Com nomes como o de Nina Kraviz, Nicolas Jaar e Todd Terje em cartaz, o LISB_ON tinha pouquíssimo potencial para falhar. Ainda menos se tivéssemos em conta o magnifico cenário do Parque Eduardo VII num fim de semana de sol e calor e no qual o festival se foi plantar em pleno coração de Lisboa. A verdade é que até as premissas mais simples podem ser deitadas por terra pelos detalhes mais ínfimos, e esta segunda edição do LISB_ON não pode ser revista sem que fique ofuscada por falhas organizacionais graves.
Não haverá nada mais desapontante (para qualquer que seja a parte envolvida), do que não poder escrever e comentar apenas música quando a um festival nos referimos. Infelizmente, o primeiro dia deste LISB_ON é um desses tristes casos. Podíamos falar da desilusão que representou um DJ set de Nicolas Jaar, de como Fandango pode muito bem ser um dos projectos mais absurdamente desinteressantes que ouvimos nos últimos anos e a quantidade de imaginação que será necessária para levar música assim a sério, dos Mirror People como donos da pop mais cativante que se faz em Portugal ou de como Palms Trax apresenta todo o potencial para vir a ser um dos mais interessantes produtores techno duma geração que agora desponta. Podíamos falar ainda de em como em todo o dia de sábado faltou um projecto que nos desafiasse um bocadinho que fosse e de em como a meio do alinhamento já estava abraçada a ideia de que nenhum dos projectos que estava para vir pudesse salvar fosse o que fosse. Tudo isto que está para trás é verdade, mas acaba a valer pouco ou nada face a questões que, nada tendo que ver com música ou a maior ou menor qualidade dum alinhamento, são parte integrante e fundamental da experiência num evento do género.
Das primeiras coisas que saltaria imediatamente à vista a quem entrasse no recinto do festival teria de ser o bombardeamento nada razoável de product placement que estava enfiado numa área tão pequena de espaço. Não era subliminar nem discreto ou delicado, estava lá, estava em todo lado e o “Jardim Sonoro” era um verdadeiro desfilar de biodiversidade multinacional. Não se organizam eventos desta dimensão sem apoios ou parceiros, logicamente, mas de que serve o apoio marcado duma conhecida empresa de (má) cerveja holandesa quando por ela faziam cobrar um valor bem acima do que se pode estabelecer como média em outros tantos eventos do género, por exemplo? Daqui seguimos até ao que terá sido de longe a maior e mais desagradável das questões em torno do dia um deste LISB_ON.
A adopção de um sistema tecnológico (pulseira) para carregamento e pagamento nos espaços de restauração do evento: duas filas sem fim quando bastaria uma, e a troco de quê? De que não houvesse dinheiro nem contas simples a fazer pelo pessoal dos bares? Quando é que isso iria fazer compensar o facto de anular a possibilidade de que uma pessoa apenas se pudesse deslocar para comprar bebidas para três ou quatro outras? Ou o facto de que se faltassem meia dúzia de cêntimos na pulseira, o consumo já seria impossível e obrigaria assim a mais uma longuíssima espera para que fosse carregada a diferença? Os próprios bares funcionavam mal e lentamente e chegaram a gerar-se discussões mais ou menos acesas em vários momentos; a entrada em si tornou-se morosa e excessivamente complicada a um ponto e é logicamente compreensível que se se tenha gerado alguma frustração entre quem esperava. O que se ouvia no palco parecia somente embater em tudo isto. A experiência de sábado, essa, pareceu nem ter começado.
Quem vos escreve não tem como esconder o amor por Todd Terje e o seu It’s Album Time do ano passado (foi um dos álbuns do ano aqui na Ruído Sonoro, inclusivamente). O norueguês deu, na passagem pelo NOS Primavera Sound em 2014, uma autêntica masterclass em música de dança e que não nos vai deixar a memória tão cedo. O LISB_ON trazia para cima da mesa o atractivo de representar a “estreia do seu formato LIVE em Portugal”, a antevisão duma apresentação distinta às restantes três passagens que por cá contabilizamos, o sonho de uma festança ainda maior e a possibilidade de rever numa tarde uma daquelas noites mágicas de uma vida. O concerto de Terje não foi menos “live” do que em outras vezes, mas, verdade seja dita, também não foi mais. Se a ideia de um produtor ao vivo é a de tê-lo a apresentar ou a manipular o seu próprio material em palco a ideia de adicionar o termo “live” ao nome de Todd Terje e a isso acrescentar a noção de uma estreia não tem relevância alguma e não tem como não gerar a ilusão de que se iria apresentar em Lisboa com os seus The Olsens, em formato banda. Se houve festança? Sim. Se desfilaram pelo Parque Eduardo VII hinos como ‘Delorean Dynamite’ e ‘Inspector Norse’? Sem dúvida. Se isso apaga o travo a desilusão inerente a um erro não tão inocente assim de promoção? Certamente que não. O pior de tudo? Terje não ter tido culpa alguma.
A melhor surpresa de todo o LISB_ON veio momentos antes carregada por dois rapazes australianos de seu nome Andras & Oscar. A ideia de despir a pop a um simples beat, a umas linhas de sintetizador contagiantes e forrá-la a vocais deliciosos e rasgados a rnb e soul não é a roda reinventada, mas quando bem feita continua a ser das coisas mais refrescantes e encantadoras do mundo. Andas & Oscar sabem-no bem, muito bem, e naquela fórmula tão simples há um nadinha de magia vestida a new wave e que cheira aos anos sonhadores da disco, e que maravilha é ver tudo isso reconstruído perante os nossos olhos.
Há potencial no LISB_ON. Potencial para que marque definitivamente o seu lugar e espaço no mercado de festivais portugueses, ainda para mais quando não há nem um com que sequer se possam estabelecer o mínimo de comparações. Notou-se já no segundo dia que a organização teve capacidade de abordar e reagir aos problemas que surgiram no dia um e corrigiu inclusivamente muitos dos problemas com as filas de espera. Quanto ao cartaz, parece-nos que faltou uma aposta mais vincada e arriscada. Todos os nomes que por lá marcaram presença traziam um selo de segurança mais ou menos assegurado e apresentavam-se como garantia fácil de atrair muita gente ao espaço. No meio desses faltou claramente algo que quebrasse ritmos e conceitos e que chegasse até a parecer destoado de tudo o resto. A visão geral que fica desta segunda edição do LISB_ON não é boa, pior ainda quando temos a noção e visão clara de que poderia ter sido incrível.
Fotografia: Telma Correia
Texto: Rui Andrade