Ne Obliviscaris no RCA Club. O violino que chora em extremos progressivos

Texto: David Matos | Fotografia: Marina Silva

Há dias em que o outro lado do mundo nos bate à porta com estrondo e delicadeza. A tour europeia dos australianos Ne Obliviscaris já chegou ao seu último terço, e após várias datas esgotadas um pouco por toda a Europa, passou esta semana por solo luso; primeiro dia 24 de Maio no Porto e no dia seguinte em Lisboa. Segue-se o nosso testemunho desta derradeira data pela capital.

The Omnific

Numa amena noite de Primavera, o RCA Club voltou a enegrecer com uma multidão de fãs do metal progressivo extremo. Pouco depois da abertura da portas e assim que mais de meia sala se compôs, os também australianos The Omnific subiram a palco ligeiramente antes da hora marcada, para meia hora de domínio do baixo e da bateria. Com dois baixistas e um baterista, o trio de Melbourne cedo contagiou as hostes com o seu groove bem disposto. O baterista Jerome foi a voz da banda, ao interagir com o público e anunciar o nome das músicas, parecendo também o elemento mais possuído por uma genuína alegria por estar em palco. Esse prazer pela música que debitavam também era visível no rosto dos baixistas Toby e Matt, que foram impressionando tema após tema com arranjos de baixo imaginativos, complexos e fluídos.

Os seis temas que tocaram foram num crescendo de reação positiva pelo público, com Merlin’s Id a ser o primeiro com mais ruído de aprovação. Fountainhead acabou com o trio abraçado em palco, mas ainda faltavam dois temas absolutamente geniais, Ne Plus Ultra e Objets de Vertu, este último acompanhado de um pedido jocoso do baterista para acompanharmos a letra. Não havendo letras neste alinhamento instrumental, foi a voz intrínseca da música que falou mais alto e proporcionou um excelente arranque para uma noite que se adivinhava perfeita.

Setlist: Antecedent | Wax & Wane | Merlin’s Id | Fountainhead | Ne Plus Ultra | Objets de Vertu

Persefone

O concerto que se seguiu arrancou apenas treze minutos depois, levando a noite a pintar-se de sonoridades mais extremas. Os Persefone vieram de Andorra, país com uma área seis vezes inferior à área metropolitana de Lisboa, mas onde nasceu uma banda com energia para conquistar o mundo. Prova disso foi logo ao segundo tema Mind As Universe terem arrancado o primeiro mosh pit da noite, fazendo adivinhar cinquenta minutos de intenso Death Metal melódico e progressivo. A soberba Prison Skin foi um dos destaques da setlist, acompanhado por um crowdsurf algo perigoso dada a configuração do espaço.

A segunda metade do concerto foi de um brilhantismo alucinante, com o toque de Cynic em Living Waves e os dois singles do seu mais recente álbum Metanoia, Katabasis e Merkabah, a resultar na perfeição, este último numa explosão de luz causada pelas lanternas dos telemóveis, a pedido do vocalista Marc. Houve ainda tempo para apresentar o elemento português da banda, o nortenho de bigode Filipe Baldaia, que por entre uma piada futebolista expressou uma alegria enorme no semblante por estar a tocar no seu país. A banda despediu-se com The Majestic Of Gaia, tendo deixado a plateia a ferver, algo pouco recomendável numa sala com uma temperatura ambiente já de si elevada.

Setlist: Flying Sea Dragons | Mind As Universe | The Great Reality | Prison Skin | Living Waves | Katabasis | Merkabah | The Majestic Of Gaia

Ne Obliviscaris

Passava meia hora das dez da noite quando o prato sonoro principal nos foi servido, com os primeiros acordes de Intra Venus a ecoarem numa sala cheia e expectante. Exímio na mestria com que faz o violino chorar e cada vez mais surpreendente no departamento vocal, é com um carisma contagiante que Tim Charles completa um trio de qualidades que o tornam no centro das atenções durante o concerto, mesmo quando rodeado por outros músicos brilhantes. Equus, cuja temática de vidas perdidas em fogos florestais nos é tão dolorosamente próxima, e as duas partes de Misericorde, deram-nos o melhor que Exul tem para oferecer, resultando tão bem ao vivo como em estúdio, numa execução perfeita da eterna dança entre peso extremo e melancolia melódica.

Com a ausência da, nas palavras de Tim, “presença vampírica” de Xenoyr a seu lado (a quem desejamos as melhoras), coube a James Dorton a colossal tarefa de tomar conta do departamento vocal extremo, numa missão cumprida com inegável sucesso. O público também deu o seu contributo vocal (após um pequeno ensaio prévio) em Libera, antes de regressarmos às origens da banda com a obra-prima Forget Not. Na reta final do concerto, houve infelizmente a necessidade de Tim pedir a alguns elementos mais agitados do público para terem cuidado com o seu crowdsurfing mais agressivo e despreocupado com a segurança dos demais, partindo de um pequeno grupo de gente grande que parecia mais interessado numa hidratação à base de cevada e em falar de costas voltadas para o palco.

Após um agradecimento ao técnico de som da banda, que era lisboeta e portanto jogava em casa, a banda anunciou com algum humor o clássico momento de encore, primeiro com a despedida do novo álbum através de Graal e no regresso a palco com a inigualável e obrigatória And Plague Flowers The Kaleidoscope. Tudo somado foram cerca de cem minutos de música sem defeitos, numa noite que já deixa saudades. Esperemos que os Ne Obliviscaris não demorem outros 8 anos a voltar a Portugal, porque precisamos de mais noites de magia com estes absurdamente talentosos músicos australianos.

Setlist: Intra Venus | Equus | Misericorde I – As The Flesh Falls | Misericorde II – Anatomy Of Quiescence | Libera (Part I): Saturnine Spheres | Forget Not | Devour Me, Colossus (Part I): Blackholes | Graal | And Plague Flowers The Kaleidoscope