O primeiro fim de semana de Setembro viu chegar a segunda edição do WoodRock Festival, evento de Rock puro e duro que decorre na simpática Praia de Quiaios, à beira mar plantada. Poucas centenas de pessoas, sobretudo jovens, testemunharam um festival com boas condições de campismo e sanitárias, preços acessíveis, organização disponível e simpática e um bom recinto, com uma curiosa configuração logística do palco e um chamativo uivo de lobo, segundos antes do início de cada concerto. Esteve um pouco mais gente no segundo dia, acompanhados de um significativo aumento de qualidade nos concertos em relação ao primeiro, mas curiosamente com um público menos rebelde e louco do que na véspera. O som esteve sempre um pouco alto demais, mas fora isso, tudo esteve algures entre o esperado e o mais do que o esperado de um festival ainda a dar os primeiros passos.
O tiro uivo de partida foi dado pelos The Midnight Train, um comboio de Rock com toques de Metal que chegou mais cedo à estação, às dez e meia da noite. Com um público que variou entre as 40 e as 80 pessoas ao longo do concerto, presenciámos em palco uma banda bem disposta, individualmente com técnica mas colectivamente muito amadora. Momentos de desafinação e descoordenação e piadas mal conseguidas do vocalista mancharam alguns bons momentos, espalhados por temas como Força, a balada Nothing Left to Loose e o mais pesado Casa a Arder. Chegámos ao fim com uma montagem entre o instrumental da Heart-Shaped Box dos Nirvana e uma letra original em português, após duas cordas partidas (uma delas durante uma balada!), à segunda forçando a um jam de entretenimento enquanto o vocalista ia trocar de guitarra.
Foi um público que já ultrapassava uma centena que viu de seguida aquela que nos pareceu a pior banda do cartaz. Os El Coyote apresentam um Rock mais tecnicista, com um toque western e letras que giram sobretudo à volta de droga, festa e gajas. Tecnicamente decentes, é na má composição dos temas e na voz terrível que a banda se perde. “Quem é que não gosta de músicas românticas?”, perguntou ironicamente a banda que nos apresentou temas agressivos do princípio ao fim. Pontos positivos apenas para a boa interacção com o público e esporádicos momentos deliciosos a nível instrumental deste trio da Maia.
O momento alto da noite, não só em termos de qualidade mas também de público (cerca de 200 pessoas), foi atingido quando passavam vinte minutos da meia noite, ao som dos Bad Pig. Quebrando a linha de menor interesse musical das bandas anteriores, estes mostraram pujança e enorme qualidade no seu Rock, algures entre o Stoner e Blues. A sua boa técnica, voz rasgada e riffs interessantes, acompanhados de letras em português com qualidade, levaram o público pela primeira vez ao rubro, com saltos, headbanging e amostras de mosh pit. Servindo de apresentação do novo EP Vermelho Donzela, dos quais retiraram temas como o explícito Cala-te e Ouve vs. Mickey e Mágica Bola Branca, o concerto desenrolou-se com naturalidade e mostrou uma banda que parece ter futuro.
Seguiram 53 minutos na companhia dos Dapunksportif (que trocaram a ordem no cartaz com os Stone Dead), um quarteto de Peniche já com dez anos de experiência, que fez transparecer em palco numa actuação profissional de puro Rock. Não sendo uma banda que impressiona (faltam ‘aqueles’ temas quem marcam a diferença), foi um espectáculo bem montado, agradando aos presentes, que manifestaram concordância quando o vocalista acusou alguns festivais de só serem Rock no nome, saudando o WoodRock por não ser assim. Abrindo com três músicas do primeiro disco, a última Temporary Insanity, a banda partiu depois para registos dos outros dois álbuns, como L.S.D. do segundo e o tema título do terceiro, Fast Changing World. O momento mais intenso foi o final, com um show off de técnica, sobretudo notável do baterista, num longo medley que misturou o original da banda Summer Boys com partes de Whola Lotta Love dos Led Zeppelin.
A desilusão da noite, uma autêntica pedrada nas expectativas que tínhamos sobre a banda, foram os Stone Dead. Começando às 2:40, foi uma hora e doze minutos de um dos concertos mais desconcertados que já vi. Iniciando com vários problemas técnicos, primeiro com o som das guitarras, depois com um apelo do vocalista para a necessidade de algo “longo e comprido” (um cabo, entenda-se), por fim problemas no baixo; tudo isto durante os vinte minutos iniciais, que apenas deram para três músicas. Apesar do enorme volume de álcool, tabaco e asneiras em palco, as coisas pareciam estar a encaminhar-se a partir daí, com um desempenho razoável, até que a comitiva de apoio da banda subiu a palco e fez aquilo que mais parecia uma festa privada de amigos do que um concerto para o público cá em baixo (além de o som ter “morrido” nessa altura). Muitos tempos mortos, banda desorganizada, frases imaturas do vocalista; valeu o concerto pela Evil Monkey e pela loucura na fila da frente daqueles que viajaram com a banda, que foram indiferentes ao descalabro e estiveram loucos do princípio ao fim, contagiando outros, num público já a metade daquilo que tinha sido. A continuar com concertos assim, relativamente aos Stone Dead, “onde está o futuro? No c…“ Eles sabem.
O segundo dia foi bem mais interessante, apesar da abertura com apenas 10 pessoas a assistir aos Beachalce – menos duas quando a nossa equipa de reportagem teve que sair do recinto devido a um inesperado problema com o equipamento fotográfico, pelo que pedimos desculpa à banda por não termos fotos deles. Realmente, estava uma “noite de luar bonita para o alce sair da praia e comer gaivotas… e turistas”. Ficou para a história um concerto de um Rock mais soft agradável e de uma banda que simpaticamente se despediu com um “divirtam-se e obrigado”.
A Velha Mecânica são um fenómeno emergente de sonoridade única que resultou no primeiro grande salto qualitativo do festival. Apesar da iluminação algo deficiente e do microfone e uma das guitarras demasiado baixos nos primeiros temas, foi um espectáculo intenso e bem executado, com uma crescente admiração do público que rondava as 80 pessoas. 1000 Homens, Dedos e Esposa Cão foram momentos altos num concerto que terminou à meia noite em ponto, em 35 minutos de Rock com atmosfera intensa, um belo toque de piano, letras em português com sentido e uma capacidade de composição invulgar. A melhorar, a interacção com o público, muito tímida, e a voz, sobretudo nos gritos.
Meia hora chegou para os The Year partirem tudo. Não são a banda mais original do mundo, tornando-se até cansativa mesmo ao fim de tão pouco tempo, mas a energia que transmitem em palco e a forma sincera como interagem com o público e vivem aquilo que tocam são inegáveis. Num Hardcore agressivo com melodias nos refrões, faltou um público mais mexido e aproximado do palco, apesar das tentativas da banda de contrariar isso. Jason Never Dies, Karma Farmer e Full Damage marcaram pela positiva, mas em todo o concerto a banda tentou dar o máximo e conseguiu certamente deixar uma boa impressão naqueles que ainda não os conheciam.
(The Quartet Of) Woah! Mas que concerto! 55 minutos souberam a pouco naquele que foi o primeiro dos dois Concertos com C grande do festival. No seu Rock com estilo mais retro, com um som de órgão a criar uma atmosfera densa e o restante instrumental a criar ínfimos mas ricos detalhes na sonoridade, este quarteto lisboeta trouxe finalmente uma quantidade de público considerável ao recinto e deliciou pela forma como tocavam imaculadamente tema após tema. A presença em palco foi sempre de topo, com a banda claramente divertida com aquilo que fazia e a interagir naturalmente com o público. Tocando sobretudo temas antigos mas com espaço para a nova Backwardsfirstliners, aposto que grande parte do pessoal nem se apercebeu que caiam alguns pingos de chuva cá em baixo. A banda terminou cerca de vinte minutos depois das duas com a inevitável U Turn.
A chave de ouro a fechar o festival foram os sempre espectaculares Bizarra Locomotiva. Indiscutivelmente uma das bandas nacionais com melhor espectáculo montado ao vivo, a sua prestação de hora e meia no WoodRock foi um final épico de intenso e furioso transe Industrial. Após uma introdução atmosférica, a banda abriu com a habitual Procissão dos Édipos e a entrada em palco a arrastar-se de Rui Sidónio, um demónio de palco incansável. Na sua indumentária negra, foram negras também as músicas Egodescentralizado, Gato do Asfalto e Cavalo Alado, que marcaram a primeira parte do concerto. O público foi sempre espontâneo, cantando, saltando, batendo palmas a acompanhar o ritmo: não foi preciso a banda falar uma única vez com o público para haver comunicação, a música, a teatralidade do vocalista e as vezes que desceu até ao nível das grades falaram por si. Cada Homem e Escaravelho, esta última com um Miguel Fonseca a servir de pêndulo, pareciam ser um final grandioso, mas para ser perfeito faltava o encore, que veio e trouxe O Peixe Vermelho, Fantasma e a épica O Anjo Exilado. Melhor final de festival não poderia haver, que se despediu com um último uivo do lobo. Esperemos que para o ano haja mais e ainda melhor!
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Texto: David Matos
Fotografia: Marina Silva