The National no Campo Pequeno. Fáceis de encontrar, difíceis de esquecer

Portugal está numa relação de longa duração com os The National. É a conclusão que se tira após sair, de sorriso bem esboçado, do seu 17º concerto em solo português, desta vez numa apresentação em nome próprio do oitavo álbum da carreira da banda de Ohio, I Am Easy To Find. Porém a noite no Campo Pequeno, em Lisboa, começou exactamente como terminou: a marcar na agenda o seu regresso, o 18º concerto, a acontecer já no próximo Rock in Rio Lisboa em Junho.

À semelhança do encontro da banda no passado mês de Agosto em Paredes de Coura, festival onde se estrearam por cá em 2005, o concerto arrancou apontado à apresentação desse novo disco. “You Had Your Soul With You” repetiu a entrada em palco, mas em Lisboa estendeu-se a cerimónia a “Quiet Light” e “The Pull Of You”, também faixas de I Am Easy To Find, com a voz convidada de Kate Sables (This Is The Kit). Uma relação de longa data requer também viver de memórias e um par de visitas a Trouble Will Find Me logo de seguida foram mais do que bem-vindas: “I Should Live In Salt” é suspiro de quem já se reconhece demasiado bem e podia ser um diálogo com o público português («Don’t make me read your mind / You should know me better than that»); já “Don’t Swallow The Cap” é a habitual catarse sónica, palavra a palavra, que teima em não perder a força de um clássico instantâneo.

Neste ponto já o público se manifestava a plenos pulmões, reagindo a todas as interacções (de muitas) que Matt Berninger teve com as primeiras filas da plateia. Todos os ingredientes estavam reunidos para uma (mais uma) tremenda “Bloodbuzz Ohio”, cujo refrão contrastou com a fragilidade e a delicadeza das três incursões seguintes ao novo trabalho, “Hey Rosey”, “Oblivions” e “Where Is Her Head”. Às perguntas desta última – «Is she looking out? / Is she standing up?» – foram dadas as respostas através de “I Need My Girl” e confirmadas em “This Is The Last Time”. Não é que as suas letras sejam ambíguas demais, mas tornou-se já bastante fácil criar um paralelismo entre o seu significado e esta intimidade que Portugal já leva com os The National.

Essa proximidade exigiu uma visita ao já distante Alligator, de 2005. Dedicada a Jessica Meir, actualmente em missão espacial, “Looking For Astronauts” foi um enorme brinde, pela sua raridade, para quem acompanha o quinteto ao fim destes anos. Em “Day I Die”, logo de seguida, a explosão e a euforia tomaram conta de Matt Berninger, que se colocou de pé nas grades, fez o seu próprio footage de um concerto ao sacar do telemóvel de um fã e chegou ainda a um dos bares da arena, para se vislumbrar das preenchidas bancadas do Campo Pequeno. A partir daí tudo se tornou ainda mais pessoal. A um cartaz que referia «gimme All The Wine» respondeu-se à letra – não com a música do mesmo nome, mas sim com uma garrafa inteira oferecida por Matt – e em “Light Years”, depois de “The System Only Dreams In Total Darkness” e “Rylan”, viu a arena passar da escuridão para um ínfimo mar de luzes de forma espontânea, quais lanternas de telemóvel em modo pirilampo, a sacar momentos de humor. «Ninguém faz isso por nós», confessou Matt, agradecendo com alguma emoção à mistura.

A faixa-título “I Am Easy To Find” e “Graceless” foram quase cenários opostos. A primeira deixa respirar e suspirar, a segunda asfixia e coloca-nos tensos – é esta dinâmica sustentada pelo exercício de guitarras e bateria que trazem exuberância aos The National. Pode ser algo presumível, e não é de todo novo no universo do rock alternativo, mas continua a ser esplêndida. Tal como a permanente “Fake Empire”, esse adeus tantas vezes ricocheteado, como quem nos pede um tempo na relação, antes de voltar para um novo abraço.

O encore poderá mesmo ter sido um dos mais luxuosos nos alinhamentos da banda. “Pink Rabbits”, “Mr. November”, “Terrible Love” e “About Today” tiveram de tudo, como uma pequena amostra de tudo aquilo que os The National são capazes: de nos encostar ao balcão de um bar, de pedir e repetir um whisky, de nos deixar de horas perdidas e de nos fazer lamentar e, sobretudo, lembrar o presente.

“Vanderlyle Crybaby Geeks” a fechar é já, por esta altura, um mimo prenunciado, mas nem assim perde a eficiência de nos deixar sem voz e de nos ouriçar o pelo. Freguês habitual merece a dádiva do costume. «Obrigado por gostarem de nós há tanto tempo», dizem-nos à despedida. Os The National talvez ainda não tenham percebido que isto já não é apenas amor. É um casamento. Um daqueles que se recomenda, sem divórcio à vista.

Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Victor Schwantz Barros/Everything Is New