Muse no MEO Arena. Reencontro com a história a 360 graus

Do alto das duas dezenas de canções que os Muse deixaram ao esgotado MEO Arena nesta segunda-feira, 2 de Maio, fez-se uma visão geral sobre a sua história. Isto porque os regressos de Matthew Bellamy, Chris Wolstenholme e Dominic Howard a Portugal já há vários anos que motivam grandes espaços cheios, mas para concerto em formato indoor é preciso recuar a 2009 para nos lembrarmos do que é observar a escassos metros, partilhando o olhar com uma larga audiência, o crescimento evidente de uma banda.

Da longínqua presença na Ilha do Ermal até aos dias de hoje testemunhou-se a eclosão dos Muse pelos palcos portugueses – da íntima Aula Magna aos grandes festivais, passando pelo Campo Pequeno – e pelo percurso ficaram álbuns recheados de singles que são tomados como clássicos no presente. E neste concerto o efeito do clássico saltou ao ouvido logo na terceira faixa, “Plug In Baby”. Na verdade, toda a componente visual e arquitectura de palco, colocado no centro da arena com passadeira giratória, até recheou as guitarradas das introdutórias “Psycho” e “Reapers” com drones a sobrevoar milhares de cabeças e ecrãs gigantes no alto ao estilo de um jogo da NBA, mas o verdadeiro estardalhaço sonoro, e primeira grande apoteose da audiência, só se começou a sentir com a única malha sacada de Origin Of Symmetry para este dia.

A despachar a apresentação de Drones seguiram-se “Dead Inside” e “The Handler”, intercaladas pela inconsequente “The 2nd Law: Isolated System” do anterior The 2nd Law cuja progressão rítmica pareceu chamar por “Resistance”, uma das faixas mais interessantes dos últimos três discos de Muse e deixada de fora. Enquanto isto o cenário em geral surgiu sempre mais arrojado nas faixas novas, com cortinas a receberem projecções de um rosto robótico que parecia controlar os músicos como marionetas. Mas “Supermassive Black Hole”, com um cheirinho de Jimi Hendrix à entrada, acabou por também ter direito a um alinhamento dos drones em redor da plataforma central do palco – a rodear um buraco negro super-massivo? – assim como também chamou os clássicos de volta. “Starlight” fez puxar os telemóveis ao alto e fez Bellamy surgir de microfone em punho, despido da sua guitarra, como uma rockstar emancipada. E “Apocalypse Please” fez de Absolution um disco a precisar de ser relembrado, já que deve ter sido o ponto de partida para muita gente.

“Madness”, qual encontro gospel com uns Queen, mostrou ser uma das faixas mais queridas da audiência e “Map Of The Problematique” foi momento especial para os fãs que souberam espremer os singles menos recentes. “Hysteria”, “Time Is Running Out” e “Uprising” fizeram o melhor caminho para a recta final, com a despedida de palco a ficar para a extensa “The Globalist”, de Drones, com direito ao dobro das componentes cinematográficas nas cortinas e ainda um avião insuflável a sobrevoar a plateia. A vénia começou então a desenhar-se com o regresso ao palco para “Take A Bow” e com os confetti de “Mercy”.

Foi um reencontro feliz com a história que os Muse escreveram diante dos nossos olhos. Não são mais o segredo guardado de Showbiz (que falta faz a todos os concertos pelo menos uma faixa deste) e isso salta à vista na magnitude de espectáculo que apresentam, coordenado ao milímetro, sabendo até disfarçar a apatia do último par de discos que lançaram – aí talvez tenham percebido que lhes faltou alguma elegância na hora de usar a música como crítica política em Drones, mas nada que possa travar a força em palco e a devoção dos seus fãs. Tal como Coldplay, também os Muse souberam construir um legado por cima das comparações iniciais com Radiohead e tornar-se numa banda que enche estádios e festivais no mundo inteiro. São uma das raras bandas de rock da geração recente que o faz tão confortavelmente e que sabe que não é preciso falar ao público a cada par de canções para o agarrar. A comunicação faz-se em formato de poses, de mãos no ar e refrões entoados inteiramente pelos fãs. Os sorrisos, esses, ficaram para o final, merecidos e correspondidos. Estava dada uma boa lição do seu rock, da sua própria história, no primeiro de dois concertos esgotados em Lisboa.

«Come ride with me / Through the veins of history», cantou-se em uníssono no início da épica cavalgada final de “Knights Of Cydonia”. Sintetizar uma carreira de vinte anos e apresentar um disco novo em duas horas, com palco giratório e a 360 graus, é obra de quem veio à música para ser ouvido.

Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Everything Is New