Na semana passada, no dia 23 de Maio, o quinteto liderado por David Moore instalou-se na Galeria Zé dos Bois no Bairro Alto em Lisboa para um concerto muito especial. O motivo da visita, que se estendeu a uma outra data no gnration em Braga, foi a apresentação do terceiro disco do colectivo No Home of the Mind, lançado sob a insígnia da 4AD. Um registo mais emocional e profundo, que transita do estilo de “conservatório” mais clássico para uma marca mais cimentada num registo minimalista, jazz e ambiente, que não só é tudo isso, como, simultaneamente, todo um outro universo à parte.
Na chegada à ZDB, após uma esbaforida subida pelas ruas do Bairro Alto, (des)ajudada pelo calor que se fazia sentir naquela noite, eram muitos os que se refrescavam com uma bebida no movimentado corredor que separa o bar do “aquário”, a sala de concertos. Ao transitar para o interior da sala, ainda assim, bastante composta, a atenção prendeu-se de imediato na disposição do espaço, com duas “bancadas” de cadeiras que ocupavam metade da área, indicando que este seria um concerto para degustar confortavelmente sentado, deixando-se invadir pela cadência de sons, abrindo os braços para as sensações que deles adviriam. Em cima do palco, o português Bernardo Álvares, “escondido” atrás de um enorme contrabaixo, remexia as cordas num ritual exploratório de comunhão entre músico e instrumento, retirando dele notas contínuas e sons graves, suspensos no ar.
Quando Bing & Ruth, o quinteto de câmara liderado por David Moore, tomou o seu lugar no palco, já a sala havia enchido mais um pouco, levando a que muitos dos que estiveram em pé durante a primeira parte, face a lotação esgotada de cadeiras, procurassem um lugar e posição confortável no chão, para melhor apreciar todo o espectáculo que se haveria de desenrolar diante de si. O imponente piano e o clarinete à frente, dois altivos contrabaixos atrás e, do lado esquerdo do palco, a bancada para os efeitos electroacústicos de eco e delay – de forma a conferir toda uma densidade ao resultado final – compunham o cenário.
E, nesse momento, inicia-se uma verdadeira sessão, onde todos os instrumentos e tons gravitam em torno do piano, o maestro, a linha que vai unindo todos os pontos desta verdadeira manta sonora que se vai tecendo diante de nós. Piano este que, despido da sua “capa”, denuncia cada nota e cada tecla premida, sendo-nos possível observar o efeito mecânico que este estímulo gera nos martelos e cordas. A orquestração de som e imagem é simplesmente maravilhosa e confere uma representação sensorial e emocional com um quê de transcendental e de itinerante, capaz de invocar lugares, destinos e rotas escondidos nos limites da nossa mente e memória.
Contudo, este não foi, por si só, um concerto intimista. Diríamos até que acarreta uma certa estranheza neste aspecto já que convida mais a um recolher próprio, do que a entrar no imaginário dos músicos. Estes, imóveis, mantendo a mesma disposição do início ao fim do concerto, deambulam pelos meandros das composições, e expandem-nas além da interpretação estática e presa aos registos dos discos, sem nunca perder o rigor e a precisão em nenhum dos momentos.
No escuro da sala, entre as pausas premeditadas entre peças, o dramático silêncio funde-se com os ruídos distantes da noite que começa lá fora, do outro lado da parede. As conversas, os risos, os ocasionais carros que tentam atravessar as compactas ruas do bairro não nos deixam esquecer a dimensão real de onde estamos e inserem-se no conjunto invocando o quotidiano e o terreno, o de estarmos presentes ali e naquele momento.
Volvidos cerca de 45 minutos, é difícil precisar ao certo, no final da actuação, foi preciso tomar alguns minutos para quebrar o encantamento, para levar o contemplativo e tácito público a sair do estado de imersão e a romper então nos merecidos aplausos. Feitos os agradecimentos, após a saída do quinteto do palco, as atenções centraram-se no piano e ainda foram muitos os que se aproximaram deste, curiosos por admirar o “veículo” que nos transportou nesta viagem.
Texto: Rita Bernardo
Fotografia: Nuno Bernardo