Bob Log III, ou o filho bastardo de Las Vegas com o delta blues

Numa noite gelada, um Cave 45 lotado acolheu calorosamente o regresso de Bob Log III a Portugal. A one-man band mais excêntrica do Arizona respondeu com um concerto inesquecível e que terá, decerto, deixado muita gente a pensar no que raio se passou ali.

Ainda não eram 22h30 e o Cave já se encontrava invulgarmente cheio, fosse ou não quarta-feira. Olhando em volta, o perfil que se poderia traçar seria o do ouvinte de música casual, procurando uma pausa do tédio do trabalho desfrutando de um bom rock. O Bom, o Mau e o Azevedo foi a banda escolhida para o aquecer, e a tarefa dificilmente poderia ter corrido melhor. Cruzando as lições de Ennio Morricone com o clássico som do surf rock, desde o reverb e o tremolo das guitarras à bateria minimalista e consistente, transformaram as nossas mentes em salas de cinema exibindo sessões de spaghetti westerns e thrillers low-budget. Faixas como “Surfin’ With a Hammer “e “Devil’s Island” puseram a sala a dançar e, terminando com uma nova malha, mais encorpada do que as restantes, deixaram-nos no espírito certo para receber a estrela da noite.

Bob Log é uma espécie de lenda viva de um qualquer submundo do rock. De idade impossível de determinar excepto pelas mãos que denunciam muitos anos disto, o virtuoso da slide guitar começa o seu concerto ainda no backstage, o sistema wireless deixando-nos ouvir as primeiras notas disparadas em rápida sucessão. Subindo ao palco enquanto toca, envergando o seu fato branco, capacete reluzente a esconder o seu rosto e um telefone a servir de microfone, senta-se em frente à sua bateria: pé direito no bombo, pé esquerdo no prato modificado, nas várias samples e no looper, e está formada a sua banda.

A partir daí, fica difícil decidir onde nos centrarmos. Podemos escrever sobre a fulminante “Look at That” e tantas outras que, mesmo diante dos nossos olhos, temos relutância em aceitar que são tocadas por uma só pessoa, mas a música é só uma pequena parte de um concerto de Bob Log, terceiro da sua dinastia. Há o crowdsurf em cima de um barco insuflável, há os balões distribuídos pelo público para, ao rebentar, servirem de complemento à bateria, há a proeza regular de tocar “I Want Your Shit on My Leg” com uma miúda (ou rapaz, à falta de voluntárias) em cima da perna com que toca bombo, há as tentativas falhadas de aprender a dizer longas frases em português, há os monólogos, os high fives… e há as fotos, que valem mais do que qualquer tentativa de descrever esta noite.

Fotografia e Texto: Daniel Sampaio