Rock In Rio Lisboa. Oito edições de atracções familiares e mediatismo pop

Decorreu nos fins-de-semana de 23 e 24 e de 29 e 30 de junho a oitava edição do Rock in Rio Lisboa, com residência já marcada no Parque da Bela Vista. Neste ano de 2018, a Cidade do Rock contou com 57 horas de música, 260 atuações e 156 mil pessoas no primeiro fim-de-semana. Para além da rádio, as transmissões televisivas e pela internet asseguraram a visualização por cerca de 5.8 milhões de pessoas.

A área da saúde, que desde há muito tem vindo a marcar presença neste tipo de evento, surge não só na actuação perante casos que surjam no decorrer do evento mas também na promoção e prevenção – tanto a nível dos riscos sexuais como do cuidado à pele. Para além dos 50 profissionais de saúde envolvidos, os números revelam ainda que foram efetuados 654 testes de alcoolémia.

Lamentável é perceber que há quem ainda pague um bilhete para usar o seu tempo à espera: desde chinelos de praia a chocolates e chapéus, são sem dúvida os sofás insufláveis, gratuitamente distribuídos pela Vodafone, que continuam a ganhar destaque no mundo do brinde, justificando algumas das maiores filas. Por outro lado, as atracções habituais – slide e roda gigante -, foram este ano facilitadas pelas reservas efetuadas através app Vodafone Smart Check In.

23 de Junho

De 23 de junho, o primeiro dia do evento, destacaram-se Haim, as três irmãs californianas Alana, Danielle e Este – a última já reconhecida pelas expressões faciais que utiliza ao tocar -, compõe a banda de indie rock que nos trouxe os seus conhecidos sucessos “Falling”, “Little of Your Love” and “Want You Back”, antecipados por uma percussão que justifica os prémios que estas simpáticas meninas têm recebido. Simpáticas, trocaram umas palavras em português com o público – «Como vai isso, Lisboa? Tudo bem?» -, transmitindo a sua simpatia na abertura do Palco Mundo. Bastille, autores do hit “Miss You More”, vieram matar o desejo de alguns fãs que se renderam ao atrevimento do britânico Dan Smith, «Olá Rock in Rio Lisboa. Desculpa o meu português é uma merda», devolvendo com saltos e cantorias.

O Music Valley, que ficou guardado para a arte portuguesa, neste dia recebeu Da Chick Foxy Band, claramente com menos público, muitos espaços vazios mas com a postura habitual da vocalista, sempre a incentivar, «é p’a descer, é ‘p’a descer», fazendo a festa com os presentes. Houve, no entanto, um atraso para Moullinex que, às 22h40 ainda não estava em palco, culminando com o início de Muse, os mais esperados da noite. Trouxeram-nos a mais recente faixa “Thought Contagion” e visitaram alguns sucessos bem conhecidos pelo público, como “Psycho” – dos mais pequenos aos pais e avós, todos motivados – embora sejam repetentes, têm fãs bem seguros e novos. Um «Boa noite, Lisboa» numa frente de palco iluminada, com um corredor em T, e umas lambidas na guitarra em “Supermassive Black Hole” foram suficientes para marcar mais um concerto da banda inglesa.

 

24 de Junho

O segundo dia recebeu público muito jovem, vestido de Pride em dia pós-Arraial, com muitas bandeiras às costas, não só LGBT mas também portuguesas. O Music Valley, este ano situado mais longe do que o habitual, levou a caminhadas de muitos minutos, com dificuldade, com a agravante deste sábado ter sido o dia com maior lotação do Parque. Apesar dos muitos metros percorridos, o público não desistiu da caminhada e reuniu-se para escutar os companheiros Língua Franca, o projecto que reúne Capicua, Rael, Emicida e Valete. Desde as letras revolucionárias e feministas de Capicua “Alfazema” e “Maria Capaz”, passando pelos sucessos do grupo com “Ideal”, cuja letra é capaz de caracterizar o sabor do dia, «coco com banana /caramelo com pimenta». Convidaram Sara Tavares que, com guitarra posta, envolve todos numa dança especial em “Coisas Bunitas” com um toque do rap de “Fumo Denso”, levando a uma dança a pares com “Balance”. Os quatro não se despedem sem antes trazer o hit “Pantera Negra” de Emicida.

O cativante de um evento de tamanha dimensão são, de facto, as oportunidades que os momentos simbólicos têm para ocorrer. Simultâneo ao cosplay e aos videogames que deliciaram alguns dos maiores fãs, momentos que irão para sempre ser recordados, tão significantes como um pedido de casamento, ocorrido no concerto de Agir após “Minha Flor” e antes de “Como Ela é Bela”, deixando alguns presentes arrepiados e de brilho nos olhos, para um momento lotado. HMB fizeram um concerto seguro de sucesso, repleto de gente jovem e muitos apaixonados também. Cheios de energia e vitalidade, fazem do palco um local de diversão e bem-estar, que cativa qualquer um. Receberam ainda a presença de Emicida para partilhar “Brilha Estrela”.

 

Ao actuar pela primeira vez no nosso país, Anitta tornou-se um dos nomes mais aguardados do evento. Dotada de capacidade vocal, que em alguns momentos teve de ficar para trás em prol da performance física, a artista satisfez o interesse dos presentes. Com os seus muitos bailarinos em palco, torna-se impossível não realçar a destreza, harmonia e coordenação performativa e os glúteos… sim, os glúteos, de todos (incluindo os da própria cantora) que muito fez para que a sua postura sensual e provocadora não passasse despercebida. A destacar, a existência de mulheres de várias etnias e estruturas corporais – inclusive uma modelo overweight que não ficou aquém das restantes. Para além das famosas “Downtown” – com direito a pole dance num mega-candeeiro e a dança uma-para-uma -, “Paradinha” – durante a qual se construiu um muro de arte urbana, foi com a sua versão de “Garota de Ipanema” que além de trazer à lembrança a música brasileira mais antiga, mostrou que o seu funk é capaz de elucidar os adolescentes, que sabem a letra e cantam. Enquanto trocou de roupa, as pessoas também souberam as músicas que passaram, tendo ficado estas a cargo do DJ Zulu. No final do concerto, Anitta discursou uma mensagem de alento ao funk brasileiro, por ter sido transportado a vários cantos do mundo, com grande apreço do público.

A extravagante Demi Lovato, também há muito aguardada pelo público juvenil (que provavelmente a seguem desde os tempos da Disney), arrastou não só algumas crianças, como os seus pais e também novos fãs. Desde a forma física da cantora à voz estridente em algumas das suas músicas, deixou um sabor agridoce dividindo o público que a escutava. Além dos sucessos de rádio “Sorry Not Sorry” e “Tell Me You Love Me”, houve ainda lugar para uma versão de “Have I Told You Lately That I Love You?”, um original de Rod Stewart.

Bruno Mars só podia ser um dos nomes mais esperados do evento, com melhor produção a nível visual, e foi um dos responsáveis pela lotação esgotada do Parque da Bela Vista. Antes da sua entrada em palco, o público reagiu a indicações de um vídeo “make you scream”, para depois se iniciar o concerto com “Finesse”, passando a “24k”, com fogo-de-artifício na frente de palco e fora deste, ao ritmo da música. Antes do quarto tema, provoca ondas “left side, right side”, enquanto Bruno e os seus companheiros deslizam nas plataformas e explode fogo no céu. Ouviu-se um telefone ao estilo dos 80’s ou 90’s, «Hey baby, I’m at Rock in Rio and I just call you to tell you «Eu quero você meu amor»» e segue para “That’s What I Like”, na qual convidou o público para uns passos de dança.

Um solo de saxofone antecipou “Versace” e como num abraço melancólico, com imagens da luz no céu nocturno, não deixou de fora  “Marry You”, que terminou com duas guitarradas mesmo antes de “Runaway”, em que gerou concentração à volta da bateria como se tratasse de uma tribo, ordenando apagar as luzes do palco. “When I Was Your Man” antecedeu um solo de piano e o encerramento, discreto, com “Uptown Funk” e mais fogo-de-artifício.

 

29 de Junho

Como começa a ser tradição, Rock in Rio não se conclui sem chuva. Desta vez sobre um mar de capas maioritariamente brancas.

O dia começou a compôr-se com James no Palco Mundo e os meninos Capitão Fausto no Music Valley, que convidaram Luís Severo para partilhar “Boa Companhia” e “Alvalade Chama Por Mim”, ambas bem conhecidas pelo público predominantemente jovem. Depois perguntaram “Quem Está Irado?”, prosseguindo-se dança e mosh em “Santa Ana” com transição para “Amanhã ‘Tou Melhor”, com ajuda do público. O concerto de Xutos & Pontapés ficou marcado não só pela chuva que surgiu na faixa “Para Ti Maria”, especialmente dedicada a Zé Pedro neste seu tributo como também pela ilustre presença do excelentíssimo Sr. Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que subiu a palco em “Minha Casinha” e se mostrou particularmente emocionado com “Homem do Leme”.

No mesmo dia, direccionado ao rock, os headliners The Killers abriram o seu espectáculo com confetti cor-de-rosa a explodir no céu. O vocalista Brandon Flowers, que vestia um blazer com flores, perguntou, simpático, «Como está Lisboa?», confessando as saudades do nosso povo, um público mais velho entre os 30 ou 40 anos, isto em contraste com o do Music Valley. No palco, dotado de muita luz, encontrou-se um símbolo masculino, de maior dimensão que os três símbolos femininos, associados aos back vocals. Houve quem chorasse em “Spaceman” e, em  “For Reasons Unknown”, parou-se várias vezes no final para que o público cantasse este título. Os espectadores, por sua vez, iluminaram com telemóveis e isqueiros o escuro da noite e surgiu uma luz baixa azul que pairou na introdução de “Fairytale”. «We can’t wait till tomorrow» escuta-se em “Runaways”, no qual a banda faz transição para “Can You Read My Mind”, seguido de um solo de guitarra eléctrica. Mais para o final, em “All These Things I’ve Done”, presenciámos a emoção do vocalista que começou a entoar «I got soul but I’m not a soldier» e uma cascata de fogo, por trás da banda, revelou-se em “When You Were Young” e depois, o adeus.

 

30 de Junho

Hailee, mais uma artista pop ex-Disney, trouxe consigo os seus bailarinos vestidos de prata, num concerto dedicado a crianças, adolescentes, famílias e ao mesmo tempo, num dia em que jogou a selecção portuguesa de futebol – observaram-se bandeiras, cachecóis e t-shirts. Pela primeira vez em Portugal, tornou este o último concerto “overseas” da tour. Revelou ainda que “Hells No” foi escrito após uma festa em que pensou que ninguém devia fazer o que lhe causasse desconforto, tendo esta faixa sido gravada no dia seguinte, em estúdio com uma amiga. Em suma? Está visto, por agora.

O ex-mas-sempre-actual Da Weasel, Carlão, convidou Bruno Ribeiro para back vocals para partilhar o palco do Music Valley. Dos mais pequenos aos mais crescidos, a sua música parece chegar a todos. Envergou uma t-shirt branca da selecção nacional, cantou, encantou, declamou e surpreendeu. Apresentou-nos,  entre outros, “Na Batalha”, “Entre o Céu e a Terra”, “Viver Pra Sempre”, “Outro (Um Minuto)”, “Contigo” e “Agulha no Palheiro”, cujo público já sabe de cor. A meio do concerto, referiu ter deixado de fumar ano e meio, mas o Rock in Rio Brasil significou uma recaída. «Agora voltei a deixar, mas ’tá a ser difícil. Mas já lá vão três semanas, não é filhota? Ela sabe», olhando o público e a sorrir, acrescentando antes de  “Uma Vez é Demais”, «esta fala sobre outros vícios». Informou-nos que o novo álbum sairá em Setembro e conta com várias colaborações, entre estas Miguel Araújo e Manel Cruz, e afirmou: «descobri que tenho um irmão mais novo – Slow J!», que por sua vez afirma que viu Carlão no primeiro Rock In Rock a que assistiu. Para o final ficaram “A Minha Cena”, “Colarinho Branco” e “Os Tais”, para se terminar em festa com uma versão de Buraka Som Sistema para “Dialectos de Ternura”, original de Da Weasel.

Não poderia ficar de fora a celebração da bola no evento, em especial quando se alteram horários de concertos para que todos possam assistir a um jogo do Mundial de Futebol, e esperou-se aquilo que efectivamente se assistiu: os milhares de pessoas que, gostando ora mais ora menos de futebol, ali se uniram para torcer pela selecção das quinas. Lamentavelmente nem dez minutos passaram e já perdíamos a jogo. Para dar algum ânimo, o intervalo foi energizado pela trupe Revenge Of The 90’s que fizeram lembrar Backstreet Boys com “Alright” e sacaram ainda “Hakuna Matata” e “Follow The Leader”. E enquanto o Macaco Adriano dançava ao som do “Big Show está no ar”, voaram bolas de futebol gigantes com o símbolo da SIC.

Jessie J, no Palco Mundo com um coração vermelho de fundo e bandeira portuguesa às costas, aproximou-se maisdo  que qualquer outro artista, abraçando o público e dizendo «be calm, I am as human as you», deixando pessoas a chorar em “Who You Are” e lembrando «it’s ok to make a mistake» em “Nobody’s Perfect”. Emocionada, de olhos encharcados e comovida com a assistência, ia cumprimentando os aderentes ao slide que iam deslizando. Explicou a condição médica, cardíaca, que sofreu aos nove anos e lembrou o seu avô, que era músico e a inspirou, cantando posteriormente “Easy On Me”, com uma rosa vermelha encostada ao peito. Possivelmente, um dos melhores concertos desta edição.

Enquanto se aguardava por Katy Perry, uma voz no palco dá instruções ao público no sentido de estes iniciarem movimentos de dança (clap clap, turn around, slide to the left, slide to the right) para se receber um dos maiores concertos desta edição que, ao contrário da maioria, iniciou com uma dúzia de minutos de atraso. Foram uns canhões de fumo que abriram o espetáculo, deixando espaço para a cantora que nos surge de armadura dourada a combinar com o microfone e com o seu cabelo curto. Os óculos escuros preservaram o mistério por detrás da artista.

Uma performance altamente revista de efeitos artísticos, sobretudo visuais, desde confetti e dois dados, de onde surgiram bailarinos em “Roulette”, posteriormente mostrando-se com o seu exército em “Dark Horse”. Com dificuldade em se ouvir a sua voz em “Chain To The Rhythm”, coube-lhe as marionetas gigantes com cabeça de TV. As várias trocas de roupa, em “Deja Vu” e “Teenage Dream”, em que cantou com um microfone cor-de-rosa sob efeitos pirotécnicos e electrónica, não foram suficientes para arrefecer a noite. Foi dizendo “quente e frio” ao lado de flamingos e guitarras cor-de-rosa para que em “Hot and Cold” se continuasse a festa. Num regresso aos sucessos anteriores, chamou um “Shark From Cali” para emparalherar com “California Girls”, que terminou em espargata. No trio final, dedicou “Into Me You See” a todos, acalmando um pouco os presentes, que deram, no entanto, o que lhes restava para “Swish Swish” e “Roar”, esta última a encerrar o concerto com bolas insufláveis gigantes em forma de olho.

 

A próxima edição do Rock In Rio, a realizar em 2019, terá lugar no Rio de Janeiro. Para 2020 aguardamos a nona edição do Rock In Rio Lisboa.

Texto: Ana Margarida Dâmaso
Fotografia: Ana Ribeiro