Sun Kil Moon no Hard Club. De genial a louco em sessão pré-Amplifest

Diga-se o que se quiser sobre Mark Kozelek, haverão poucos nomes no panorama actual capazes de mover tantas opiniões. Icónico como sempre e egocêntrico a medida semelhante, Kozelek é tanto um contador de histórias como o júri e o réu nos versos que canta; o herói e o vilão, o homem e o filho da puta. Depois de arrumado o capítulo com os Red House Painters após o lançamento de Old Ramon em 2001, Kozelek virou Sun Kil Moon, mas não foi até há dois anos que Benji surgiu acima e maior que qualquer outro na panóplia de lançamentos que o norte-americano foi entretanto metendo cá fora. Álbum do ano para uma generalidade da crítica, foi em Benji que o carácter fluído de Kozelek surgiu no seu mais brutalmente honesto e pessoal, uma janela íntima e sem merdas em que nos conta amores e desamores e nos canta tanto a vida como a morte ao ouvido. No passado sábado e no que foi mais outra sessão preliminar para o Amplifest, Kozelek passou pelo palco do Hard Club acompanhado por Steve Shelley (ex-Sonic Youth) e Ben Boye, marcando o seu regresso a uma cidade de que abertamente tanto gosta, para contar e recontar as histórias que tão bem nos servem uma e outra vez.

“Somehow The Wonder Of Life Prevails” – canção que remonta à colaboração de Kozelek com Jimmy LaValle (The Album Leaf) – marcou o tempo de entrada a um fervilhar lento, hipnotizante perante a sucessão de versos que Kozelek faz empilhar como ninguém, como livros numa prateleira só sua, cada um peça pequena do que é a sua vida mas tão bem amplificados à luz do gesticular incoerente e à gravidade da sua voz. Num primeiro terço menos bem conseguido, marcado por faixas saídas da sua colaboração recente com Justin K. Broadrick, ficou o sentido cómico apurado perante uma primeira vez a abrir para uma banda de metal – de seguida tocavam os SUMAC – e a interpretação elegante de “Something Stupid”, esta última com dedicatória humorada a alguém que Mark via a adormecer pelo canto do seu olho, quiçá não mais que olhando o relógio até que a banda de Aaron Turner pisasse o palco.

Foi só mais tarde que vimos Kozelek  encaixar o microfone no suporte e a deitar a guitarra ao ombro pela primeira vez, e de que maneira cresce a intensidade da música de Sun Kil Moon quando os dedos do californiano palpam os trastes. Em “The Possum” vimos Shelley encher a sala de forma sublime de trás da sua bateria, enquanto Kozelek abria a goela e deixava-a arranhar em harmonia com o tom que raiava do seu amplificador; cantando e unindo a morte dum marsupial a um concerto de Godflesh em São Francisco, acrescentando-lhes um peso e simbolismo como mais nenhum cantautor no mundo seria capaz de fazer. Em “Dogs” fala-nos dos seus primeiros amores, do primeiro beijo e da primeira queca sem lhes tapar com véus ou lençóis, num saga que até pode muito bem ser de todos mas que não deixa de ser um rol de eventos tão «Kozelekiano».

Depois de ao ano passado termos visto estes mesmos Sun Kil Moon num formato de cinco ou seis elementos – dos quais a presença de duas baterias fez uma diferença fundamental –, não deixa aqui de ficar a sensação de que um trio pode não ser suficiente para interpretar alguns destes temas à altura que já os ouvimos. Sentiu-se que a espaços faltou densidade à mistura, tendo isto ficado especialmente denotado enquanto a coisa se foi construindo somente de teclados, bateria e pela sobreposição da voz de Kozelek.

 “We ended on a good note there” – brinca ao regressar ao palco para um encore e após a interpretação de “Richard Ramirez Died of Natural Causes”. Para o final mesmo ficou guardada uma versão da que Kozelek diz com estranheza ser a canção favorita do seu pai, homem de colarinho azul, sério e nascido em meados da década de trinta, a mesma década em que Judy Garland cantou originalmente essa “Somewhere Over The Rainbow” com que se despediu. Odeie-se ou adore-se a persona que representa Mark Kozelek, dificilmente se terá encontrado alguém à saída daquela sala que não lhe tivesse uma opinião traçada. Do genial ao louco, passando pelo pretensioso ou besta quadrada, é ele próprio o que melhor abraça o perfil no qual  tão facilmente lhe fazem questão de encaixar, uma figura da qual esse mesmíssimo Kozelek pode muito bem estirar-se a rir por cada vez que caminha até aos bastidores.

Texto: Rui P. Andrade

A fotografia utilizada não corresponde ao concerto no Porto. Fotografia de Valerio Berdini/The Quietus.