Jibóia na ZDB, serpentear no escuro

Sexta-feira à noite, no Bairro Alto. A chuva teimava em não parar de jorrar e nas ruas semi-desertas ecoavam os gritos de felicidade daqueles que vestiam as camisolas pelos seus clubes. Dia de jogo fervoroso e dia de concerto na Galeria Zé dos Bois, que, de portas abertas, recebia os grupos de pessoas que chegavam. E se lá fora estávamos num típico ambiente da cidade lisboeta, cá dentro, “no aquário”, à medida que se fechavam as cortinas de forma a deixar a sala na penumbra, abriam-se os horizontes e fronteiras para viajar pelos ritmos exóticos e quentes das músicas de Masala, o terceiro registo de Jibóia, desta feita a ser apresentado na capital.

E é já sabido o quão bem resulta a mistura do étnico e da electrónica que nos é proposta em Jibóia. Ainda assim, não deixa de ser interessante acompanhar as mudanças de pele da cobra. De Badlav para Masala, perde-se a leveza da voz de Ana Miró (Sequin) e ganha-se a bateria de Ricardo Martins (Lobster, Cangarra) que ajuda a dar corpo e densidade às músicas deste novo registo, mais sombrio. Mas a essência que Óscar Silva, que ginga a cabeça ao microfone enquanto canta, qual encantador de serpentes, traz para o seu projecto perpetua na sonoridade deste novo disco. O corte não é total, é sim um apelo a diferentes sensações.

No negrume da sala, a bateria serviu também para dar luz, literalmente, já que um sensor ligado ao bombo regulava a luz existente no espaço, num strobe ritmado e projectado sobre uma tela no fundo do palco. Masala, essa mistura de especiarias, traduz-se num disco muito bem aromatizado no que às melodias diz respeito, algo que foi ainda mais palpável ao vivo. Começámos na Turquia, com “Ankara” e seguimos num roteiro além cidades e além continentes, que não se fica apenas pelo Oriente. Não existem limites para a oscilação dos ritmos que fluem das teclas do teclado, das cordas da guitarra e das pancadas nos tambores e pratos. Por entre as ocasionais luzes, por vezes, no fundo, formavam-se padrões. Já o público dançava, de forma mais ou menos descontrolada, de braços no ar ou apenas com os olhos fechados, mas sempre solto e liberto nesta enorme área geográfica. A cosmopolita “London”, a lusófona “Luanda” e a oriental “Dubai”, derivaram todas numa enorme “Pangeia musical”.

Uma intensidade igualmente sentida com os portuenses Torto, que integram também o catálogo da Lovers & Lollypops, encarregues da primeira parte. Apresentaram alguns dos temas do seu segundo disco Escabroso, lançado no ano passado, e surpreenderam com a versatilidade da guitarra, a bateria galopante e o baixo enérgico. As calmas canções deste trio de rock instrumental rapidamente evoluem, incorporando sonoridades que tocam o psicadelismo, o blues e até o shoegaze, sendo o resultado um som mais pesado, que pendia sobre os pés deste nosso lado, que embatiam no chão a tentar acompanhar o tempo. E assim foi até à despedida, altura em que Óscar Silva e Ricardo Martins tomaram o palco.

No final, o concerto soube a pouco, como ditavam os muitos aplausos que pediam um regresso ao palco. Mas sacudida a antiga pele de cobra, feita a viagem por todas as cidades listadas em Masala, nada mais havia a acrescentar. O encanto prolonga-se até futuras paragens e futuros encontros, em Lisboa, em Portugal e no Mundo.

Fotografia: Nuno Bernardo
Texto: Rita Bernardo