Mão Morta & Remix Ensemble. Reinvenção exemplar na Aula Magna

As colaborações entre o universo do Rock e orquestras são uma proposta de risco. Não raras vezes o diálogo torna-se confuso ou pior: banal. Curiosamente a Aula Magna não é uma sala estranha a estas tentativas falhadas e foi precisamente na pomposa sala de Lisboa que o Remix Ensemble e os Mão Morta se propuseram a reinventar temas da banda bracarense.

Na verdade Adolfo Luxúria Canibal & Cª não são estranhos a estes territórios uma vez que Müller no Hotel Hessischer Hof e Maldoror já tinham mostrado a plasticidade da banda quando fora do registo mais vertiginoso e esses dois trabalhos são certamente pontos altos numa discografia longa e heterogénea. Daí que as reservas iniciais fossem fortemente mitigadas pela certeza que Mão Morta continua a ser uma entidade bem diferente e pouco dada aos lugares comuns que assombram semelhantes iniciativas.

Tudo começou em tons foscos e lentos com o Ensemble assumir papel de destaque numa introdução suave que introduziu “Humano” e “Facas em Sangue” antes da melhor música de Mão Morta na última década preencher todos os espaços “em branco” da audiência: “Pássaros a Esvoaçar” foi o primeiro grande momento da noite com os arranjos orquestrais a enaltecerem a grandiosidade e o primeiro momento de libertação teatral de Adolfo.

A apetência de Mão Morta para temas longos e épicos foi novamente comprovada quando o refrão inesquecível de “Tiago Capitão” fez tremer a Aula Magna e encerrou definitivamente o contemplativo momento inicial antes. A partir daí a vertigem tomou conta da situação com “Estilo” a sarabandear por entre violinos frenéticos e as cadeiras frontais entrando por “Destilo Ódio” e antes da explosão definitiva com “Berlim”, uma recuperação preciosa de Mutantes S.21.

A aceleração contínua de forma esquizofrénica com “Penso Que Penso” e “Hipótese de Suicídio”, tema do último trabalho onde um personagem no limiar do desespero parece interiorizar todas as injustiças de um mundo cujo enquadramento próprio há muito perdeu sentido. Uma outra solução é acalentada em “Vamos Fugir”: a loucura. Esta última proposta parece ser a que Mão Morta sempre seguiu com um sucesso clamoroso: um gume clamoroso irrompendo na reinante amorfia seguidista com a ironia suprema dessa monarquia irromper em aplausos já perto do término do concerto.

A propósito, a comunicação de Adolfo foi bem mais contida que o habitual mas ainda houve direito a recordar os 100 anos do Theatro Circo de Braga cujo centenário dava o mote para uma mini-tournée que, lamentava o vocalista, parece não ter conseguido rasgar o estigma da centralização numa sala a meio gás na capital.

“1º de Novembro” encerrava a noite não uma, mas duas vezes. O limite da experiência estava à vista mas quando se trata de um tema tão icónico não há lugar para lamentos. Afinal Mão Morta continua a ter sucesso onde a maioria falha e a vontade de experimentar continua a ser o norte do trintão colectivo de Braga. Ainda bem.

Fotografia: Alexandre Paixão
Texto: Filipe Adão