Sonhos penhorados na caça aos fantasmas

Ditou a sorte que a primeira sexta-feira 13 do ano juntasse dois nomes com uma bagagem sonora distinta no Teatro Miguel Franco, em Leiria. O trio organizador do Clap Your Hands Say F3st (Fade In + Omnichord + Rastilho) escolheu o quinteto leiriense Dream Pawn Shop para abrir para a dupla lisboeta Ghost Hunt, naquele que foi o segundo de dez episódios do estreante festival.

A “banda da casa” subiu a palco doze minutos após as 21h30, para prender de imediato a atenção do público com Trapped. Os cinco músicos continuaram com 5th Start, onde as suas aventuras mais progressivas se evidenciaram. A sonoridade dos Dream Pawn Shop marcou a diferença pela fusão bem conseguida de metal, rock e jazz, que resulta num post-something que não é escravo de uma sonoridades pré-formatada.

Slavery e S.P.E.R.M. deram continuidade ao concerto, numa altura em que o efeito de grupo inicial se dissipava e se tomava mais atenção às individualidades; na voz, o Vasco Fernandes mostrava um bom contraste entre os gritos, entregues com frieza e exactidão, e a voz limpa, mais melódica, se bem que menos afinada. Arnaud António esteve sempre agitado e sorridente, senhor e dono do seu saxofone.

No entanto, após a explosiva Chromatic e com Bricks a fechar, ficou claro que o elemento mais impressionante em palco é o baterista Nuno Sarnadas, certeiro, focado e demolidor. Com algumas semelhanças aos noruegueses Shining, na forma como juntam o saxofone a sonoridades mais pesadas, o conjunto da cidade do Lis mostrou muito em meia hora e deixou uma promessa ainda maior.

Após uma pausa de vinte minutos, que serviu entre outras coisas para preparar os ouvidos para uma experiência sonora bem distinta da anterior, a plateia voltou a sentar-se. Passava pouco das 22h30 quando a dupla Ghost Hunt subiu a palco. Pedro² (Chau e Oliveira) protagonizaram um concerto electrónico com princípio, meio e fim, mestres das máquinas e senhores da batida.

Inicialmente no escuro, depressa surgiram imagens no ecrã por trás dos músicos, que durante a hora de concerto completaram uma sequência algo caótica a preto e branco, terminando da mesma forma que principiou. Pelo meio, temas como Games e Shallow End foram pontos altos numa viagem cósmica e retro-futurista pelos primórdios da música electrónica.

Prova desse recuo no tempo foi a versão da T.V.O.D. dos The Normal, que data de 1978; apesar de tudo, na sua intemporalidade, as melodias mostraram-se actuais e no ponto, capazes de abstrair a mente do ruído exterior e permitindo a auto-exploração dos sentidos.

Muito aplaudidos no final, os Ghost Hunt puseram fim a mais uma etapa do caminho de descoberta de boa música nacional, proporcionada por um evento que fazia falta na cidade e terá ainda por vir episódios que merecerão igual atenção.

Texto: David Matos
Fotografia: Marina Silva