A chegada do NOS Alive revê-se (quase) sempre da mesma forma, ano após ano. A romaria ao Passeio Marítimo de Algés, que recebe o festival durante três dias, dá-se por norma com muito calor e é feita por um público diversificado, mas facilmente identificável. Para os festivaleiros mais assíduos, esta é apenas “mais uma” paragem no carrossel do Verão, enquanto que para outros a visita faz-se de jeito quase casual, de roupa algo imprópria para longos dias de concertos, dando prioridade à imagem em comparação com o conforto. Dessa fatia no NOS Alive também é fácil identificar bloggers, que saltam tanto à vista como os forasteiros de Espanha, do Reino Unido e até da Austrália ou Estados Unidos. Essa conjunção de público resulta precisamente naquilo que o NOS Alive nos tem habituado nos últimos anos: uma disparidade de públicos que esgotam o festival, mas que ainda assim permite manter o equilíbrio para mais uma edição repleta de música interessante entre velhos e novos nomes da indústria.
11 de Julho
À entrada no NOS Alive neste primeiro dia o ouvido captou de imediato as guitarras turbulentas de Linda Martini. André Henriques, Hélio Morais, Cláudia Guerreiro e Pedro Geraldes tomaram a ocasião como sua para apresentar o mais recente álbum homónimo, num paralelismo quase possível em relação com o crescimento do festival. Também estes Linda Martini cresceram e muito, sendo talvez o maior fenómeno do rock alternativo português desde os Ornatos Violeta, que nem a propósito tocariam um par de horas depois no mesmo Palco NOS. À entrada ligeira de “Semi Tédio dos Prazeres” juntaram “Caretano” e “Boca de Sal”, mas a verdade é que a só a meio-termo é que o público se ligou com a chegada de “Amor Combate”, que continua forte nos alinhamentos para lembrar o já distante Olhos de Mongol. Nota ainda para a absorvente “Se Me Agiganto”, facilmente uma das faixas mais poderosas do catálogo recente do quarteto, e a saída de palco feita com “Quase Se Fez Uma Casa”.
Se pelo recinto o calor fez-se notar, então debaixo da extensa tenda do Palco Sagres o ar tornou-se quase irrespirável. Mas nem isso travou aquele que acabou por ser o primeiro grande concerto do festival. A norte-americana Sharon Van Etten tem no novo álbum Remind Me Tomorrow um dos regressos à actividade mais aplaudidos do ano, depois do hiato de cinco anos desde o lançamento do igualmente célebre Are We There, e fez bem a correspondência em palco. “Jupiter 4” e “Comeback Kid”, logo a abrir, prenderam desde logo as atenções, mas o piscar de olhos aos fãs mais antigos não demorou a chegar. “One Day” e “Tarifa”, esta última bem destacada pela sua colaboração na terceira temporada de Twin Peaks de David Lynch, foram quase interlúdio no reportório de Remind Me Tomorrow. Até ao final a fasquia manteve-se alta, mas o momento estratosférico deu-se com “Seventeen”, esse clássico instantâneo e ardente, hino resultante da essência de juventude e de liberdade pessoal.
Aquele que era um dos concertos mais aguardados do ano – e, consequentemente, do NOS Alive – consistiu no regresso aos palcos dos Ornatos Violeta. Vinte anos depois do lançamento de O Monstro Precisa de Amigos, segundo álbum que catapultou a banda do Porto para o topo do rock português no virar do milénio, a celebração chegou aos palcos. Cerca de sete anos depois dos seus últimos concertos, naquela maratona de Coliseus em 2012, Manel Cruz e companhia voltaram a sorrir juntos para invocar toda a competência de um dos registos incontornáveis da música “recente” cantada em português. O pontapé de saída fez-se com “Circo de Feras”, clássica versão que abriria o “Tanque” dos Ornatos. E a verdade é que as letras estão cada vez mais sabidas e o material continua a apurar, a envelhecer bem, em vez de se mostrar datado. “Pára de Olhar Para Mim”, “Ouvi Dizer” ou “Notícias do Fundo” foram momentos seguintes de êxtase, destinando-se o concerto quase todo a essa ode que é O Monstro. Pelo meio uma pequena incursão ao Monte Elvis, álbum-projecto que nunca viu a luz do dia, com “Pára-me Agora”, isto já depois da explosão aventureira de “Chaga” e “Dia Mau”. Ao longo do concerto houve espaço para algumas brincadeiras de Manel Cruz com o público e mesmo chegados ao “Fim da Canção”, tema utilizado para o encore, deu para perceber que o entusiasmo se vai alongar pela reunião. Para já segue-se concerto no MEO Marés Vivas, em Gaia, e no Festival F, em Faro, mas quase apostamos que não ficarão por aqui.
Tarefa infortúnia aquela que os escoceses Mogwai enfrentaram perante uma plateia a meio-gás e totalmente desligada, no Palco NOS. O seu post-rock sofreu imenso por circunstância – dimensão do palco, horário e plateia ali presente – e não se conseguiu impôr como o tónico ideal que se esperava para o som mais atmosférico e feérico dos The Cure. O que ficou foi um conjunto de crescendos impaciantes e cristalinos sob névoa azul celeste e uma espécie de competição pela t-shirt mais cool em palco: avistámos ali Fever Ray, Neu! e Weekend Nachos. Isto numa altura em que já se notava uma clara disparidade de outfits pelo público. Desejámos que fosse possível uma batalha de glitters a la Coachella contra o ar soturno de quem parece ter chegado de um Entremuralhas. Ainda assim a maior parte acabou por se dispersar entre jantar e o fenómeno Jorja Smith, que à mesma hora lotou a tenda do Palco Sagres com os temas de Lost & Found. Triunfo da britânica, que navegou confortavelmente pelas águas do R&B, da soul e do hiphop com a sua voz reconfortante e deu claros sinais de querer regressar para mais e melhor.
Tal como Jorja Smith, também Loyle Carner pode não ter muito material para apresentar, mas as suas (poucas) credenciais registadas em estúdio pouco importaram para preencher uma plateia, novamente no Palco Sagres. Depois da ambiciosa estreia Yesterday’s Gone, de 2017, o mais recente Not Waving, But Drowning confirmou que isto do hiphop vindo das terras do punk é capaz de ser boa ideia, ainda mais quando a consciência pro-partilha e globalização se sentem ameaçadas pelo Brexit. Nem a propósito acabou por convidar a própria compatriota Jorja para “Loose Ends”, forma singular de coroar a passagem de duas jóias britânicas pelo NOS Alive.
A coroa porém seria de Robert Smith e dos seus The Cure, nome maior do goth rock intergeracional. Habituados a dar concertos extremamente longos – mesmo no NOS Alive, por onde já haviam passado em 2012 -, os The Cure foram desta vez uma versão mais ‘light’ da introspecção negra que grande parte do seu catálogo representa. De 40 anos de carreira visitaram-se 26 temas de 13 álbuns diferentes, aliando-se faixas óbvias a outras que nem tanto, como foi o caso de “Burn” logo após a entrada de palco com “Shake Dog Shake”. O maior foco acabou por cair sobre Disintegration, esse clássico eterno que inspirou toda uma geração de músicos, de onde “Fascination Street” não demoraria a sair. Num todo foi um concerto mais orientado para a luz e não para as “trevas”, com espaços largos para digerir “From The Edge Of The Deep Green Sea” ali entre faixas que reconhecemos facilmente das rádios, como “Just Like Heaven” ou “Pictures Of You”.
Num ápice se chegou a “One Hundred Years” e custou-nos a acreditar que hora e meia de concerto já lá ia. O encore não se fez por menos e de “Lullaby” à final “Boys Don’t Cry” pareceu mais um mero instante de celebração, de palavras sabidas e de mera congregação de um evento quase religioso que é ver os The Cure ao vivo. Mesmo pesando-se o visível cansaço sobre a banda, compreensível de uma longa digressão, há coisas que não mudam mesmo.
12 de Julho
As altas temperaturas do segundo dia de NOS Alive pareceram ter afastado uma boa porção do público ao final da tarde. Ainda assim quem não quis desperdiçar uma boa dose de rock, o garage dos holandeses Pip Blom agradou e deu alguma energia às dezenas de fãs que cedo marcaram lugar na tenda do Palco Sagres. Já com uma figura mais sóbria e em formato concerto-surpresa, Márcia surgiu no Coreto para interpretar alguns dos seus temas, num dia em que esse mesmo palco se dedicou à música no feminino.
No Palco NOS foi a extravagância de Perry Farrell que surpreendeu quem o ainda não conhecia dos seus Jane’s Addiction. Em formato Kind Heaven Orchestra, banda-completa de apresentação do trabalho a solo Kind Heaven, Farrell contou com vários adereços, coreografias e momentos de espontaneidade que o validaram enquanto animal de palco. Onze integrantes em palco, de músicos a bailarinos, e toda uma amálgama de glam rock erótico e de disco disfarçada de funk foram ingredientes pouco suficientes para juntar mais algumas pessoas num recinto que se avistou incrivelmente despovoado. Ainda assim não escassearam sorrisos, beijos e doses generosas de carinho direccionados pelo norte-americano. Um novo momento no feminino no Coreto deu-se pela voz e mãos de Marinho, cantora lisboeta que se serviu do momento para apresentar algumas faixas de ~ (leia-se til), o seu álbum de estreia ainda por lançar. “Ghost Notes”, há alguns meses a rodar nas rádios e revelado no Dia Internacional da Mulher, foi também em palco um single de etiqueta e garantida vitória neste pequeno showcase.
O público (que continuava a parecer pouco) concentrou-se maioritariamente no Palco Sagres para receber Johnny Marr, esse guitar hero que nos ‘deu’ aqueles leads viciantes dos The Smiths. Aqui a habitual fatia de NOS Alive preenchida por britânicos tornou-se evidente pelo entoamento de clássicos como “Bigmouth Strikes Again”, onde sotaques se misturaram, desde o original mancuniano ao complicado geordie. Em fundo de palco observámos o seu o nome – e na verdade, quem raio perguntaria «who the fuck is Johnny Marr?» – mas em cima dele toda a mestria de uma carreira imaculada. Ainda que a solo viva, de forma não intencional, na sombra dos Smiths, o público respondeu bem a temas como “Walk Into The Sea” ou “Easy Money”, mas um clássico é um clássico. Sermos atropelados por uma “How Soon Is Now?” talvez ainda mais próxima da original do que Morrissey cantaria nestes dias fez-nos crer que uma reunião dos Smiths é coisa para pôr de lado. É que Johnny Marr chega-nos. “There Is A Light That Never Goes Out”, a plenos pulmões, foi o troféu com que se saiu de cena, mas ficou-se a desejar mais e mais.
Com a chegada da noite, os Greta Van Fleet puxaram pelas válvulas dos amplificadores no Palco NOS. A jovem banda, desde cedo comparada com Led Zeppelin devido a parecenças vocais entre Josh Kiszka e Robert Plant, apresentou em estreia nacional o seu primeiro álbum. Anthems Of The Peaceful Army é uma viagem pelos campos do rock clássico e cultivaram alguns momentos de pura nostalgia sónica, pelo que em palco não foi muito diferente: da vestimenta à anos 70 até à postura meio-Joe Cocker, tornou-se evidente que há vontade e talento suficientes para agarrar os mais cépticos do «antigamente é que era». Aos mais críticos, basta pensar que os Greta Van Fleet são aquilo que todas as bandas nos anos 60 e 70 eram – um conjunto de ‘putos’ dedicados a aprender e a evoluir com as suas influências e, sobretudo, a divertirem-se como ninguém. Tudo certo, mesmo que não tenha sido para todos. O mesmo se pode dizer de Tash Sultana, no Palco Sagres, que transformou o palco no seu pequeno estúdio de jam sessions e loops. A jovem multi-instrumentista australiana pôs-se à vontade e fez de si uma banda inteira, saltando de instrumento para instrumento para aumentar a complexidade das texturas de cada tema, como “Mystik” ou “Murder To The Mind”, divertindo-se no processo.
Os headliners da noite, Vampire Weekend, motivaram um regresso ao NOS Alive, onde passaram pela última vez em Portugal em 2013, antes da paragem da banda. Esse hiato permitiu a Modern Vampires of the City ser entendido como um clássico intocável do indie, à semelhança dos dois álbuns anteriores. Nesta passagem não houve distanciamento suficiente sobre Father of the Bride para o entender de forma tão clara, mas tem temas orelhudos e sabidos com uma sonoridade expandida dos Vampire Weekend. A banda aumentou, os adereços de palco estão lá e a voz de Ezra Koenig continua no ponto: jovem e límpida, como o seu rosto de falso adolescente. Da ginga habitual do baixista Chris Baio ao virtuosismo na guitarra de Brian Robert Jones, os Vampire Weekend mostraram-se dinâmicos entre baladas e ritmos mais eloquentes. “White Sky”, logo a abrir, surgiu de forma minuciosa e depressa fez com que “Unbelievers” nos fizesse sentir numa recta final do concerto, com vários fãs já a ganhar alguma rouquidão na voz. “Bambina” e “Sunflower” fizeram saltar pela novidade e mesmo uma emprestada “New Dorp, New York”, cuja voz de Ezra Koenig serviu o tema de SBTRKT, assentou bem no alinhamento.
Da electrónica e do rock passou-se ligeiramente pelo country, de onde reconhecemos elementos de dois singles novos maiores, “This Life” e “Harmony Hall”, mas foi a sequência seguinte que conquistou a audiência em pleno. Um portefólio incrível de singles não deixou respirar durante as passagens de “Diane Young”, “Cousins”, “A-Punk”, “Campus” ou “Oxford Comma”. Quase que sentimos que tudo poderia ficar por aqui, mas seguiram-se dois momentos de oferenda a Portugal: “Hannah Hunt” foi interpretada a partir de pedido de uma fã, enquanto “Jokerman” foi uma agradável surpresa para homenagear a original de Bob Dylan. As ovações finais chegaram com “Worship You” e “Ya Hey”, mas sempre com um travo amargo de que o público nunca chegou a ligar o suficiente para a dimensão de headliner com que os Vampire Weekend surgiram no cartaz. Ao desejo iminente de os querer por cá em nome próprio, com fãs mais dedicados e de conversas menos dispersas, foi-nos respondido à altura: os Vampire Weekend voltam já a Lisboa em Novembro, anunciado logo momentos depois de terminado o concerto, para mostrar a fibra de headliner que deveria ser inquestionável.
Seguiram-se dois momentos altos de poder no feminino. Grace Jones, ícone e camaleão da pop, mostrou no Palco Sagres que a idade é apenas um número. Com um visual excêntrico e uma aura absolutamente arrebatadora, Grace foi rainha dos seus servos, bailarinos e adereços de palco, para dançar e fazer dançar. Quase incansável – até de hoola hoop à cintura para um tema inteiro – descalçou-se para a rendição de “Slave To The Rhythm”, tema incontornável da sua carreira, e sublinhou a importância do ritmo como meio de contágio musical aos vários milhares que não perderam a oportunidade de ver em palco tamanha influência da pop. Já Gossip, no Palco NOS, teve em Beth Ditto a habitual frontwoman ‘saída da casca’. Durante o concerto passou-se por Black Sabbath, puxou-se bem pelo dance/groove/punk da escola de uns LCD Soundsystem e criticou-se ferozmente Trump em nome da comunidade queer. Houve de tudo para agarrar o público, desinibido, que respondeu a todas as palavras de Ditto, que acabou por descer do palco para abraçar os fãs na sempre viciante “Heavy Cross”.
13 de Julho
A odisseia NOS Alive 2019 não terminaria nunca sem o habitual sábado de fecho. As edições anteriores “ensinaram-nos” que, fosse pelo forte cartaz ou pela conveniência do fim-de-semana, o derradeiro dia de festival é sinónimo de enchente, pelo que se previu e bem uma preenchida moldura humana para o dia 13 de Julho.
Quem cedo chegou e procurou pela distorção das primeiras guitarras, encontrou debaixo da tenda do Palco Sagres o indie rock dos aussies Rolling Blackouts Coastal Fever. A banda beneficia de um som quente e vertiginoso, conceito sobre o qual Hope Downs, o álbum de estreia, aborda perante a paisagem das minas com o mesmo nome na costa ocidental da Austrália. “Talking Straight”, single óbvio desse álbum lançado em 2018, sai do festival connosco preso ao ouvido de tão ligeiro que é.
O mesmo Palco Sagres recebeu, um par de horas depois, uma nova dimensão do universo rock. Ou digamos antes punk. Os IDLES passaram de sensação a fenómeno num par de anos: primeiro com o lançamento de Brutalism, com o qual se estrearam em Portugal há um ano, para depois serem catapultados para a fama com Joy As An Act Of Resistance. Em tempos austeros nas ilhas britânicas, os IDLES são profetas da liberdade em prol de uma união que procura o bem-estar social, sem barreiras e sem preconceitos. A alegria é utilizada como arma de um manifesto pacífico, seja em formato de moshpit ou crowdsurfing, mas com muita verdade a ser entoada a plenos pulmões: a injustiça do papel das mulheres em “Mother”, a descriminação desmedida em “I’m Scum” ou até a superficialidade das palavras íntimas em “Love Song”. Os maiores aplausos terão chegado à introdução de “Danny Nedelko”, em que o vocalista Joe Talbot mostrou desagrado pelo tratamento dado a vários imigrantes no Reino Unido que, segundo o próprio, são os que fazem mexer o país diariamente. As fronteiras que devem permanecer abertas não são apenas físicas, mas também morais e sexuais: em “Samaritans”, por exemplo, aponta-se o dedo ao peso da máscara da masculinidade que muitos ousam obrigar. Da lavagem cerebral dos media à raiva gerada por tanto conflito pessoal, “Television” e “Rottweiler” fecharam uma hora carregada de suor, lágrimas, sorrisos e apreciação. Os IDLES são uma força bruta de uma natureza que não soma diferenças, apenas calcula a unidade.
A hora do jantar dividiu-se em dois momentos bastante distintos. O Palco NOS serviu para montar um mini-estúdio de apreciação a Bon Iver, projecto de Justin Vernon que antecipou em Algés a apresentação de i,i, álbum recentemente anunciado a lançar dentro de um mês. À semelhança do que aconteceu em concerto no NOS Primavera Sound em 2017, o enredo dilatado de algumas faixas perde-se perante uma audiência a céu aberto, podendo um ou outro pormenor sonoro ficar perdido entre conversas da pré-época do futebol. Como tal, ainda que a sua parte tivesse ficado feita, há que admitir que esta “recreação” de Bon Iver não terá nunca em palco o efeito que se antecipa no som de cada um dos discos. Por enquanto é esperar por uma data em nome próprio. Já a galesa MARINA, ex-Marina and the Diamonds, coloriu bastante o cenário do Palco Sagres ao som de Love + Fear, lançado em Abril. Muitas coreografias devidamente ensaiadas originaram uma encenação pop sem complexos, que bem pode buscar muito às compatriotas Spice Girls, e que vai mais condizente com o seu nome actual. Não há “diamonds” em palco e deixa-se de sugerir uma banda de suporte a motivar as suas batidas. Cumpriu o propósito perante um público desafogado e revelou-se um nome algo deslocado para a sequência da noite, especialmente pela decisão que se seguia.
Ter de escolher entre The Smashing Pumpkins e Thom Yorke terá soltado alguns palavrões no antes, no durante e no depois, mas ninguém terá saído defraudado com nenhum dos dois. Portanto qualquer que tenha sido a escolha, tirou a barriga de misérias. Billy Corgan e companhia regressaram a um festival onde já tinham sido felizes – recordemos a primeira edição do festival, o então Oeiras Alive! em 2007 – e hoje em dia a banda parece uma família mais funcional. Apenas a baixista D’Arcy Wretzky se recusou a uma reunião da formação “clássica”, no entanto James Iha parece estar perfeitamente confortável em partilhar os riffs com Corgan. A melomania deste concerto deu-se logo por três bonecos gigantes colocados em palco, assim como a majestosa entrada ao som de “Saraband” de Handel, que depressa se materializou no rock de “Siva”, “Zero” ou “Solara” nos primeiros instantes. O alinhamento percorreu quase toda a discografia, com algum destaque para as duas principais obras Mellon Collie and the Infinite Sadness e Siamese Dream, pelo que não terá defraudado quem compareceu em Algés para celebrar o legado de um dos nomes maiores do rock dos anos 90.
Já Thom Yorke, este no Palco Sagres, surgiu em palco com um baixo para ancorar as linhas graves dos beats de Nigel Godrich e para temperar a experiência audiovisual impressionante de Tarik Barri. O frontman dos Radiohead liderou uma explosão de luz intimista e pujante que atravessou toda a obra à margem da sua banda principal – e, por isso, tivemos até direito a “Amok” e “Default” de Atoms For Peace, banda que até foi criada para interpretar ao vivo os temas do seu primeiro álbum a solo, The Eraser. Desse mesmo primeiro álbum escutámos “Black Swan”, “Harrowdown Hill” ou “The Clock” logo após a abertura com a fresca “Impossible Knots” e muito rapidamente se hipnotizaram milhares de fãs. Ao contrário do que acontece com Radiohead, aqui não se preza pelas letras sabidas ou pelos riffs orelhudos, mas sim pela batida vibrante e pelos graves anímicos, ingredientes-base daquilo que é a alma de ANIMA, álbum recentemente lançado. “Traffic” e “Twist”, mesmo antes do encore, foram largos minutos de puro êxtase epiléptico, onde Thom saltou, dançou, gritou e conquistou. O regresso, com “Dawn Chorus” ao piano, aproximou-nos do Olimpo para testemunhar as fragilidades de um Deus. Momento triunfante de um final apoteótico.
A terminar esta edição do NOS Alive, os The Chemical Brothers transformaram a área circunscrita do Palco NOS numa enorme discoteca. Responsáveis pela ascensão do big beat britânico ao lado de nomes como The Prodigy ou Fatboy Slim nos anos 90, Tom Rowlands e Ed Simons não complicaram aquilo que é óbvio. Pegaram em alguns dos seus momentos mais inspirados de uma longa carreira, potenciaram-lhes devidamente à roupagem que envergam no novo álbum No Geography e tudo resultou num set competente, homogéneo mas com momentos de brilhante nostalgia. Lembrámos que Dig Your Own Hole, seja de música integral ou em medley à mistura, é de facto um pilar da electrónica inglesa, mas sobretudo que os seus primeiros quatro álbuns em geral são tudo o que precisam para agarrar a plateia. Momentos de memória mais “recente” (com muitas aspas, na verdade) trouxeram “Galvanize”, “Saturate” ou “Swoon” à baila, mas fica a confissão de que “Block Rockin’ Beats” respira juventude q.b. para convencer quem é de uma geração que desconhece estes dinossauros da electrónica.
O NOS Alive conseguiu nesta edição equilibrar os seus vários pontos cardeais: houve desde ícones maiores (The Cure, Grace Jones, Johnny Marr) a outras influências já consagradas do rock (The Smashing Pumpkins, Ornatos Violeta), passando por referências recentes (Vampire Weekend, Bon Iver, Sharon Van Etten, Linda Martini) ou a novidades quentes (IDLES, Jorja Smith, Greta Van Fleet), sem nunca deixar de piscar o olho à electrónica (The Chemical Brothers, Thom Yorke). Com a constante mudança da indústria e das tendências, o NOS Alive aposta cada vez mais num público generalista e heterogéneo, mais despido de rótulos embora mais exposto às críticas de quem se prende ao passado. Tudo indica que o festival não joga pelas retrospectivas – mantém os olhos no futuro e evolui paralelamente com a música contemporânea.
Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Rita Bernardo