Resurrection Fest @ Viveiro (Espanha), 16 a 18/7/2015

Este ano contou com mais uma edição do Resurrection Fest nos dias 15, 16, 17 e 18 de Julho, festival que se realiza na zona noroeste da região da Galiza, em Espanha, mais concretamente na cidade de Viveiro.

Já lá vão dez anos desde a primeira edição – na altura com apenas um dia – e muita coisa mudou desde o ano de 2006, quando dois rapazes decidiram fazer um festival como forma de levar os Walls of Jericho e os Sick of it All a tocar na sua cidade: o recinto aumentou, o público cresceu, o festival passou a ter mais dias, a entrada deixou de ser grátis (tem vindo a ficar mais cara ano após ano), o preço da comida e da bebida já não são os de um festival punk hardcore (2.50€ a imperial!!) e o cartaz ultimamente tem vindo a ser cada vez mais virado para o metal.

Este ano, em jeito de celebração a organização mudou as datas de Agosto/finais de Julho para o final da primeira quinzena de Julho e juntou um quarto dia, destinando o primeiro dia a uma Welcome Party no palco de Hardcore Punk, com entrada gratuita ao jeito dos bons velhos tempos.

O recinto este ano era composto por um palco de Hardcore Punk – o Ritual Stage – que ficava numa tenda antes de pórtico da zona principal, por um palco de Metal – o Chaos Stage – e pelo palco principal – o RF Mainstage – mais destinado à música Metal mainstream. Tinha também uma zona de merchandising maior, no entanto bastante homogénea, com quase todas as tendas a vender as mesmas t-shirts.

Ao chegar ao festival, tendo como referencia a edição de 2012 – última em que tinha estado presente – rapidamente se notava uma diferença no público. Em grande parte devido às diferenças no cartaz e ao aumento de opções noutros países para «férias de verão num festival Punk», este ano o público era exclusivamente espanhol e português, bastante mais calmo e, sobretudo, mais virado para o Metal. Quer isto dizer que, para o bem ou para o mal, a língua oficial não era o inglês, não havia afters no campismo a bombar música extrema a alto e bom som 24 horas por dia e às 4:30 da manhã 80% do campismo estava a dormir.

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16 de Julho

Devido às mais variadas peripécias só conseguimos chegar ao destino às 8 da manhã, perdendo a Welcome Party que tinha sido no dia anterior e que, a avaliar pelas fotos e pelos testemunhos, foi um sucesso.

Às 15h15, já estava o Ritual Stage cheio para o Hardcore dos Belgas Nasty. E que melhor forma de aquecer! Um concerto sem qualquer tipo de racismo, xenofobia ou religião – como os próprios fizeram questão de vincar – bastante intenso e com uma participação assídua por parte do público para uma “banda às 3h da tarde” – o que aliás foi uma constante, talvez devido ao público não madrugador desta edição.

Menos bruto – também devido ao estilo de música – mas igualmente intenso foi o concerto dos britânicos Landscapes às 16h15 também no Ritual Stage. Hardcore melódico e mais sentimental, bem tocado por uma banda toda vestida de preto com o vocalista Shaun a ir às mais do que uma vez às grades dar o microfone ao público – à semelhança do que tinha feito anteriormente Matthi dos Nasty – porém, apesar de pedir o microfone, o público nem sempre tinha as letras na ponta da língua.

E se, como era o meu caso, só com o começo já se estavam a matar as saudades de um bom concerto, os Defeater fizeram questão de nos lembrar que, afinal de contas, aquilo era o Resurrection Fest. Talvez eu seja suspeito, mas não me vem à cabeça nenhuma banda actual tão completa como este quinteto activo desde 2004. Desde a temática envolvida por trás dos álbuns, com uma formação quase sempre constante, temas mais e menos calmos, presença, atitude e execução perfeita das músicas em estúdio e ao vivo, a banda de Massachusetts assinalou um dos melhores concertos do festival com os músicos a darem um cheirinho do novo álbum “Abandoned” que sairá brevemente e a mostrarem a sua humildade ao virem cumprimentar o público às grades. Único ponto fraco do concerto: pouca gente presente para a dimensão da banda.

Uma das bandas que tinha curiosidade de ver era Soulfly. Queria ver o que andavam a fazer desde 2010 quando os tinha visto no Rock in Rio. Infelizmente, como estava à espera, confirmei que, tal como noutras bandas, nesta já não dá para inventar mais. Soulfly é Soulfly e o Max Cavalera é aquilo. Pela banda já passaram mais de dez músicos e se não passam mais é porque já fazem parte da banda os filhos dele, na bateria e no baixo. No merchandising inclusive havia casacos de Sepultura e de Soulfly em que a única diferença era o nome das bandas. O mesmo se aplica aos Refused, mas no bom sentido, uma vez que a sonoridade de Refused soa a Refused, algo difícil de definir, mas bom.

Depois duma passagem pelo Chaos Stage para ver um bom concerto dos regressados Suicide Silence com um novo vocalista muito bem adaptado e com high e low screams impressionantes, era altura de voltar ao RF Mainstage para ver o quarteto de Hardcore sueco – facto interessante, até agora já tinham actuado bandas de mais de seis nacionalidades diferentes.

Os Refused voltaram. E têm um álbum novo. E deram outro dos melhores concertos do festival. Com uma frente de fãs considerável, foi a partir deste concerto que deixou de haver relva na área da plateia tal foi a intensidade e dimensão do pit. Na voz, Dennis Lyxzén tem uma presença capaz de cativar os mais desatentos quer pelos truques que faz com o microfone, quer pela maturidade que demonstra juntamente com o resto da banda. Com Dennis a fazer crowdsurf enquanto cantava “Elektra”, o concerto acabou com uma “New Noise” em que o público não parou de saltar e moshar. No fim não houve palhetas nem baquetas para ninguém, apenas o baterista a voltar a pôr o seu chapéu de palha e a abandonar o palco juntamente com a banda, não sendo precisos grandes adereços de palco nem roupas xpto para quatro músicos já na casa dos 40 anos darem uma lição de como dar um concerto a muitas bandas jovens.

Era então altura de voltar ao Ritual Stage para ver os grandes Comeback Kid, não sem antes passar pela mini ramp para ver o pessoal do skate a rippar e ainda ter direito aos brindes da Vans – entre outras, a Vans e sobretudo a Jägermeister andavam várias vezes pelo recinto a distribuir prémios e a animar o público, como já é habitual. Foi aqui que notei que, intencionalmente ou não, foi uma boa aposta esta de colocar o palco de Hardcore Punk fora da área principal ao pé da zona do skate. O facto de ser uma tenda também resultou na perfeição em termos de acústica e dava aquela sensação de estar a abarrotar com o público a sair para fora. Com um baterista novo, os Comeback Kid deram um concerto com o profissionalismo a que os fãs estão habituados, com o maior número de pessoas a assistir até ao momento naquele palco.

E o dia ficou completo com o concerto dos Black Label Society e com o carismático Zakk Wylde e com os seus solos que, com 30 amplificadores gigantes da Marshall em palco, deliciaram a plateia – mais virada para o metal – que enchia o RF Mainstage.

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17 de Julho

Chegado ao recinto às 16h30, ainda apanhei a segunda parte do concerto que Expire que, à semelhança do dia anterior, já contavam com um Ritual Stage muito bem composto em termos de público. Com um Hardcore potente deram segundo a opinião de muitos, outro dos concertos do festival, cativando os que conheciam e os que não conheciam. Facto esse que foi comprovado com a quantidade de camisolas e casacos da banda que passámos a ver a partir daí no recinto.

Voltei depois para ver os Britânicos Anti-Nowhere League com o seu Punk old school. Perante uma plateia diferente da do hardcore – também ela mais da velha escola – deram o clássico concerto que se estava à espera. Foi engraçado mas tal como outras bandas, esta banda não inventa mais, quem gostar canta as letras de “So What” e “Streets of London”, quem não gostar tem bom remédio, não ouve.

E o mesmo se passa com os Motörhead. Há quem diga que foi dos últimos concertos da lenda viva Lemmy Kilmister e, pelo que ouvi da voz, não tenho coragem de desmentir. Perante uma multidão gigante e uma data de tshirts da banda no recinto – não sei se por fanatismo ou por moda – despejaram, no RF Mainstage, a fórmula mágica que são os Motörhead e deram o mesmo concerto que quem não os estava a ver pela primeira vez já tinha visto.

Pouco antes tinham passado pelo Ritual Stage os Deez Nuts. Apesar de fã, tenho de reconhecer que esta banda é a atitude e a postura e não a técnica e a execução. Com o vocalista JJ Peters a debitar lições sobre dinheiro, álcool, droga, sexo e família semelhante ao que alguns rappers nacionais fazem, apesar da intensidade, para quem não estava no pit e se limitava a ouvir e observar eram perceptíveis as falhas técnicas e as saídas de tempo dos membros da banda. Apesar do mais recente trabalho já estar na boca de muitos dos fans com “Face This On My Own” e “What I Gotta Do” a serem entoadas em sintonia pelo público, uma coisa que deixou a desejar foi o mash-up da “I Hustle Everyday” com a “Like There’s No Tomorrow”.

Para compensar os 7 Seconds foram uma surpresa agradável. Activos desde 1980 e sendo outra das bandas pela qual já passaram mais de dez membros, deram um concerto de Hardcore Punk tanto old school como actual, com uma setlist com clássicos mas também com temas recentes da banda, e mais uma vez com, como foi uma constante, um público incansável.

Os finlandeses Children of Bodom já são um nome clássico do género e foram ao Resurrection Fest apresentar o seu mais recente trabalho, “I Worship Chaos”, cujo alinhamento já é conhecido e que tem data prevista de lançamento para o Outubro deste ano. Um concerto normal para o que estavam a ser os concertos do RF Mainstage e, na minha opinião, mais do mesmo.

E o mesmo se pode dizer dos suecos In Flames que, tal como os Children of Bodom e grande parte das bandas que passaram pelo RF Mainstage, são uma banda para puxar público para este estilo de música. Ainda a promover o seu mais recente trabalho “Siren Charms” perante uma plateia maioritariamente jovem, tiveram como momento alto do concerto a penúltima música “Take This Life” da clássica saga de jogos Guitar Hero, que foi cantada por um elemento do público que tinha pedido para subir ao palco.

Pouco depois das 2h30 subiram ao Chaos Stage os The Exploited e estávamos de volta ao Punk, desta vez no seu estado mais puro. Com o carismático Wattie Buchan já nos seus 58 anos e o seu mohawk vermelho, não faltaram críticas ao movimento Punk americano, assédios às fãs e insultos aos fãs das filas da frente. Não faltou cuspo – o Wattie cospe, no mínimo, três vezes a cada 30 segundos – e não faltou também uma invasão de palco muito bem conseguida que serviu para dar um novo ânimo e um final em grande a um concerto que estava a começar a morrer e que acabou meia hora depois do previsto, porque os Exploited não saíam do palco antes de tocar tudo. Enquanto o público estava em cima do palco foram vários os pedidos de palhetas e baquetas aos músicos, a resposta foi sempre «só tenho mesmo esta, meu, não posso dar».

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18 de Julho

Never Give Up” é o nome do novo álbum dos No Turning Back, banda que está actualmente em tour com o guitarrista de For The Glory, e o pano gigante com o desenho da capa do álbum, estendido por trás da bateria no Ritual Stage, não podia ser mais claro e “In Your Face”: contra as mentiras, a opressão, o sistema, as emoções e a rotina, mas sempre encarando de frente sem virar as costas. Foi este o mote para outro concerto brutal que aconteceu nesta edição do festival. 17h25, plateia cheia, um pit imparável e hardcore puro do início ao fim, com sing alongs, muito crowd surf e um público a mostrar que sabia as letras sabidas de cor quando Martijn ia às grades e dava o microfone. Entre elogios ao público espanhol e português, este concerto durou pouco mais de meia hora e ficou a sensação de que foi pouco tempo, tal era a adrenalina que ainda se sentia quando a banda abandonou o palco. Tal como Defeater, no fim alguns músicos foram à grade cumprimentar pessoalmente os fans.

E às 18:05 em ponto estava a começar o concerto dos Skindred no RF Mainstage. Uma banda com um estilo à volta do Nu Metal/Raggacore bastante bem humorada e liderada pelo, mais entertainer do que músico, Benji Webbe – um dos únicos músicos negros do festival inteiro – em que se destaca também o guitarrista Mikey Demus com as suas barbas e os seus óculos escuros. Peritos em puxar pelo público e em entreter, foi um concerto acima de tudo engraçado por tocar nos clichés clássicos que entretêm os mais novos e dão uma certa nostalgia aos mais experientes que, apesar de perceberem as encenações não deixam de achar piada. O público que ao início estava morto certamente que acordou e os metaleiros acabaram a cantar a “Thrift Shop” do Macklemore.

Sempre a puxar pelo público estiveram também os americanos Dog Eat Dog. Activos desde 1990 e com a sua sonoridade singular graças à constante presença do saxofone nas suas músicas, deram um concerto no mínimo animado onde não faltaram convidados especiais amigos, ou mesmo membros antigos da banda. Embora com, na minha opinião, o volume do saxofone ligeiramente baixo comparativamente aos outros instrumentos, se os Deez Nuts já tinham deixado margem para dúvidas os Dog Eat Dog comprovaram: o Ritual Stage era palco de Punk, Hardcore e Rap.

Os Korn vieram ao Resurrection Fest tocar única e exclusivamente material antigo – entenda-se por antigo de 1998 para baixo. Alguns fãs talvez quisessem ouvir qualquer coisa actual mas a única questão que ficou na cabeça a seguir ao concerto foi: Porquê? Quando? O que é que se passou e onde é que estão os Korn que eu acabei de ver?
É que foi outro concerto do festival e eu pelo menos não estava nada à espera. Se ao início eram apenas curiosos à espera de voltar à infância por breves momentos, no fim toda a plateia estava rendida. E nem era preciso pit tal era a intensidade do quinteto californiano e a voz sofrida do vocalista Jonathan Davis, agarrado com as duas mãos ao seu microfone, imagem de marca da banda. Já toda a gente se tinha esquecido da força desta sonoridade nos anos 90 e das emoções transmitidas por músicas como “Blind” ou “Shoots and Ladders”, mas ainda bem que nos lembrámos. No final ainda houve fogo-de-artificio de celebração e tudo!

Por fim foi a vez dos Satanic Surfers e, apesar de nunca os ter visto ao vivo já imaginava o concerto que ia ser. O skate Punk do quinteto sueco não dá para grandes invenções e estes limitam-se a fazer o que lhes cabe: dar um concerto rápido e melódico que sacia quem, como eu, não os conseguiu ver o ano passado quando anunciaram a reunião mas que acaba por não ser nenhum concerto excepcional quando comparado com o que este festival ofereceu.

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Este ano o público bateu recordes e a organização do Resurrection Fest, embora com melhorias a fazer, está de parabéns. Talvez o ponto mais fraco de todo o festival seja o preço praticado nos comes & bebes mas, quer queiramos quer não, o Resurrection Fest já não é um festival única e exclusivamente de Punk Hardcore e tem vindo ano após ano a aproximar-se do mainstream no que diz respeito a estilos de música mais alternativos. Por um lado é bom, é sinal de que está a crescer e fazem falta mais festivais deste género para mostrar aos mais novos que há mais música e vida para além do que passa nas rádios e nas televisões. Por outro lado, quem está à procura dum festival mais específico já não o encontra em Espanha. Boa noticia, há mais por aí!

Fotografia: Manuel Casanova
Texto: João António Silva