Por mais um ano consecutivo, a música desfilou por entre as salas mais requintadas da Avenida da Liberdade. Distinguindo-se pela alternativa no conceito, é nas variadas opções musicais que a promotora Música no Coração e a Vodafone se unem numa aposta nas novas (e futuras) tendências mundiais do panorama musical, dando a conhecer ao público os sons da actualidade ao mesmo tempo que possibilitam a estas estrelas em ascensão a partilha de palcos e concertos com artistas de renome internacional.
Com um cartaz agridoce para os seus habituais seguidores, viajou-se do rock à electrónica, numa passagem pelas sonoridades afro, latina, samba, jazz e bossa nova, para todos os gostos, em todas as dimensões, pelas diversas salas e espaços que caracterizaram esta edição.
A compositora lisboeta Lula Pena foi a primeira a ousar descer a escadaria iluminada da Sociedade de Geografia de Lisboa, para uma sala já composta, às 19h30 de sexta-feira. Pouco teríamos de esperar para que as 20h00 batessem na varanda do Coliseu para o primeiro Vodafone Cuckoo, com Moullinex e Da Chick a colocarem os olhares ao alto com “Do It Again”, de Röyksopp & Robyn, e “Do Tha Clap”.
Num ano virado ao hiphop e R&B, e como bons hospedes que somos, recebemos de fora nomes como Talib Kweli com fila para o ver e a encantadora e energética NAO, em cores tropicais e interagindo na língua de Camões. Dançou, embrenhada na sua própria música com sucessos como “In the Morning” e levando toda a gente a voar com “Girlfriend”. Ainda assim, não nos podemos esquecer do produto nacional pois foram Nerve e Mike El Nite que deram rumo a umas boas dezenas de, sobretudo, portugueses, que quiseram escutar as rimas destes rapazes, a quem se juntaram também Capicua e Blasph, no arejado Capitólio. Já no sábado mas ainda na onda romântica do R&B foi Gallant com o seu hit “Weight In Gold” a aquecer o Coliseu.
Um dos concertos mais intimista e capaz de dividir opiniões aconteceu com Howe Gelb na Casa do Alentejo. Com uma fila de dois andares que saía para fora de uma das salas mais bonitas deste evento, encontrámos a magia jazzística do alt-country pela voz e piano deste senhor e dos seus acompanhantes no contrabaixo e bateria.
Para quem já tinha assistido a um concerto ao vivo de Jagwar Ma, não foi surpresa o poder que estes jovens têm em palco e principalmente o modo como agarraram o Coliseu dos Recreios, mas para quem estava a sentir a atuação já com as energias esgotadas, considera-se que poderia ter terminado em bem com “Come Save Me”. Mais um repetente deste ano do segmento indie, Kevin Morby subiu até à Estação do Rossio para tocar um “Harlem River”, “I Have Been to the Mountain” and “Dorothy” que aconchegaram os ouvintes que se abrigavam simultaneamente de uma chuva gélida que caía sob a cidade a avançar da noite.
Uma das mais esperadas vozes e, por sinal, mais aclamada, Elza Soares. No alto do seu trono mostrou com A Mulher do Fim do Mundo que a idade é um posto de sabedoria e que as senhoras devem ser rainhas do seu lugar. De cabelos cor de vinho a cercar-lhe o rosto, declama poemas ao som do samba velho, exclamando “Eu quero cantar. Me deixem cantar até ao fim”. Apresentou os seus irmãos, os seus “moleques” e falou de “um assunto muito sério para as mulheres” em “Maria da Vila Matilde”, num dia após a celebração do Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres.
A lotar o Tivoli na última noite estiveram os americanos Whitney, originalmente numa formação alargada – como surgiram em Paredes de Coura também este ano -, deram permissão a que os restantes companheiros fossem a casa no Thanksgiving. Foi assim que entre duas guitarras e uma voz (desta vez sem bateria), os dois rapazes num formato acústico com o horizonte de fundo tocaram os sucessos do seu único álbum Light Upon the Lake, deste ano, 2016. Além do vinho que ia também entrando em palco, houve tempo para uma versão de Bob Dylan e referiram estar “in love” com Portugal, e Lisboa em particular, onde haviam escrito uma canção e onde davam agora o último concerto do tour europeu, após 6 semanas de estrada. Estrearam ainda duas versões ao vivo e arriscaram uma experiência com “No Matter Where We Go”. No fim, a promessa de um regresso em 2017.
O encerramento desta edição coube a Branko e às suas projecções visuais. O DJ e produtor que viajou por entre diversos locais reuniu mais uma vez em Lisboa o centro do seu trabalho, fazendo-se acompanhar para a última faixa da noite por Mayra Andrade – que também actuou neste festival – em “Reserva pra Dois”, numa estreia ao vivo.
Da correria desenfreada que veste nestes dias a principal avenida lisboeta, sentimos saudades dos Blackout Room do ano passado e da Igreja S. Luís dos Franceses. Por outro lado, a estreia do renovado Capitólio, que levou uma enchente considerável ao Parque Mayer, parece ter atraído de novo a população àquele espaço da cidade. Com os espaços mais concentrados em duas grandes áreas – o centro da Avenida e os Restauradores -, tornou-se mais simples a deslocação entre locais, embora a presença em alguns dos concertos tenha ficado comprometida por exigirem uma deslocação maior para o pouco tempo de intervalo. Neste sentido, também a App Vodafone Mexefest continua a ser uma ferramenta útil para quem pretende consultar a lotação das salas antes de se aventurar sem êxito.
Desta edição fica por melhorar a divulgação do horário e local das Vozes da Escrita pois, no fim de contas, quem queria assistir a um momento de pausa entre os concertos não conseguiu perceber onde e quando o fazer, tendo perdido assim momentos literários com Carlão, Mike El Nite, Fuse e Da Chick.
Os concertos-surpresa, que decorreram junto ao Teatro D. Maria abertos a toda a população, no primeiro dia com Jorge Palma e no segundo com António Zambujo, levaram mais curiosos a esta dinâmica meio-secreta para quem não se envolve nestas lides.
A activação da marca Vodafone destacou-se mais uma vez, neste caso pelo chocolate quente e bolas de Berlim gentilmente distribuídas pelos seus promotores. Também os shuttles que marcaram a sua presença em edições anteriores foram desta vez substituído exclusivamente por carros de 5 lugares que, embora confortáveis e adequados à situação, parece não terem suprido as necessidades do público.
Sempre abençoado pela chuva que lá vai caindo enquanto se aguarda por uma boleia Toyota ou pelo mais desejado e festivo autocarro da Carris, na esperança de encontrar um lugar para conseguir ver o concerto que agora começa. É deste modo que partimos à experiência única dos sempre loucos Vodafone Bus, no primeiro dia com os eletrizantes Fugly e no segundo com 800 Gondomar que encerram o concerto com uma versão hard rock (tropical) para “All Good Things (Come to an End)”. E se nunca experimentaram um mosh em pé num autocarro em movimento, lamentamos, mas terão de aguardar ansiosamente pelo próximo ano, na esperança que continuem com uma das melhores concretizações de “a-children-wild-dream”. Quem vivencia a experiência de frequentar um autocarro lotado com uma banda a tocar lá dentro, deixa apenas uma sugestão: talvez seja esta a ideia que venha a revolucionar as manhãs citadinas de sonolência, virando o que parece um inferno quando se está atrasado para o trabalho ou preso no trânsito “tipo-sardinha-enlatada” para uma festa matinal.
Por toda esta envolvência, os espaços e as pessoas que rumam de diferentes lugares, o Vodafone Mexefest segue um sucesso que, ano após ano, nos continua a ligar, uns aos outros, através da música.
Texto: Ana Margarida Dâmaso