No passado sábado, dia 2 de Julho, as Festas de São Pedro da vila de Porto de Mós tiveram uma inesperada noite de peso. Procurando agradar a diferentes públicos, a organização apostou na mais internacional banda portuguesa, os Moonspell, cujos 24 anos de carreira são marcados pelo êxito conseguido a custo próprio. A abrir, o segredo mais bem guardado da região, o trio instrumental Sangue Lusitano, que trilha caminhos do rock progressivo e do metal com uma técnica soberba e de admirar em tão jovens músicos.
Passavam 24 minutos das 22 horas quando o palco se iluminou e os Sangue Lusitano deram início ao concerto. A viagem iniciou-se com Caravela, com os bons ventos da técnica a soprar a favor dos miúdos musicalmente graúdos. A descoberta da sua sonoridade continuou com, precisamente, Descoberta, mais experimental e com uma guitarra hipnotizante no final. Já o baixo teve mais destaque na abertura da música seguinte, Nativos, um momento mais selvático a meio do concerto.
Frisando aos presentes a sua vontade em ser um projecto instrumental por opção, a banda mostrou-se comunicativa q.b. e descontraída em palco, tocando na sua casa, na sua terra, mas com sonoridades inspiradas nas viagens por todo o mundo dos Descobrimentos portugueses. Dobrando o Cabo das Tormentas de uma forma mais pesada, a banda chegou ao outro lado com sucesso em Boa Esperança, o mais parecido com uma balada que o seu álbum de estreia tem, formando ambos os temas uma dupla imbatível.
O concerto terminou à oitava música com Nova, a única não constante no seu álbum de estreia de 2014, Caravela. Foi um bom aquecimento para o que se seguia, decerto conquistando novos fãs e não se deixando intimidar pela magnitude do nome que se seguia.
Se há banda que tem sangue lusitano e que leva a nossa bandeira por esse mundo fora, são os Moonspell. Orgulhosos da sua pátria, conhecedores do seu público e reinventando-se a cada álbum, são um dos principais estandartes do metal gótico mundial. É por isso um privilégio poder assistir a um concerto deles de forma gratuita, ainda para mais quando a banda dá tudo em palco, quer estejam nas festas de uma vila, quer estejam num dos maiores festivais do mundo.
Precisamente uma hora depois do espectáculo anterior ter início, o palco vestiu-se de negro e deu-se a introdução do concerto, com os músicos a entrar em palco à vez enquanto era tocada uma introdução com a melodia da música La Baphomette orquestrada de forma triunfal. Já com o Fernando em palco, o concerto abriu com os dois temas que também abrem o último álbum, Breathe e o tema homónimo Extinct. Apesar de belas composições, alguma coisa pareceu não bater certo nesta primeira parte do concerto, com a bateria demasiado alta e a guitarra praticamente inaudível.
Com um melhoramento progressivo do som, que atingiu a perfeição na segunda metade do espectáculo, a banda deu um pequeno salto atrás no tempo com a esmagadora Night Eternal; depois, deu um grande salto até 1997, com a inconfundível Opium a inebriar os sentidos da maré negra de público. E fosse desejo ou vontade de abrandar o ritmo, Awake foi o primeiro momento mais calmo da noite, uma pausa para respirar que continuou com a brilhante Domina do novo álbum; apesar de 18 anos separarem as duas músicas, a sucessão soou natural.
Aproveitando o regresso a Extinct, a banda terminou a apresentação dos novos temas com o apetecível single mais comercial The Last Of Us, a oriental Medusalem (uma das melhores faixas do álbum) e a experimental Malignia, com a única amostra de Darkness & Hope, Nocturna, a intrometer-se entre estas duas últimas, numa prestação de fazer, literalmente, saltar baquetas.
Foi a vez da língua lusitana tomar conta do palco, com um trio de temas em português nos quatro que antecederam o encore. Primeiro, Em Nome Do Medo, o brilhante tema de Alpha Noir, com uma prestação absolutamente divinal do Fernando na voz e do Ricardo na guitarra. Seguiu-se uma pausa para uma troca de indumentária a condizer com a teatral Vampiria, o momento mais espectacular da noite, qual assombro sedento de sangue alguns minutos depois da meia noite; só faltou a lua cheia.
A plateia teve o momento de irresistível dança com o hino folk Ataegina, a deusa do renascimento, fertilidade, natureza e cura da, inexplicavelmente ignorada nas salas de aula, mitologia lusitana. E porque neste ponto do concerto a alma lusitana estava no seu auge, houve uma manifestação de apoio da banda à selecção nacional de futebol, colocando todos a gritar por Portugal antes de arrancar com Alma Mater, onde todas as almas presentes cantaram a uma só voz.
Após virarem as costas ao mundo que assistia ao concerto, os Moonspell voltaram a nós, invadindo-nos com a sua negra mística em Everything Invaded. E porque as senhoras também têm direito a brilhar, a nossa brilhante Carmen Simões juntou-se à banda em palco para a feminina balada Scorpion Flower, com uma prestação vocal irrepreensível, que já deixa saudades dos Ava Inferi e nos mata de antecipação pelo novo projecto Earth Electric.
A vida é feita de rituais; nos concertos de Moonspell, esse ritual é Full Moon Madness, o icónico tema que invoca o nosso instinto animal e nos faz uivar, sedentos de música. Como sempre, o ritual cumpriu-se, selvagem e lupino, numa despedida grandiosa, após hora e meia de escuridão que ilumina.
Fotografia: Marina Silva
Texto: David Matos