Margaret Thatcher e Anna Calvi não têm muito em comum, sendo que talvez apenas partilhem o país de origem. Uma ficou conhecida como a Dama de Ferro, outra mostrou ferro e fogo e deixou rendida a seus pés uma Aula Magna praticamente lotada. A artista britânica regressou a Portugal para apresentar o mais recente “One Breath”, lançado em Outubro, com dois concertos, no Porto (Casa da Música) e Lisboa (Aula Magna). Aqui terminou uma pequena digressão que passou por França, Espanha e por fim Portugal, voltando à estrada a 1 de Fevereiro, na Irlanda. A timidez com que sussurra “obrigado” ao microfone contrasta com as explosões durante as músicas, quando a guitarra, instrumento do qual é inseparável, lhe serve de escudo. Uma dualidade agridoce, na qual Anna Calvi nos mostra a música como o seu refúgio do mundo real, dando provas de que o sucesso do primeiro álbum é para durar, sendo “One Breath”, o próximo passo no percurso.
A primeira parte ficou a cargo de I Have a Tribe. Patrick O’Leary recebeu-nos “em casa”, na sala, com uma caneca de chá quente na mão. Não são precisas muitas palavras, apenas música reconfortante para o final do dia, como “Monsoon”, ideal para ouvir cá dentro perante as ameaças de chuva lá fora. Sozinho em palco, o anfitrião vai trocando entre o piano e a guitarra. Entre agradecimentos e confissões, revela que estas 17 datas foram as suas primeiras e tece elogios à cidade de Lisboa e à actuação de Anna Calvi, abrindo assim o caminho para aquela que todos queriam ver.
Há algo de muito especial na forma como Anna Calvi se mostra em cima do palco. Acompanhada por mais três elementos da banda, a timidez desaparece mal segura na guitarra, dando a ilusão de até crescer mais um pouco, perante o público que aguardava com forte expectativa. Cabelo apanhado, lábios pintados de um vermelho carregado e roupa vermelha e preta. Feminina, sensual, segura e imponente. É perante este cenário que ouvimos os primeiros acordes de “Suzanne and I”, um dos singles do álbum homónimo, que deu início ao espectáculo. Do primeiro álbum ainda ouvimos “First we kiss”, “Love won’t be leaving” e “I’ll be your man”, na qual Anna se chegou junto da plateia, com uma fria sensualidade na voz, conjugada com sussurros ao microfone, e explosões de guitarra, com um toque de blues, sendo um dos momentos altos do concerto. Já a expressiva “Desire”, um dos primeiros cartões de visita de Calvi, teve direito a um jogo de luzes de todas as cores.
Aqui a vulnerabilidade é uma força. Destemida, entregou de uma assentada “Eliza”, “Suddenly”, “Sing to me” e “Cry”, do mais recente registo, que a cantora considera ser mais pessoal. Houve ainda tempo para a acidez de “Piece by piece” e as letras sentidas de “Carry me Over”, uma faixa mais extensa, que teve direito, só por si, a um aplauso prolongado.
Só em palco, apenas com a sua companhia inseparável, entregou uma versão sussurrada de “Fire”, tema de Bruce Springsteen, com um calor na voz. No encore, “Bleed into me”, respondeu aos pedidos de alguns fãs, numa versão mais suave a abrir caminho para a força de “Jezebel”, o tema de Edith Piaf, que colocou a cantora nos olhos e ouvidos do grande público, em 2010. No final, a Aula Magna a aplaudir de pé, confirmou o talento de uma das mais promissoras cantautoras actuais. As palmas trouxeram Calvi de volta. Consigo, a britânica trouxe o blues de “Rider to the sea”, música instrumental que inicia o primeiro álbum. A «Anna-sem-música» é de poucas palavras, entre tímidos obrigados e risos disse estar contente por regressar a terras lusas. Uma versão de “Blackout” de fazer suster a respiração marcou a despedida inevitável. Entre fumo, luzes quentes e um rol de músicas interpretadas com uma intensidade constante, se passou cerca de uma hora e meia. O tempo suficiente para deixar uma Aula Magna rendida à grande voz e às capacidades de guitarrista de Anna Calvi.
— Alinhamento —
Suzanne and I
Eliza
Suddenly
Sing to me
Cry
First we kiss
I’ll be your man
Piece by piece
Carry me Over
Fire
Desire
Love won’t be leaving
— Encore #1 —
Bleed into me
Jezebel
— Encore #2 —
Rider to the sea
Blackout
Texto: Rita Bernardo
Fotografia: Marco Trigo