MONITOR. O dançante escurecer da ‘caixa negra’

Volvido um ano, o MONITOR ligou-se de novo à corrente do contra-corrente. Depois da magnífica estreia em 2016, o Minimal Wave & Post Punk International Rendez-Vous voltou a pintar de negro a cidade de Leiria. Com nova casa, a Blackbox do Teatro José Lúcio da Silva; com o mesmo conceito, o ponto de encontro natural entre o minimal wave e o post-punk; com sucesso redobrado, fruto de maior público, ainda melhor cartaz e performances capazes de soltar o bichinho da dança no mais imóvel dos corpos.

Este infante da Fade In tem um conceito diferente do seu filho pródigo, o Entremuralhas, mas a grande maioria do público eram caras conhecidas de ambos os eventos. Às 18 horas lá estavam eles, vestidos de céu nocturno e com estrelas nos olhos. Encaminhados por um corredor estreito, a primeira impressão que fica do novo espaço é que caixa mais negra, não há! Espaçosa, parcamente iluminada e íntima com os artistas, a sala que rouba o palco ao teatro junta todos os ingredientes necessários para o sucesso de noites alternativas.

A Injeção do Veneno da Dança

Às 18 horas e 18 minutos, o primeiro acto da noite teve início, com a dupla francesa Poison Point. De poucas palavras e muito ritmo, Timothée Gainet e Arnaud Derochefort tocaram durante 37 minutos e não perdoaram na hora de obrigar os corpos da plateia a soltarem-se. Percorrendo o seu ainda curto cardápio sonoro, debitaram tema após tema apenas com uma pausa a meio para agradecer ao público, gesto que se repetiu no final. Um arranque curto e intenso, bom agouro para o que o resto da noite traria.

Os Helénicos Cristais Obscuros

Após uma pausa de apenas 13 minutos, Kristall Ann subiu a palco e deu voz à primeira música da noite, ainda com muita gente lá fora. A primeira impressão, de uma rapariga sorridente e muito simpática, veio a confirmar-se com os agradecimentos constantes entre as músicas, com destaque para o introdutório e em português “Muito obrigado! Olá pessoal!”. Mais atmosférico e negro que o concerto anterior, a prestação a solo de Kristall Ann em grego e inglês decorreu em crescendo, com o pináculo sonhador na etérea She Walks In Beauty, a meio do set, e a frenética pérola final Fall Of Misery.

Na segunda parte do espectáculo, Paradox Obscur juntou-se à artista em palco, trazendo consigo mais ritmo e obscuros efeitos sonoros. Com destaques para Drone, Dark Fortress e Flesh a fechar, todo o concerto viu uma Kristall Ann com interpretações intensas e negras, com um forte sotaque grego e um carregado sorriso no final de cada música. Eram 20h em ponto quando o concerto duplo parecia ter terminado; o som do palco foi desligado, a música ambiente entrou, o público dispersou. Mas os músicos em palco ainda tinham mais para dar. Resolvida a confusão, um remix especial de Dark Fortress e Ανδρείκελα presenteou os resistentes.

Ao Qual o Diabo Possui

Um pouco antes das 20h30m, foi a vez de William Maybelline pisar o palco, com o seu projecto a solo Qual. Num exercício singular de exorcismo demoníaco, o músico britânico cantou, falou, gritou, arrastou, espancou, suou, dançou e fez dançar. Numa interpretação negra e macabra dos temas, cujas versões de estúdio não faziam adivinhar tão intensa, Qual conquistou o público naquela que foi, provavelmente, a melhor actuação da noite. A curta prestação de intimidante teatralidade teve os seus pontos altos em Benevolent Technologies e Rip Doth Thy Scarlet Claws, ficando no final um sabor a pouco; pedia-se mais, de tão bom. Certo é que, à nona música, o concerto terminou, e a satisfeita multidão dispersou para saciar a fome, numa pausa de duas horas.

O Círculo de Meias-Luas Díspares

Passavam 21 minutos das 23 horas quando arrancou a segunda parte do MONITOR, com The Agnes Circle. Após uma introdução perfeita para recriar a atmosférica gótica na sala, White Gate, o arranque do post-punk reminiscente dos anos 80 com Ceramics. Apesar da sonoridade nostálgica, bem executada e com melodias contagiantes, algo soou fora de tom. O vocalista Florian Voytek não teve nos seus melhores dias, fazendo da desafinação uma constante e manchando um concerto que prometia muito mais. Apesar de tudo, lá ficaram na cabeça as notas de Monument, Porcelain e Sister Flux.

O Valete que Dava Cartas Dançantes

Aproximava-se o fim, no início de um novo dia. Com 21 minutos de existência, o 28 de Maio trouxe consigo Sydney Valette, o ‘ninja’ francês que até começou o concerto com uma introdução lenta, Other Side, mas logo o catapultou para uma pista de dança em movimento constante e libertador. Aqui o vosso repórter juntou-se ao espírito e no meio da confusão acabou por perder a caneta; no colectivo, todos perdemos uma boa dose de calorias, compensadas pelo que foi ganho em experiência sonora. Please, Run e Prêt à Mourir foram alguns dos destaques da setlist, que se desenrolou por 40 minutos. No final, a Blackbox ficara mais quente, tal como os nossos corações.

O Encontro Improvisado do Quarteto a Três

O derradeiro concerto era, para muitos, o mais esperado. O quarteto Rendez Vous tem apenas uma mão cheia de anos de carreira, mas já viajam de boca em boca no universo alternativo. Quem infelizmente não conseguiu viajar até Portugal foi o seu guitarrista, retido em Paris. E o que faz uma banda quando um dos elementos chave do seu som está ausente? Adapta-se. Reinventa-se. Improvisa. Dá tudo em palco, enquanto debita versões ensaiadas em cima do joelho de Workout, Distance, Euroshima e Youth. The Others teve direito a dose dupla, quase a abrir e depois a fechar, no encore.

O jogo de 3 vozes, os efeitos sonoros, a profundidade do baixo e sobretudo a atitude da jovem banda fizeram com que não se sentisse a falta de ninguém em palco. Foi uma celebração final perfeita, com a felicidade de todos espelhada na cara de Carlos Matos, que aproveitou a pausa antes do encore para agradecer a presença de todos. Cá em baixo, retribuímos silenciosamente, agradecendo-lhe e aos que o acompanham por mais uma noite inesquecível. E como foi anunciado nesse momento, que venha a terceira edição em 2018, porque o corpo enferruja com o MONITOR desligado!

Texto: David Matos
Fotografia: Marina Silva
Agradecimentos: Fade In