser repensado para evitar as sobreposições sonoras que causaram alguma confusão. As indicações também não foram as ideais e as condições de higiene já viveram melhores dias neste espaço. «O Meco é para sempre» foi o mote desta edição, pelo que aguardamos a aprimoração contínua de um Super Bock Super Rock que oferece aquilo que nenhum outro grande festival nas redondezas de Lisboa consegue: um refúgio. O próximo episódio será a 18, 19 e 20 de Julho de 2024.