“As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos” – citámos nós Fernando Pessoa sobre o anterior concerto que os indignu [lat.] deram no Musicbox, há cerca de um ano, para nos apresentar então o disco Ophelia. Se o regresso à capital não tardou, a descrição não perdeu de todo o seu significado. Desta vez coube aos barcelenses apresentar Umbra no passado dia 11 de Maio, um novo disco que se ressente das cinzas sobre as quais foi escrito, editado nesse mesmo dia.
O concerto em si focou-se essencialmente nos novos temas, como esperado, e “Marcha Sob Marte” tomou as reverberações prolongadas logo no arranque para uma contínua deslocação sobre ecos. Ecos temporais e mundanos, e não físicos ou geográficos, como nos propôs o disco anterior, ou até ecos de reminiscências traumáticas de negros episódios que atormentaram o território português – como o caso de “Foi Outubro”, tema precisamente dedicado ao infortúnio ocorrido nesse mesmo mês do ano transacto. Mas se as viagens são os viajantes, o que somos não é mais do que uma mágoa que se desvanece mas não desaparece. Essa «nunca morreria sem razão» e vinga-se «abraçando as sombras num qualquer pedaço de céu», como nos diz Manel Cruz a emprestar a sua voz em “Nem só das cinzas se renasce”. E nem mesmo a sua ausência, tal como a de Ana Deus para “Levitação do Sahara”, impediram destas duas faixas se proporem à catarse instrumental.
Ainda assim viajou-se a “Jerusalém” e a “Santhiago do Schiele”, ambas de Ophelia (2016), com a supervisão de “Santa Helena” sobre uma “Caravela na na ponta dos dedos”, estas de Odyssea (2013), mas confessaram-nos que “A distância não nos leva a saudade”, no momento mais arrepiante e elegante de uma actuação exemplar que foi tónico da superação. As guitarras falaram e gritaram entre si em crescendo, a bateria registou a pulsação e o violino amenizou a cadência frígida e soturna para despertar uma luz própria que há já vários anos os indignu tornaram sua, até porque no fim ninguém quer trevas.
Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Rita Bernardo