Começando há seis anos como um pequeno concerto de Sick Of It All, o Resurrection Fest assume-se cada vez mais como um festival de eleição para qualquer fã europeu de Metal/Hardcore. Nestes últimos anos, o festival tem trazido à pacata cidade de Viveiro nomes tão importantes como At the Gates, Converge, Napalm Death ou Municipal Waste, algo que se afigurava como impossível há apenas uns anos atrás. Esta tendência continuou naturalmente na edição do presente ano, onde Slayer, Black Flag ou Bad Religion, entre tantas outras grandes bandas, serviram como chamativo para mais uma enchente onde o mosh e o slam dance foram primordiais. Nestas circunstâncias, a Ruído Sonoro não podia obviamente faltar, e para quem, ou não pôde estar presente ou pretende reavivar os momentos lá vividos, apresentamos-vos de seguida um breakdown diário do festival, com os maiores destaques do muito que se passou nos três palcos galegos.
Dia 1 – 1 Agosto 2013
Dia 1 do Resurrection Fest, edição 2013. Dia de armar as tendas, de se ambientar ao recinto, de se preparar para o que aí vem. E o que aí vinha era mesmo de estar bem preparado, já que estávamos apenas a umas horas de assistir ao vivo a bandas como Lamb Of God e Trivium, bandas cujo estatuto nos permite apenas classificar os seus concertos como imperdíveis. Mas já lá iremos. Afinal, a música começava às 14h e ainda haveriam muitos bons concertos para ver entretanto.
E foi assim mesmo, já que o primeiro grande destaque deste primeiro dia surgiu relativamente cedo, sendo incidente numa banda nacional bastante reconhecida. Falamos, claro, dos Switchtense, que surgiram neste Resurrection Fest iguais a si próprios, dando um concerto que tocou nos diversos trabalhos da banda, ao que o público respondeu com um circle pit praticamente constante. Assim, este acabou por se tornar num concerto caoticamente memorável do início ao fim, mesmo tendo tido apenas 30 minutos de duração. E, por falar em caótico, esta é também a palavra indicada para descrever o concerto dos espanhóis Escuela de Odio. Praticando, quase sem interrupções, um Hardcore mais ao estilo da velha-guarda, a banda espanhola atraiu bastante gente para o palco Jägermeister, num concerto simples e directo, sendo a descarga de violência uma constante durante os 30 minutos que lhes foi permitido tocar. De volta ao palco Monster, altura agora para uns mais calmos, mas nunca inofensivos, The Casualties, banda ícone da história do Punk. Com os anos de experiência que tem, a banda soube exactamente como manter o público activo, quer através de rápidos circle pits, quer através de melódicos sing-alongs. Destaque ainda para a forma como o vocalista Jorge Herrera se dirigia ao público, num espanhol fluente, bem como para a sequência de covers de Ramones tocadas, recordando a audiência dos inícios do Punk da década de 70. Por fim, e antes de passarmos aos esperados cabeças de cartaz, é de realçar mais uma banda nacional presente no cartaz do festival, os algarvios Devil In Me. Dando um concerto que, tal como a sua música, teve partes ora mais rápidas, ora mais pausadas, a banda portuguesa que mais tempo tocou no festival contou com uma elevada assistência, que reagiu com constantes 2-step à boa actuação dada.
Era agora altura de assistir a um dos concertos mais esperados do festival. Ao longo do dia era constante ver diversas pessoas com camisolas dos americanos Trivium, pelo que a multidão que se apresentava em frente ao palco Monster era perfeitamente expectável. Porém, o que se seguiu foi um concerto recheado de contratempos que, verdade seja dita, nada tiveram a ver com a banda. Ainda assim, o som algo confuso que se ouvia no início do concerto afectou a sua performance, algo que ainda iria ser mais afectado pela queda de uma barreira na audiência, que obrigou a uma interrupção do concerto que durou cerca de 20/30 minutos. Resolvido o problema, a banda viu-se obrigada a dar um resto de espectáculo algo apressado, ainda que agora com um som bem mais claro, em que foi incluído o primeiro single do novo álbum. Uma atitude que se revelou como sendo muito profissional. De seguida, estava na hora de mais uma descarga de Hardcore, desta feita dos americanos Madball. Com uma bateria que se revelou com um volume um pouco baixo, a banda, que já se pode considerar como histórica do festival, conseguiu ainda assim provocar uma enchente na tenda Jägermeister, dando um concerto pontuado por uma muito boa interacção com o público. E quem também interagiu muito bem com o público foram os cabeças de cartaz, os americanos Lamb of God. Com aquele que se veio a revelar como sendo um dos melhores sons do festival, ao que se juntou um jogo de luzes bem detalhado, a banda conseguiu cativar a atenção do público, que reagia entusiasticamente ao groove de temas como “Laid to Rest” ou “Redneck”.
Para finalizar a noite, tivemos ainda a oportunidade de ver o lendário Jello Biafra, onde o destaque vai naturalmente para os temas de Dead Kennedys tocados, e Sylosis, que, com o som moderno e bastante técnico, conseguiram, ainda que com a sua actuação cortada inexplicavelmente para apenas 40 minutos, finalizar a noite perante o já pouco público ainda resistente.
Dia 2 – 2 Agosto 2013
Depois de uma curta noite de sono, a pequena cidade de Viveiro recebeu, no dia 2 de Agosto, o segundo dia da edição deste ano do Resurrection Fest. E este dia foi sem dúvida marcante principalmente para os fãs de Metal old-school presentes no recinto. Afinal, não é todos os dias que se pode assistir, no meio de certamente mais de 20 mil pessoas, a concertos de bandas como Exodus ou Slayer. Antes disso, porém, coube aos portugueses For The Glory abrir as hostilidades num dia que se previa bastante agressivo.
Coincidentemente, sendo o Metal a principal atracção do dia, os Avulsed afirmaram-se como o primeiro grande destaque da tarde, com o seu Death Metal com influências de Grindcore, que compôs de uma forma considerável a tenda Jägermeister. Esta era, de resto, a única banda do estilo no cartaz, o que não dissuadiu os “moshers” de darem um ar da sua graça. Mas porque o festival não se resumia apenas ao Metal, os No Turning Back fizeram questão de dar um concerto extremamente energético que, aliado a um som bastante razoável, fez com que a boa afluência que se registava estivesse sempre em movimento. Continuando na onda do Hardcore, se bem que agora numa toada bem mais melódica, era agora a vez dos Belvedere pisarem o palco Monster. Dando um concerto onde é de destacar a presença da banda em palco, com os seus membros em constantes correrias, a banda apenas conseguiu cativar, porém, uma pequena quantia de fãs, revelando-se a restante parcela do público um pouco indiferente. Mas como não há duas sem três, é de destacar de seguida mais um concerto de Hardcore da tarde, desta feita pertencente aos veteranos Integrity. “Condenados” a tocar com um som demasiadamente estridente, a presença imponente da banda provocou bastante slam dance e poeira no público, isto apesar da pouca afluência registada.
Esta pouca afluência tinha, no entanto, um motivo. É que estava na altura de assistirmos a um dos concertos mais antecipados do dia, dos veteranos da cena Thrash da Bay Area em São Francisco, Exodus. Comandados por um sempre insano Gary Holt, a banda apresentou-se com uma setlist que se focou mais nos trabalhos recentes, ao contrário do que se tinha passado aquando da sua recente passagem pelo Porto. E, comparando os dois concertos e tal como tinha acontecido no Porto, aqui o som da banda também surgiu algo confuso, com o pedal duplo da bateria a “intrometer-se” muitas vezes nos riffs de guitarra, o que prejudicou a performance de alguns temas. Ainda assim, nunca é demais ver a forma, quase digna de uma cena de batalha de um filme do Senhor dos Anéis, como se decorre a já habitual wall of death no tema “Strike Of The Beast”. Ora, como a noite se previa que continuasse rápida e agressiva, surgiu no palco Arnette uma proposta fora do vulgar, mas que se adequou muito bem à situação em questão. Com o nome de Brutality Will Prevail e uma mistura de Hardcore com as toadas mais lentas do Doom Metal, esta nova banda conseguiu manter no público a adrenalina em alta, providenciando também a quebra de velocidade necessária para o que se avizinhava mais à frente. De resto, este era o último concerto da sua tour com Comeback Kid, banda que tocou de seguida no palco Jägermeister. Com o vocalista muito perto do público desde início, tal como se pede em qualquer concerto de Hardcore, a banda conseguiu desde logo arrancar um constante sing-along dos muitos fãs que estavam presentes, dando um concerto que certamente lhes ficará na memória.
E se há algo que é sempre de reter na memória, é um concerto dos já míticos Slayer. Com o seu som em que o pedal duplo está amplamente destacado, a banda conseguiu desde o início do concerto fazer “explodir” diversos moshpits um pouco por todo o público. É de destacar, no entanto, a falha algo inexplicável na guitarra de Gary Holt, em que esta apenas se ouvia no canal de solo, o que retirou alguma imersão das harmonias de músicas como “South Of Heaven” ou “Seasons In The Abyss”. Apesar disso, com a banda a tocar uma setlist maioritariamente clássica, focada principalmente no álbum Reign In Blood, assistiu-se a um concerto verdadeiramente devastador de início a fim. E para quem queria mais caos, bastava dirigir-se de seguida à tenda Jägermeister, onde os britânicos The Exploited encarregavam-se de o distribuir em temas como “Beat The Bastards” ou “Fuck the USA”. Este foi um concerto, de resto, um concerto muito ao estilo da velha-guarda, onde até se desculparam alguns “pregos” na bateria em prol da constante intensidade impressa pela banda.
Por fim, neste segundo dia, ainda tínhamos os suecos Millencolin que, com o seu Punk bem-disposto aligeiraram o ambiente agressivo que se viva até então, e a banda de tributo a Pantera, denominada Display Of Power, que, com uma fidelidade que se estendia até aos modelos de guitarra usados, recriaram todos os principais temas para todos aqueles que nunca tiveram oportunidade de assistir ao vivo à popular banda de Metal.
Dia 3 – 3 Agosto 2013
Dia 3 de Agosto e chegávamos agora ao terceiro e último dia da edição 2013 do Resurrection Fest. Se no dia anterior as principais atracções pertenciam ao Metal, seriam desta vez dois históricos do Punk a, neste sábado, terem a posição de cabeça-de-cartaz. Estes dois nomes não poderiam, aliás, representar melhor as sonoridades mais distintas dentro do dito estilo, com o constante experimentalismo dos Black Flag a contrastar com as melodias simples mas tremendamente eficazes dos Bad Religion. Não haveria, por isso, melhor maneira de fechar um festival que teve este estilo sempre bem gravado na sua história.
Assim, o único dia sem qualquer banda portuguesa a actuar teve como primeiro grande destaque o concerto dos espanhóis Rise to Fall no palco Monster. Apesar da forma algo morna com que foram recebidos, a banda deu uma boa performance, com destaque para a qualidade técnica da dupla de guitarristas. De seguida, é de destacar uma banda bem conhecida pelos portugueses, tendo-lhes até dedicado uma das suas músicas. Falamos dos We Ride, banda de Vigo, que viu o seu Hardcore ser recebido com bastante movimento por parte do público. E movimento foi coisa que também houve no concerto dos catalães Crisix. A promover o seu segundo álbum, lançado este ano, a banda fez questão de manter o seu público sempre activo, ao, para além de tocar exemplarmente o seu rápido Thrash Metal, atirar diversas t-shirts suas ou encorajar a sua hilariante variância de wall of death, o “football of death”. No geral, um bom concerto de uma banda que parece ter conquistado em definitivo o público espanhol. Terminado o concerto dos thrashers de Barcelona, era agora tempo para ouvir a banda mais deslocada do cartaz do Resurrection. De facto, o Post-Metal dos madrilenos Toundra parecia ser algo completamente aparte de tudo o que o Resurrection tinha oferecido. E foi mesmo isso que aconteceu. Sem usar linhas vocais ou qualquer interacção vocal com o público, a banda conseguiu conquistar por completo a tenda Jägermeister com os seus ambientes densos, que rapidamente atraíram uma larga parcela da população do recinto. Uma agradável surpresa, sem dúvida.
Voltando ao palco Monster, estava na altura de assistirmos ao concertos dos I Killed the Prom Queen, projecto do ex-guitarrista de Bring Me The Horizon. Praticando um Metalcore bem moderno, este foi um concerto em que reinaram os breakdowns, destacando-se ainda o facto de os solos serem praticamente inaudíveis, bem como da engraçada presença de uma bóia no crowdsurf. Passando de novo para a tenda Jägermeister, era altura agora de assistirmos a um dos últimos concertos da carreira dos britânicos Your Demise. Com uma interacção exemplar, muito ao estilo do hip-hop, a banda acabou por “tocar” mesmo naqueles que não eram propriamente seus fãs, num concerto que abrangeu praticamente toda a sua obra e que terminou de forma emotiva com o vocalista Ed McRae a fazer crowdsurf sobre o público, naquela que será a sua última passagem por Espanha antes de esta terminar a sua carreira em 2014. Voltando para o palco Monster, e antes de presenciarmos os cabeças de cartaz, tínhamos ainda mais um concerto em perspectiva, o dos americanos Killswitch Engage. Pioneiros naquilo que é agora conhecido como Metalcore e a promover o seu novo álbum, a banda deu um concerto que teve como ponto mais alto quando foram tocados os clássicos como “My Curse” ou “My Last Serenade”. De notar ainda o humor presente na interacção com o público, bem como o facto da voz principal ser um pouco inaudível nas secções mais pesadas das músicas, problema que acabou por nunca ser corrigido.
Posto isto, estava finalmente na altura de começar o “desfile” de Punk Rock que eram os dois concertos dos cabeças-de-cartaz deste último dia do festival. Assim, coube aos Black Flag, na tenda Jägermeister, serem os primeiros, apresentando a sua agressividade que se pode classificar como sendo quase progressiva na forma como que esta se foi reinventando ao longo dos diversos álbuns da carreira da banda. Porém, este foi um concerto que se revelou algo desapontante, com o público a não estar muito receptivo aos clássicos tocados, parecendo que a banda nunca chegou mesmo a integrar-se verdadeiramente com a sua audiência. Aqui notou-se claramente a falta do carismático frontman Henry Rollins, já que certamente que, com ele, o concerto não teria sido o mesmo. Por outro lado, já mal não se pode dizer da actuação dos percursores do Pop-Punk, os Bad Religion. Tendo uma postura extremamente descontraída, a banda conseguiu cativar a que foi provavelmente a maior enchente que o recinto viu nestes três dias. De resto, foi um desfilar de clássicos que o público respondeu, um pouco por toda a parte, de forma entusiasta. Uma hora e meia que muitos fãs irão certamente recordar. Continuando com o ambiente “light”, a mistura de música celta/Folk com Punk dos Street Dogs continuou a animar o público restante, com temas rápidos mas sempre com uma energia positiva.
Como último concerto do palco Monster do festival, tivemos seguidamente o previlégio de assistir ao concerto dos históricos Biohazard, que, com a sua mistura de Metal, Hardcore e Hip-Hop, conseguiram gerar uma boa reacção do público, onde se incluiu até uma invasão de palco. De destacar ainda a presença de duas covers de Bad Religion na sua setlist. Por fim, foi com os Rancis, banda de tributo aos Rancid, que se finalizou o festival, com um concerto que contou com uma exposição dos melhores temas da mítica banda de Punk.
E assim terminou o Resurrection 2013, um festival cujo grande crescimento é notório. A nível da organização, alguns aspectos como os preços das bebidas, a distância do campismo ao recinto ou a atitude dos responsáveis pela segurança no crowdsurfing podiam ser melhorados. Porém, quando se consegue assistir a concertos de bandas tão grandes e diversas como Slayer, Bad Religion ou The Casualties, juntamente com projectos inovadores como Toundra ou Brutality Will Prevail, tudo isso deixa de fazer um pouco de sentido. O Resurrection assume-se, assim, cada vez mais como um festival obrigatório para todos aqueles que gostam de música agressiva no seu geral. Esta será uma experiência, sem dúvida, a repetir.
Fotos: Tomás Lisboa
Texto: João Vinagre