O dia de Todos-os-Santos é para muitos um dia, bem, santo. Ora porque é feriado e dá para descansar das traquinices feitas na noite anterior, ora porque é dia de levar os miúdos a pedir os bolinhos por esse país fora. Mas este ano, esse dia era ainda mais especial que o habitual, pelas mais diversas razões. Como é hábito e sendo eu de uma terra um pouco distante destes grandes acontecimentos, há que aproveitar para andar por lugares não tão facilmente visitáveis. Fora por essa mesma razão que me decidi em caminhar durante a tarde pelos recantos encantadores e, por vezes sombrios, de Sintra, o que serviu como aquecimento perfeito para o concerto que se avizinhava. Uns pequenos tragos no hidromel da Casa do Fauno – façam o favor de visitar tão requintado lugar de encontro assim que puderem -, serviram para esquentar um pouco a alma em tão fria noite de Outono, mas o que verdadeiramente iria enchê-la era o concerto de uma tal compositora sueca que estava prestes a actuar no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, no âmbito do Misty Fest.
Falo pois de Anna von Hausswolff, a “loba” que tanto tem dado que falar nestes últimos três anos. E com razão, pois o concerto que ela havia dado no já longínquo Amplifest deixou muito boa gente boquiaberta e umas tantas outras de sorriso rasgado de tão boa que tinha sido a sua prestação nesse Verão de 2016. E com um novo álbum no seu repertório – o criticamente aclamado Dead Magic -, as expectativas para esta noite estavam em alta, no mínimo.
Com um inicio lento e expectante, Anna fez soar as primeiras e longas notas de “The Truth, The Glow, The Fall”, com a sua banda a entrar em cena pouco tempo depois mas sem nunca lhe tirar protagonismo. Aliás, diria mesmo que este é um daqueles raros casos em que ver uma artista significa também ver a banda que a acompanha. Anna von Hausswolff não é só a pequena e astuta figura que está no poster, são também todos os membros da sua banda, todos eles posicionados de forma a podermos ver, sem qualquer problema, o brilhantismo com que tocam. E se há dois anos, Anna se escondera por detrás do seu sintetizador, desta vez a compositora soltou-se da sua timidez nata, mantendo sempre uma enorme presença em palco durante todo o concerto, sem grandes exageros.
Presenciar Anna von Hausswolff a tocar ao vivo não é equivalente a assistir a um simples concerto. Prova disso é “Ugly and Vengeful”, também do acima referido Dead Magic, que transformou o Teatro Tivoli numa espécie de congregação ritualesca, com Anna a entoar invocações que nos rodeavam, qual animal predador. Durante “The Mysterious Vanishing of Electra”, música que Anna dedicou à sua avó que, aquando uma visita de ambas a Lisboa, ficou sozinha enquanto Anna lidava com uma forte intoxicação alimentar, e que virou o concerto do avesso com uma boa descarga de ritmo e os belíssimos gritos desalmados da compositora sueca.
E meu Deus, que vozeirão. No fundo, não existe outra maneira de descrever tão bela e assustadora voz. O final de “Come Wander With Me/Deliverance” demonstra isso mesmo, mas claro está, tudo sempre muito bem complementado pelos cinco músicos que acompanham a compositora sueca. Músicos aos quais Anna não deixou de tecer elogios e de apresentar antes de se infiltrar pelo corredor por entre o público sentado para cantar uma última música a solo, a lindíssima “Gösta”. No fim e após a saída de Anna e companhia do palco, soltam-se umas pequenas lágrimas. Não de tristeza, mas de felicidade. Felicidade por se ter presenciado tão majestoso concerto, em tão mágica noite. Volta depressa, Anna, volta as vezes que quiseres. Prometemos lá estar em todas as noites, religiosamente. Oremos.
Texto: Filipe Silva