Vodafone Paredes de Coura. Vinte e cinco anos para sempre

Ano após ano a quebrar recordes de vendas, nesta vigésima quinta edição do Vodafone Paredes de Coura, o festival mais antigo de Portugal com edições regulares vendeu mais do que nunca. Pelo carácter icónico do festival e porque este se caracteriza por muito mais que meros números, houve diversas diferenças nesta edição para que os festivaleiros e campistas tivessem a melhor experiência possível. Esta estendeu-se a pormenores como a deslocação da zona de restauração e do Palco Vodafone mais para baixo, da junção numa só área dos chuveiros, lava-loiças e lavabos como mimos dados aos fieis.

Para aquecer e para fazer de Coura a morada dos festivaleiros mais antecipados, o festival subiu à vila nos quatro dias antecedentes com actuações de artistas portugueses – tais como The Sunflowers, Nice Weather For Ducks, Stone Dead ou Conjunto Corona – como destaque para os últimos, que garantiram animação ao cimo da vila e ao seus seguidores acérrimos que cantaram em uníssono e beberam o habitual hidromel providenciado pelo conjunto.

Já nesta altura se sentia o típico ambiente pelo qual o festival é conhecido, com os festivaleiros a percorrem a vila de Paredes de Coura, a tomar banhos de sol e da água doce do taboão, enquanto os que chegavam à zona da bilheteira, olhavam em redor de semblante admirado e confuso em antecipação.

Dia 1 – 16 de Agosto

Neste primeiro dia fez-se notar que existiu uma mudança de formato nas pequenas sessões musicais que nos últimos anos se têm praticado pela organização – as denominadas Vodafone Music Sessions. Estas agora realizam-se em zonas perto das zonas mais ocupadas pelos festivaleiros, fazendo com que a única desculpa para não assistir seja a mera distracção. Um formato visivelmente positivo para todos os que nunca tiveram oportunidade de ser levados para locais distantes e íntimos para assistir a pequenas amostras de concertos únicos.

Depois da actuação da Escola do Rock, conjunto de músicos e jovens que interpretam temas clássicos do género e que cumprem a tradição de abrir o palco principal, os The Wedding Present, que se já não tinham nada de surpreendente nem relevante para apresentar num agradável concerto junto ao rio Taboão, muito menos teriam para trazer ao “jogo” num concerto igual no próprio dia horas mais tarde.

Mas foram os veteranos Mão Morta a pisar de seguida o palco. O número de vezes que já pisaram este palco – e co-habitaram este festival – dá-lhes uma espécie de estatuto de residência, sendo nessa condição que relembraram o aclamado álbum de 1992, o icónico Mutantes S.21 também a soprar 25 velas. Percorreram-se os seus temas com a voz imutável do vocalista Adolfo Luxúria Canibal e sem perder a intensidade com os anos, não deixando de parte os temas de outros álbuns adorados pelos seus fãs, tocados nos interstícios da celebração. A banda, em todo o seu direito, na iminência do fim do espectáculo fez ecoar pela plateia um “Parabéns a Você “ em homenagem aos 25 anos de existência do Paredes de Coura enquanto festival.

Já os Beak>, com Geoff Barrow de Portishead, ficaram responsáveis por preencher o vazio deixado pelos Mão Morta com os sons hipnóticos e minimalistas que lhes são característicos. Uma sonoridade um pouco anti-climática considerando o que se antecedeu. Porém, após algumas músicas o público sincronizou-se  por via de algumas piadas e conversa genérica, que neste festival surgiram como um recurso de muitas bandas sem voz, não contribuindo necessariamente para o espectáculo. A noite desenvolveu-se com pouca materialização do que é a vibração de um típico Paredes de Coura, ou pelo menos como este nos tem habituado, contudo esta fez-se sentir com a atuação de Future Islands. Uma banda perto do coração do público português no qual deixou uma marca com recentes actuações ferverosas no país. Um concerto adornado pelas idiossincrasias do carismático vocalista Samuel T. Herring, cujos movimentos hipnóticos e vocais contagiantes geraram uma quente abstracção etérea e bastante dançável que teve sucesso em instalar o espírito reconhecível do festival na sua plenitude.

Dia 2 – 17 de Agosto

“Cedo” era e no campismo já se falava de um aparato que se juntava numa área perto do rio, fazendo-se correr boatos sobre qual seria a banda a actuar neste novo formato das Vodafone Music Sessions. Foram os americanos Nothing que se apresentaram um formato acústico, uma estreia para a própria banda, no cenário mais descontraído do campismo. Um formato que se desenrolou naturalmente e foi eficaz em apresentar a banda a desconhecedores e a criar expectativa para o concerto “a sério” no Palco Vodafone FM mais pelo fim de tarde.

Na inauguração do dia e desse mesmo Palco Vodafone FM figuraram Sunflower Bean, que com uma recepção calorosa e com a actuação empenhada da banda formada em 2013, acabou-se por tornar os últimos dois minutos num encore improvisado, o que resultou numa pressa acrescida na mudança de palco para quem queria aplaudir os americanos Car Seat Headrest. Estes haviam começado há minutos e já estavam a transmitir a sua energia de aroma adolescente, que tornou irresistível o canto em uníssono de alguns êxitos do aclamado álbum Teens of Denial, de 2016, mas que em geral não foram beneficiados pela hora da actuação e pelo tipo de palco que retirou alguma da intimidade que é favorável à banda de Will Toledo.

Enquanto no palco principal alguns davam os últimos saltos, outros construíam uma audiência muito bem composta para os Timber Timbre, exploradores do continente americano dos contornos do folk rock que deram uma boa oportunidade para descontrair e desfrutar de um momento raro de calma e contemplação deste projeto denso e melancólico, que suscitou a curiosidade de todos os que desconheciam e o deleite dos restantes.

Esperando uma semelhante simplicidade no palco principal com King Krule, os presentes fizeram o caminho rotineiro de alternância de palcos. A surpreender todos, este músico britânico de 23 anos trouxe consigo uma banda completa, que em contraste ao minimalismo da maioria das suas músicas deu às mesmas uma dimensão grandiosa. O mais grandioso dos temas acabou por ser “Lizard State”, que enviou ritmos cheios e energéticos complementados por um saxofone mexido e fez mexer os corpos no seu caminho em sincronia, tornando este um dos pontos altos do dia e talvez do festival.

No Palco Vodafone FM a intensidade estava prestes a aumentar para outro nível com Ho99o9, do estado de Nova Jérsia, que nos trouxeram o seu projecto híbrido de hiphop e punk. Apesar de não conseguir ser tão homogéneo como desejado conseguiu criar uma atmosfera intensa e bizarra com a ajuda da aparência pouco usual dos dois artistas e dos “socos” rítmicos de força industrial. Um momento ímpar que, no contexto deste festival, criou um contraste interessante que permitiu que brilhasse.

Já por esta altura se fazia sentir uma grande antecipação pelo próximo acto no Palco Vodafone. Os At The Drive-In, que se preparavam para o seu primeiro concerto em solo português em tantos anos de frustração, serviram de íman para muitos fãs que nunca tiveram oportunidade de ver esta banda pioneira nas sonoridade do post-hardcore em concerto e que vieram a este festival com o objectivo principal de realizar esse sonho. Sem deixar a energia pelo tempo passado em hiato, a banda texana voltou em força com execuções brilhantes de temas antigos e novos, sem nunca deixar de parte temas do aclamado Relationship of Command do qual retiraram o tema final da actuação, o que deixou um sabor doce nos ouvidos dos fãs. Tornou-se num dos concertos históricos aos quais este festival já nos habituou e será certamente falado e relembrado em edições futuras.

Nick Murphy (aka Chet Faker) encarregou-se de ocupar o espaço vagado por At The Drive-In, com a grande responsabilidade às costas de conseguir igualar ou superar o concerto anterior. Foi-nos dado um concerto sério, profissional e distante, em que o entusiasmo foi deixado para trás. Este modelo não resultou para (os poucos) que não estavam familiarizados com esta vida em nome próprio de Murphy e muito menos para quem acabou de suar com ATDI – Nick Murphy ficou com sapatos demasiado grandes para preencher, e acabou por não conseguir.

Já no início da madrugada subiram ao Palco Vodafone FM os sul-coreanos Jambinai, uma espécie de aposta de risco desta edição – trata-se de uma banda que pratica um post-rock que se experimenta com instrumentação folk tradicional do seu país de origem. As suas sonoridades hipnóticas concretizaram uma atmosfera de contemplação, um momento para descontrair e talvez contrair curiosidade de explorar o projecto fora de after-hours.

Dia 3 – Dia 18 de Agosto

Num dia dedicado às sonoridades mais alegres e psicadélicas, no qual não se antecipava grandes surpresas dissonantes, o músico português Bruno Pernadas abriu o apetite e fez a audiência vibrar na frequência certa ao som do seu jazz aprazerado em preparação ao que estava para vir.

O palco principal recebeu de seguida o conjunto escocês de hiphop Young Fathers, tinha actuado pela última vez em Portugal em condição de colaboradores de Massive Attack. De regresso na sua plenitude, o espetáculo abriu em tons ominosos mas construiu gradualmente um crescendo de entusiasmo e dinamismo quer entre os elementos do conjunto como entre o público que numa fase inicial apresentava alguma resistência. E depois de um concerto na vila de Paredes de Coura, os Moon Duo pegaram nos seu ritmos psicadélicos e transportaram-nos para o Palco Vodafone Fm com boa disposição e algum entusiasmo, assentando as boas vibrações que já se faziam sentir no recinto.

Para o seu primeiro espetáculo em território português, os canadianos BadBadNotGood pisaram o palco grande deste festival. Os jovens já colaboraram com alguns rappers de renome internacional, como Chance the Rapper e Ghostface Killah, e ganharam assim exposição a um público que não adere necessariamente a sonoridades associadas ao jazz que interpretam. Esta sonoridade, criada nos limites exteriores do género com estruturas musicais típicas de rock e batidas associadas ao hiphop esmagados em composições intricadas, chegou a mais pessoas do que é habitual. Este facto fez-se notar pela adesão de todos os que assistiam aos ritmos energéticos dos jovens músicos que entre temas gastavam preciosos minutos com as aparentemente necessárias peripécias de uma banda instrumental. Apesar disso mostraram elegância e profissionalismo num dos concertos com mais assistência que já tiveram, este facto mostra-se ainda mais impressionante considerando que as suas idades variam de 19 a 21 anos.

Compatriotas dos anteriores, os Japandroids entretiveram a multidão com o seu rock juvenil, com cheiro a anos 90. Contudo, tudo o que fizeram foi entreter. É certo que foi uma boa escolha de banda com concerto impecável e divertido como garantia, porém, esta banda esteve em palcos nacionais duas vezes em 2017, uma delas na noite anterior a esta, num espectáculo-relâmpago no Porto que haviam visitado em Junho. Esta incidência em nada afectou a performance da banda e dos seus constituintes, mas é certo que o impacto deixa de ser o mesmo e a banda passa a estatuto de aposta segura neste festival.

Um dos actos que se esperava ser o culminar das boas sensações era Beach House, a dupla de americanos que são conhecidos pelas suas quentes melodias no universo da dream pop. Com a chegada da hora, a antecipação atingiu níveis máximos, algo que um atraso de quase 40 minutos só contribuiu para que esta se diminuísse gradulamente para dissipar. Quando finalmente surgiram, os elementos da banda, principalmente a vocalista Victoria Legrand, mostravam alguma irritação com a situação e pediram, com poucas palavras, perdão. Esta indisposição, juntamente com o atraso e uma qualidade de som menos adequada proporcionou um concerto difícil de desfrutar para a maioria. Sem apontar o dedo à organização nem à banda, ou quaisquer contornos da situação, o que se pode concluir é que este concerto merecia outras circunstâncias para que este resultasse numa experiência completa e para acabar o dia em grande. Uma pena.

Dia 4 – 19 de Agosto

Último dia de Vodafone Paredes de Coura é dia de gastar os últimos cartuchos. Dia de arrumar bóias, lacrimejar pelos últimos mergulhos e fazer a última romaria naquela difícil subida até à entrada do recinto. Ainda assim, a motivação para o que se seguiu compensou todos os esforços e coube aos jovens portugueses Toulouse, numa curta viagem a partir de Guimarães, abrir o entusiasmo dia na apresentação do seu álbum Yuhng numa para uma plateia pouco recheada no Palco Vodafone FM. Conseguiram surpreender com o seu som fresco, divertido e dinâmico que tira ideias ao surf rock, shoegaze e post-rock. A única infelicidade foi a hora e a reduzida assistência – tivessem actuado numa hora mais movimentada tinham beneficiado de maior exposição. O público garantiria uma banda nova para descobrir.

A tarefa de abrir o palco principal coube a Manel Cruz, um artista português cuja fama o precede pelos inúmeros projectos que já deu voz com Ornatos Violeta à cabeça. Este seu projeto de nome próprio conta com composições folk de instrumentação variada, que era enfeitado suavemente pela sua voz singular e por letras poeticamente sujas. A festa continuou no palco secundário com nomes como White Haus e Alex Cameron, mas a verdadeira “bomba” chegou sob a forma dos americanos Lightning Bolt – uma descarga num assalto sonoro movido a guitarra, baixo, bateria e vocais abrasivos e cheios de delay. O som pareceu estar perfeito para o duo barulhento com os graves impactantes e agudos nítidos, tornando este espetáculo numa surpresa que fez desaparecer o cansaço e que se tornou num dos pontos altos do festival.

Mais cedo no palco principal os teatrais Foxygen, que com o seu rock de tons psicadélicos que tira ideias do swing jazz, deixaram a sensação que se tinha assistido a uma banda com o estatuto de headliner que não foi só lá tocar música: foi fazer um verdadeiro espetáculo. De forma semelhante aos anteriores, Benjamin Clementine veio de seguida pisar o palco principal com o estatuto figurativo de cabeça de cartaz, não pela sua performance deslumbrante, mas pela sua história que certamente é conhecida entre os fãs. Praticou, de início, uma forma de comunicação com o público fluente, sem esforço e recíproca que parecia tão singular que ninguém realmente pensou no assunto. Foram proporcionados momentos mágicos pela voz e piano do artista, mas tudo se foi desmorecendo quando recorreu a métodos “baratos” e forçados de cativar a atenção do público, abandonando assim a sua fórmula anterior e perdendo assim a oportunidade um concerto perfeito.

O multi-instrumentalista norte-americano, o experiente faz-tudo-do-rock Ty Segall, foi promovido ao palco principal depois de já ter passado em tempos anteriores no palco secundário. Este artista justificou a promoção com um concerto energético e musicalmente ecléctico, mantendo-se sempre focado nas sonoridades psicadélicas e rítmicas carregadas de fuzz, não fosse essa a sua imagem de marca.

Para últimos e verdadeiros headliners, num dia cheio de distorção sónica e para fechar em grande este festival, foram escolhidos os adorados Foals. Trouxeram-nos as suas deliciosas composições no universo do math rock inglês com dissonâncias e doces melodias em perfeitas proporções que neste festival redefiniram o conceito de espetáculo, com uma energia invejável, instrumentos nítidos tocados com a elegância desajeitada do rock e também com efeitos visuais vistosos inéditos até ao momento e que complementaram optimamente toda a experiência.

No contexto de uma edição especial do Paredes de Coura, a organização preparou uma surpresa para celebrar o aniversário. Finado o concerto de Foals começaram a chover confetti e volumosos balões vermelhos que, com um «parabéns a você» interpretado a partir de uma grua, imortalizou esta edição nas memórias de quem a viveu. Para sempre.

Texto: Ricardo Silva
Fotografias de Hugo Lima/Vodafone Paredes de Coura