Entrevista aos Travo

Os Travo são daquelas bandas portuguesas que entusiasmam e apaixonam. São de Braga e uma das grandes esperanças para um estilo de música que nunca teve grande repercussão em Portugal, infelizmente. Donos de um som único e que tem tudo para evoluir, os Travo passaram pelo experimentalismo e parece quererem focar-se no rock psicadélico, com toques dos anos 70 e modernos. Abaixo, poderão ler a entrevista na íntegra. A banda fala-nos da carreira, do álbum de estreia lançado a 25 de Maio e das suas perspectivas de carreira.

Ruído Sonoro: Para quem não vos conhece, quando surgiram? De onde são e quem são?

Travo: Em meados de 2015, decidimos (David, Gonçalo Ferreira e Nuno, na altura colegas na escola secundária, em Braga) juntar-nos para fazer uma ou duas músicas. O local era uma garagem e reunimo-nos para compor e tocar começou a tornar-se um hábito. Contudo, consideramos que o verdadeiro começo se deu apenas em meados de Julho de 2017, quando se juntou o Gonçalo Carneiro, após termos passado por duas formações diferentes. Actualmente, o Gonçalo Carneiro e o Nuno vivem no Porto, pelo que acabamos por ensaiar tanto lá como em Braga e mesmo no que toca ao número de concertos, foram as duas cidades onde tocamos mais.

RS: Coincidindo com o de muitas bandas, o início é sempre atribulado. Como foi o vosso? Foi difícil chegar à vossa formação actual?

T: Como referido anteriormente, começámos os três em meados de 2015. Pouco tempo depois, convidámos dois amigos, o Gonçalo Araújo (voz, guitarra e trombone) e o Pedro Couto (sintetizadores), também colegas da escola, para virem tocar connosco. O ritmo com que compúnhamos era relativamente baixo, visto que, nessa altura, éramos todos instrumentistas bastante inexperientes. Durante o primeiro ano da banda, fomos gravando umas ‘demos’ bastante ‘lo-fi’ e arranjando alguns concertos em Braga, de maneira a juntar dinheiro para gravar o primeiro EP. Em Março de 2016, gravámos o Santa Casa EP, na ESART, em Castelo Branco, onde estudava o Gonçalo Ferreira e onde este conheceu o Gonçalo Carneiro, que acabou por ser o produtor do EP. O Santa Casa foi lançado apenas em Setembro do mesmo ano, e teve uma recepção razoável. Apresentámo-lo ao vivo durante, sensivelmente, seis meses, durante os quais partilhámos palco com bandas nacionais já com bastante nome, como os Sunflowers, Solar Corona, Astrodome… Em Março de 2017, o Gonçalo Araújo e o Pedro Couto, estudantes de medicina, não conseguiam conciliar os estudos com a música, pelo que a banda teve de sofrer uma reestruturação, passando nesse período por um momento bastante instável. Foram substituídos temporariamente por outros dois amigos, Joaquim Simões (voz e guitarra) e Marcelo Oliveira (Sintetizadores). Por esta altura, decidimos cortar com o passado e começar do zero a compor novos temas, nos quais mudámos por completo de sonoridade, visto que a do Santa Casa – tendo sido composto na nossa adolescência – já não nos dizia muito. Quatro meses depois, em Julho, o Joaquim e o Marcelo saíram por motivos pessoais e entrou finalmente o Gonçalo Carneiro. Desde então, tem-se verificado um crescimento mais acelerado. Lançámos o EP ao vivo n’O Silo, em Setembro – que teve uma resposta positiva – e passámos 2018 a compor e a gravar aquele que se tornou no nosso primeiro álbum e a dar concertos.

RS: Porquê o nome Travo? Tem algum propósito ou foi um puro acaso?

T: Já algum tempo depois de termos começado a ensaiar, surgiu a necessidade de dar um nome à banda. Depois um ‘brainstorming’, surgiu a hipótese Travo, que logo nos pareceu a ideal, por duas razões: a primeira tem a ver com o facto das muitas diferentes conotações da palavra terem, de alguma maneira, uma linha em comum, que, de uma forma ou de outra, acaba por se reflectir na nossa sonoridade. A segunda razão, não menos importante, teve a ver com a vontade de todos nós de apresentarmos ao público o nosso trabalho em português.

RS: Lançaram em 2016 o EP Santa Casa – que pode ser visto abaixo – uma sonoridade diferente do vosso rock psicadélico, stoner e quase tóxico, já lá vamos. A progressividade e experimentalismo de Santa Casa representa uma estreia formidável para uma banda tão jovem. Foi exactamente isso, um início? Ou, quem sabe, voltarão àquela sonoridade, num futuro próximo? Falem-nos de Santa Casa e aquilo que representa para vós.

T: O Santa Casa representa exactamente um início. Todas as músicas foram compostas pela nossa primeira formação. Estávamos a começar a dedicar-nos com mais seriedade à música e o EP reflecte essa falta de experiência. Curiosamente, a música em que mais nos debruçámos e experimentámos, “Santa Casa”, acaba por ser aquela cuja sonoridade se assemelha mais às músicas mais recentes. Com a nova formação, não tencionamos voltar à sonoridade desse EP, até porque todos crescemos como músicos e os nossos gostos mudaram, mas não deixamos de lhe dar a importância que merece.

RS: O ano 2017 foi uma mudança evidente e, talvez, um dos anos mais importantes na vossa carreira. Como foi 2017 para vós? Tocaram no Festival Rodellus, que foi um trampolim para 2018.

T: O ano 2017 começou mal. Como referido anteriormente, no início do ano, o Gonçalo Araújo e o Pedro Couto tiveram de sair. Houve uma mudança de formação, que acabou por não correr como esperado. O ponto de viragem deu-se em Julho, quando entrou o Gonçalo Carneiro, que trouxe consigo outra experiência. Desde então, tudo tem corrido a um ritmo mais acelerado e esse foi sempre o nosso objectivo. De Julho até ao final do ano ainda fomos a tempo de dar esse belo concerto no Rodellus, lançar um EP e até de dar, entre outros, dois concertos na Galiza. Foi um óptimo final de um ano que tinha tudo para correr mal.

RS: Em Setembro de 2017, lançam n’O Silo. A sonoridade é diferente de Santa Casa. O EP foi gravado no estúdio homónimo ao vivo, em sessão única, e no Porto. Porquê a mudança? Em que bandas se inspiraram?

T: A mudança foi algo que surgiu naturalmente. Os nossos gostos mudaram e evoluímos musicalmente desde o momento em que gravámos o Santa Casa até ao n’O Silo. Tentamos sempre que todos os membros tenham uma contribuição pessoal na composição das músicas e é interessante o resultado final. Tínhamos e temos todos gostos diferentes e o espectro de bandas que nos influenciam, directa e indirectamente, é muito grande. Em n’O Silo acaba por haver um cruzamento de vários géneros bastante diferentes, desde o shoegaze ao rock do deserto, a passar pelo pós-rock e pela música electrónica ambiente e drone, tentando sempre que a fusão seja suave, natural e coesa. Temos tido algum prazer em compor assim, sem nos agarrarmos a fórmulas. O que não quer dizer que, no futuro, não possa vir a acontecer.

RS: Faltava-vos um primeiro álbum. O novo álbum foi lançado no dia 25 de Maio com o título “Ano Luz”. O que pode o público esperar deste vosso álbum de estreia?

T: Pode esperar exactamente o que são os Travo neste momento. Uma mistura muito própria entre os mundos do post/kraut e stoner rock. Mesmo para nós é complicado descrever em palavras. Ouçam!

RS: Como anteriormente referido, a vossa sonoridade foi mudando, passando do experimentalismo ao stoner, a roçar o rock psicadélico quase tóxico. Sentem que este álbum é o cume da vossa sonoridade até ao momento? E veremos essa evolução musical a decorrer neste “Ano Luz”?

T: Até ao momento, sim. Essa evolução é bem perceptível neste álbum, porque há músicas que lá estão que foram compostas, há quase dois anos, e outras que foram compostas, há poucos meses. Sentimos todos essa necessidade de evoluir e o próximo álbum, provavelmente, será bastante diferente deste, por isso mesmo.

RS: No dia do lançamento do vosso disco de estreia, actuaram no TOCA, no mítico palco do Hard Club. Como foi a vossa experiência a tocar no festival e no Hard Club? Como foi a experiência de interpretarem Ano Luz ao vivo pela primeira vez?

T: Foi o nosso segundo concerto no Hard Club e é sempre um prazer tocar numa das melhores salas do país. Interpretar o Ano Luz ao vivo tem sido, para nós, bastante divertido, que é o mais importante. A resposta do público tem sido boa, e isso é a cereja no topo do bolo.

RS: Têm um “público-alvo”? De que sentido a vossa música poderá influenciar os ouvintes?

T: Não temos um público-alvo, mas gostamos disso. Achamos que essa é uma pergunta para fazer aos ouvintes. Para nós, gostarem e irem aos concertos, basta-nos.

RS: Que perspectivas de mercado têm para a vossa música, tendo em conta o gosto dos ouvintes portugueses pelo vosso tipo de música? Andar por Portugal, pelo estrangeiro ou combinar os dois percursos?

T: Combinar os dois, sempre que possível. Quanto à perspectiva de mercado, temos noção que, em Portugal, não é grande. Nenhum de nós tem como objectivo viver somente da banda. O que não quer dizer que não iremos tentar crescer comercialmente o máximo possível, sendo sempre fiéis a nós próprios.

Texto e entrevista: João Braga
Edição: Nuno Bernardo
Fotos: Travo