OUT.FEST. O primeiro momento do regresso da música exploratória

Num Barreiro que, tal como o resto do país, viu o seu sector da cultura refreado, um festival ao ar livre toma proporções maiores do que em circunstâncias normais. Apesar de se tratar de versão reduzida do OUT.FEST a que estamos habituados há tantos anos, o evento regressou depois para um primeiro momento, de forma a compensar a ausência em 2020. De 3 a 5 de Junho a música exploratória tomou a cidade da Margem Sul, mas haverá mais nas datas habituais, em Outubro.

De lotação esgotada deu-se início ao festival no fim de tarde de 3 de Junho com Susana Santos Silva, compositora portuguesa residente na Suécia que surgiu acompanhada de um quinteto luso-sueco. Impermanence fez jus ao seu nome e pouco permaneceram na mesma vibração musical, fazendo-se acompanhar do público numa viagem pelas sonoridades singulares e mirabolantes que a sua variedade particular de improviso pelos meandros do jazz proporcionam. A estrear o programa do Auditório Municipal Augusto Cabrita, Rafael Toral Space Quartet mostrou em palco a sua mestria em juntar o jazz tradicional com as vertentes mais aventureiras e psicadélicas da música experimental. Os movimentos rítmicos e hipnóticos de Rafael Toral, traduzidos através de interferência electrónica para sons de outra dimensão, mergulharam na percussão que se aproveitava de todo o espectro de tonalidades. Isto também graças ao contrabaixo que, com técnicas também elas aventureiras, se integrou num colectivo que abriu da melhor forma esta sala de grande importância para o festival e para a cidade.

Em mais um fim de tarde, desta vez a 4 de Junho e de regresso ao Parque Paz & Amizade, estiveram em evidência os Gala Drop, banda que se tem tornado em um dos marcos da música experimental portuguesa. Na sua subversão de vários contextos musicais, espalham por entre ritmos discordantes e espaciais todas as influências culturais que guiam a viagem em que somos levados, através de uma paisagem em constante mutação mas sempre de uma forma que apenas Gala Drop sabem criar. Ainda na sexta- feira mas no Auditório Municipal Augusto Cabrita, fomos novamente obrigados a lembrar o novo zeitgeist em que vivemos. Aqui vimos versão a duas dimensões da artista sérvia Svetlana Maraš, que interpretou a sua criação Radio Concert nº2 em sintetizadores e fita magnética com movimentos elegantes de precisão cirúrgica, como que a moldar os sons etéreos e por vezes urgentes com origem analógica interpretados posteriormente em formato digital. Depois, Pedro Carneiro, músico português proficiente em vários instrumentos de percussão e fluente na música clássica e contemporânea, interpretou várias obras de outros artistas. Na primeira de três etapas, mostrou na marimba obras de origem nipónica, húngara e também portuguesa – uma demonstração de versatilidade como músico ao trazer à vida criações músicas de tão distinta natureza. Tal como a música é uma forma de comunicação, a mesma em forma verbal não ficou para trás com constantes explicações e contextualização para todas as performances, o que resultou num forte vínculo com a plateia do auditório.

O Auditório Municipal Augusto Cabrita voltou a ser o palco da noite final deste primeiro momento do OUT.FEST 2021. Gosheven, depois de ter propocionado uma palestra na Biblioteca do Barreiro durante a tarde, apresentou o seu mais recente trabalho Antipodal Polyphony. Com uma vibração espacial e uma cadência hipnótica, o músico húngaro dispôs várias sonoridades electrónicas e fortemente processadas com harmonias em constante mutação, ainda que de uma forma pouco perceptível. E seguindo de forma inversa a convenção tradicional, ter-se-á deixado o pior para o fim com Puellas Before Huellas, da colaboração Odete + Herlander. Segmentos de animação japonesa com legendas amarelas passaram em projecção, acompanhados de música electrónica pré-gravada altamente processada. Enquanto isso tanto Odete como Herlander desempenhavam a sua coreografia indiferenciada entre o genérico e o improvisado. Imagens de temática creepy, bem ao estilo da witch house e por vezes de intenções psicadélicas, continuaram enquanto uma colaboração desconexa sem grande fio condutor entre dois artistas continuou sem grande rumo. Performance perfeitamente interessante e despertadora de curiosidade, contudo aquém das expectativas de fecho de um festival conceituado na música experimental como é este OUT.FEST.

Texto: Ricardo Silva
Fotografias cedidas por Pedro Roque/Eyes Of Madness