Continuando o diário de bordo que comecei há uns dias com o concerto de Anna von Hausswolff – isto porque não é todos os dias que alguém como eu tem a possibilidade de ver vários concertos na mesma semana -, escrevo-vos agora sobre uma outra noite memorável e carregada de emoções fortes. O caminho até à mesma fora meio atribulado, pois era a primeira vez que visitara o Lisboa ao Vivo e nunca tinha passeado pelo Braço de Prata. E sendo que a noite ameaçava chuva, perder-me em mares de alcatrão desconhecidos não era, de todo, ideal. Felizmente, o caminho da estação ao recinto é bastante directo, poupando-se assim o esforço das pernas e o desgaste da sapatilha.
A noite no Lisboa ao Vivo começou com a actuação não dos polacos Riverside mas sim dos seus conterrâneos Mechanism, eles que partilham com os cabeças-de-cartaz um gosto pela música progressiva. Com um início meio morno e não tão surpreendente, a banda conseguiu conquistar um pouco do público português com temas como “Jump Into Flight” e “Authority as the Truth”, esta última do disco que apresentavam nessa noite, Entering The Invisible Light, o qual havia sido editado apenas uns dias antes da banda ter entrado em digressão. As influências dos Mechanism são notórias: desde a troca entre vocais calmos e ásperos por parte de Rafał Stefanowski à parte instrumental da restante banda, certos nomes vêm imediatamente à mente, desde Opeth a Cynic e até mesmo os próprios Riverside que tocariam momentos depois. Não é, de todo, uma má coisa, mas acaba por ficar o sentimento de que falta ali algo, falta uma identidade própria. Mesmo assim, fizeram o trabalho que lhes competia que, no fundo, era preparar os ouvidos e os corações do público para a mestria e comoção que viria a seguir.
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Ao fim de não sei quantos anos a tentar presenciar Riverside ao vivo, finalmente o consegui. E que bom que foi. A recepção à chegada da banda é feita de forma calorosa, pois os portugueses que veneram aquela que é uma das melhores bandas do panorama do rock progressivo da actualidade são muitos. Os polacos por sua vez respondem entusiasmadamente com “Acid Rain” e “Vale of Tears, dois temas do seu novo registo, Wasteland, editado este ano. Este fora o primeiro disco da banda desde o falecimento do seu guitarrista e fundador Piotr Grudziński e o público, mais que ninguém, sabia bem disso. Músicas como “Out of Myself”, “Left Out” ou “Guardian Angel” levaram até ao público emoções e memórias do passado, de caras conhecidas e amadas que, de uma maneira ou de outra, se ausentaram da nossa vida, como a luz de uma estrela que se apagou. A própria dor dos Riverside era algo que não passava despercebida, mas as palmas e cantares do público acarinharam a banda como uma onda de amor e compreensão. Todos nós já passámos por momentos de grande perda.
Fora com “Forgotten Land” e “Loose Heart” que se atingira o culminar perfeito de um concerto que avançada a bom passo para as duas horas de duração. A banda fez questão, no entanto, de sair de cena apenas por breves instantes, regressando para tocar um trio de belíssimas músicas que perfaziam o encore: “The Night Before”, “02 Panic Room” e “River Down Below”. Dá-se então por terminado um concerto memorável e altamente emotivo que, mais que tudo, nos trouxe à memória aqueles que nos deixaram, aqueles que partiram. A saudade, já o dizia Coelho Neto, é a memória do coração e se há algo a reter depois de tão comovedora noite, é que mais vale aproveitarmos os bons momentos que nos aparecem à frente, sejam eles pequenos ou grandes, pois num só instante, tudo desaparece. Mas não vos quero deixar com uma nota tão triste e portanto vos cito Raul Solnado: façam o favor de ser felizes.
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Texto: Filipe Silva
Fotografia: Marina Silva