«Um traço, um berço, dois destinos que se cruzam na lonjura da distância» são as primeiras palavras de “1º de Novembro”, faixa que faria todo o sentido ser interpretada no dia em que os Mão Morta encabeçaram a primeira edição do Mazefest. A audiência entoou aquela espécie de hino do futebol antes e depois do concerto, arriscando-a até no intervalo de alguns temas. Adolfo Luxúria Canibal justificou: um baterista substituto (Ruca Lacerda, dos Supernada), à substituição do lesionado Miguel Pedro, só permitiu o ensaio de um certo lote de faixas. A “1º de Novembro”, infelizmente, ficou de fora.
Este facto não impediu que se sentisse «a lonjura da distância», pois entre danças do pós-punk, de rasgos de guitarra e latidos aqui e ali, fizemos um inter-rail: por entre sombras e o lixo, partimos de “Lisboa” com destino ao rock n’ roll de “Budapeste”, efectuando paragem nas efemérides da Plaza Real de “Barcelona” e as mortes de “Berlim”. Mas pelo relógio dos responsáveis, o isolamento foi o primeiro movimento dos ponteiros – “Irmão da Solidão” abriu a apresentação do novo álbum, que havia de marcar uma boa parte do alinhamento deste concerto em Almada.
Entre o novo e o velho, o fresco e o refresco. Tanto “Histórias da Cidade” como “Pássaros a Esvoaçar” estendiam os braços a esta revitalização dos Mão Morta, como os clássicos explosivos “Quero Morder-te as Mãos” e “Oub’Lá” eram lançados logo ao início para esgotar o fôlego de todos – tanto aos mais entusiastas e devotos fãs, como àquele líder de voz áspera, um híbrido de um Ian Curtis em ataques de esquizofrenia e de um Michael Gira vigoroso, que nos garante que «teve uma ideia» e o ideal seria fugir. De “Vamos Fugir”, considerou-se a “Hipótese de Suicídio” num dos momentos mais austeros na crítica aos dias que vivemos por cá: «Enxovalhado no trabalho, mal tratado na doença, humilhado no salário, aviltado na dignidade», assim se suspira o espírito que encontra na conjectura da auto-destruição a chave para a liberdade, que haveríamos de revisitar em “Anarquista Duval” com uma personalidade ainda mais vincada e rebelde.
O concerto não terminara. À jovialidade de “Velocidade Escaldante” foi imposto o pranto e a amargura de “Véus Caídos”, antes da final “Horas de Matar”, tema que encerra o novo Pelo Meu Relógio São Horas de Matar e que se amarra às seis bandeiras escarlates nos extremos do palco e às efígies esquerdistas que iluminaram o cenário. O relógio já não dava horas. Este relógio dava anos – trinta (!) desde o nascimento dos Mão Morta e vinte (!) desde a última vez que haviam tocado na Incrível Almadense. Uma página de história reescrita no dia dos defuntos por esta palma moribunda. Malditos sejam, por tamanha indulgência.
O Mazefest, neste seu segundo dia de concertos, havia de continuar na sala oposta. Tal como no dia anterior havia continuado com For The Glory e Switchtense depois de Moonspell, a Cine-Incrível recebeu a música de Miss Lava e A Matilha para encerrar de jeito muscular esta sua primeira edição.
Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Diogo Oliveira