Mais um Outono, mais um Amplifest. Deslocado daquilo que muitos consideram como sendo a época ideal para os festivais, o Amplifest 2013 surge acompanhado por chuva e nuvens cinzentas, num Hard Club apropriadamente decorado com a exposição do trabalho do designer David D’Andrea. Durante um fim-de-semana, puderam aqui ser ouvidos artistas cujas sonoridades cruzam gerações, sub-culturas, ideologias. Não se trata aqui de agradar a fãs de estilo x ou y; o festival propõe-se, indiscutivelmente, a criar uma experiência, acima de tudo, envolvente. Em que o ruidoso se mistura com o calmo, numa simbiose que resulta em atmosferas permanentemente penetrantes. Em que se vivem absolutas viagens sem andar um metro que seja. Em que as bandas pouco ou nada precisam de dizer aos seus fãs. Afinal, não são necessárias palavras quando a música fala por si.
Dia 1
Tal como na edição de 2012, este Amplifest iniciou-se com a apresentação de um documentário na sala 2 do Hard Club. Com o seu teor musical, Black Mass Rising apresentava algumas das bandas presentes tanto nesta como noutras edições do festival, podendo ser visto como um pequeno aperitivo para o que estava para vir. E o que estava para vir chegou quase como um trovão. Valendo-se das suas guitarras de 7 cordas, os suíços Zatokrev fizeram desde cedo sentir a sua presença. A sua mistura de death metal com sludge, que resulta num som monumentalmente grave ao vivo, fez com que toda a sala, ainda a compor-se, reagisse de imediato. Uma boa maneira de se iniciarem as hostilidades desta edição do festival, ainda que, lá mais para o final do concerto, fosse já notória alguma «habituação» ao som da banda por parte do público. A solução para esta «habituação» demorou, no entanto, pouco tempo a aparecer. Esta vinha na forma dos alemães Downfall Of Gaia, que traziam, no seu post-metal misturado com crust, um ambiente extremamente «frio», não muito distante do invocado por muitas bandas de black metal. Este foi, aliás, amplificado pela cor maioritariamente azul das suas luzes, que, adicionado às guitarras densas e bateria em blast beat, proporcionaram um concerto de certa forma grandioso e íntimo ao mesmo tempo. E íntimo seria também a palavra certa para descrever o concerto de Year Of No Light. Pintando a sala 1 do Hard Club de um escuro quase fúnebre, e com um trabalho de luzes absolutamente fenomenal, a banda veio apresentar o seu álbum seguinte, “Tocsin”, sem dispensar alguns momentos de “Vamypr” e “Ausserwelt”, num concerto que começou algo «morno» mas que cedo se tornou também ele frio. No bom sentido, claro. De seguida, Envagelista foi, há que dizer, um dos pontos mais baixos do festival, com um concerto extremamente «sem sal», o que se fez notar desde logo na afluência da sala 2.
Mas se Evangelista foi um dos pontos baixos, Deafheaven foi certamente um dos mais altos. Com George Clarke a assumir uma postura que não deixou ninguém indiferente, a mistura de shoegaze com um violento black metal «infectou» grande parte do público, mostrando ser eximiamente executada. De resto, a setlist do concerto centrou-se no último álbum da banda, “Sunbather”, lançado este ano. Catacombe, a aguardada surpresa da noite, foi a banda que se seguiu, também ela apresentando o seu álbum lançado este ano. O seu concerto de post-rock instrumental acabou por não ser muito bom nem muito mau, sendo de destacar a presença vocal de Cláudia Andrade na última música. E, se o dia tinha até então sido dedicado a sonoridades mais experimentais, os Uncle Acid & The Deadbeats fizeram questão de voltar um pouco atrás no tempo. A sua sonoridade 70’s, com travos de Black Sabbath, era claramente identificável por qualquer fã de metal. De resto, o facto da sua música ser bastante «estruturada», bem como os seus solos e riffs com claras influências tradicionais, serviram como um bom contraste quando comparados às restantes bandas do dia. Por fim, coube ao «tribal electrónico» HHY & The Macumbas a tarefa de fechar o dia, perante um público que já mostrava alguns sinais de cansaço.
Dia 2
Noite dormida, almoço rápido e estava na altura do segundo dia deste Amplfest 2013. A começar, os Black Bombaim actuariam em conjunto com os La La La Ressonance, numa junção que não seria inédita nos palcos portugueses. Com vários músicos dispostos de uma forma (quase) simétrica no palco, o post-rock com influências tribais tocado pelas bandas acabou por entreter o público crescente que ia ocupando a sala. Do outro lado do Hard Club, os Aluk Todolo preparavam-se entretanto para o que seria o mais longo concerto deste Amplifest 2013. Com a duração de duas horas, a banda tocou o seu álbum “Occult Rock” na íntegra, num concerto que começou bem, mas que mais tarde se tornou demasiado «pesado» para parte da assistência. De destacar o pormenor da lâmpada que reagia ao som produzido pela guitarra, um pormenor visual bastante interessante. De seguida, estava na altura de assistirmos a um dos concertos mais antecipados do festival. Chelsea Wolfe, a californiana dona de um folk atmosférico, usou o poder da sua voz para criar uma atmosfera negra e pacífica ao mesmo tempo, se é que estas palavras se podem juntar. Foi, por isso, um concerto que decerto deliciou os fãs presentes, ainda que a decisão de o acabar com uma cover tenha parecido algo estranha. Estranho também se previa que fosse o concerto do(s) thisquietarmy. Sendo composta apenas por um membro, a banda acabou por conseguir encher o pequeno recanto de O Meu Mercedes, pelo que não nos foi possível assistir a 100% do seu concerto.
Voltando ao Hard Club, outra banda para quem as expectativas eram altas eram os Body/Head. Este projecto, que nasceu fruto da desintegração dos Sonic Youth e composto apenas por baixo, voz e guitarra, não tendo por isso qualquer instrumento verdadeiramente rítmico, acabou por se revelar um pouco decepcionante quando visto ao vivo. O seu uso intenso de feedback, juntamente com notas, acordes e letras que pareciam surgir de forma algo aleatória, acabou por se revelar demasiado confuso e estranho para uma boa parte da audiência. Voltando à pequena sala 2, era a vez do post-rock dos Katabatic marcar presença no festival. Um concerto razoável, que manteve a boa assistência da sala presente até à última música. Mas se este post-rock tornava o ambiente demasiado «meloso», o post-metal dos Russian Circles foi uma clara demonstração de força. Com o seu estilo característico, os riffs e ritmos da banda incitavam claramente ao headbang, o que acabou por acontecer um pouco por toda a sala. Em termos de setlist, esta centrava-se no ainda não lançado álbum “Memorial”, sendo de destacar o momento em que Chelsea Wolfe voltou ao palco, para interpretar uma música do dito álbum num dos únicos encores do festival. No geral, este também foi um dos melhores concertos destes dois dias, perante o que pareceu ser a maior enchente registada. Por fim, e substituindo os Pharmakon, coube aos Putan Club fechar os concertos do festival. Descartando a ideia de palco ao tocarem junto do público, esta dupla de baixo e guitarra num estilo rock quase industrial acabou por se revelar uma boa surpresa, e uma óptima maneira de terminar o festival.
Mais uma edição e o Amplifest continua a assumir-se como um festival que já deixa saudades, devido ao seu estilo inconfundível. Numa altura em que os festivais estão cada vez mais banalizados, só nos podemos sentir afortunados por assistir a um que tenta oferecer algo de clara diferença e com reconhecida qualidade. A cor da música pode ser negra, mas as experiências vividas com ela não irão cair certamente no negro do esquecimento.
Texto: João Vinagre
Fotografia: Nuno Bernardo (CVLT Nation)