Bad Religion na Sala Tejo. Quase vinte anos depois, continuam sem estar para disparates

O passado dia 15 de Maio levou à Sala Tejo, nas traseiras da reconhecida Altice Arena, uma tríade do punk liderada pelos californianos Bad Religion. Provavelmente o mote para o regresso à adolescência para muitos, mas seria injusto resumir a isso o primeiro concerto da banda em solo português em quase vinte anos – e simultaneamente a estreia em Lisboa. Vários dos maiores fãs já tiveram de se deslocar ao país vizinho, como por exemplo ao festival galego Resurrection, para que o sonho de ver Bad Religion se tornasse realidade. Mas para tantos outros a primeira oportunidade foi precisamente em 2019, em Lisboa, numa quarta-feira em que o punk se mostrou estar actual.

Falámos em tríade do punk devido às duas bandas convidadas a fazer a primeira parte. Directamente da Flórida os Less Than Jake não se fizeram rogados e despejaram elogios e momentos de celebração mútua desde cedo. Contaram-se bananas pelo ar, foram traduzidas frases do inglês para o português graças à contribuição do co-vocalista e baixista Roger Lima e foram ainda chamados ao palco dois membros da plateia pelos seus casacos de ganga vistosos. O que se seguiu ao longo de 40 minutos foi uma vibe solarenga dos ritmos quentes floridenses somada às reacções espalhafatosas de Chris DeMakes e companhia, com destaque para as coreografias espontâneas de Buddy no trombone e de JR no saxofone. O momento alto do concerto deu-se com o circle pit dançante a dar cenário para a entrada da mascote em palco juntamente com dois canhões de papel higiénico em “Last One Out Of Liberty City”.

 

A segunda banda convidada foram os californianos Mad Caddies, uma verdadeira instituição do ska punk e também responsáveis por uma boa fatia do público da noite. As passagens de reggae e o ska mais ritmado foram suficientes para uma resposta imediata do público, cada vez mais composto e de voz bem afinada a acompanhar refrão atrás de refrão. A dança também foi prato servido pelos Caddies graças aos sopros quase circenses, que se arriscaram a uma versão de “She” de Green Day e ao domínio geral da versão mais punk da música polka. Uns autênticos camaleões da música capaz de folia, o sexteto vocalizado por Chuck Robertson evidenciou-se em “Backyard” ou “Monkeys” e conquistou a Sala Tejo a passos largos.

 

Chegada a hora de receber os Bad Religion foram encurtadas as pausas entre faixas e o que se seguiu foi uma hora e meia de lição pura de punk rock por uma das mais lendárias bandas do género. A inclusão de faixas do mais recente Age Of Unreason, álbum lançado este ano e o décimo-sétimo da sua carreira, foi feita de forma espaçada e entrosada com os clássicos “velhos” e “novos” do seu catálogo – foram mesmo visitadas faixas de catorze(!) álbuns diferentes. “Them And Us” foi tema de entrada e primeiro vapor da locomotiva punk e não tardaram a surgir temas tão obrigatórios como “Stranger Than Fiction”, “Recipe For Hate”, “Automatic Man” ou “New Dark Ages”. Age Of Unreason acabou por dividir o spotlight de discos tão determinantes em duas partes distintas da carreira, como foi o caso de No Control (1989) e The Empire Strikes First (2004), que criaram laços com duas gerações diferentes e assumiram papel de igual destaque no número de faixas seleccionadas para o alinhamento em Lisboa.

A sua “carcaça” envelhecida não passou disso – apesar dos quase 40 anos de carreira a banda apresentou-se em excelente forma com o mesmo espírito jovial. Greg Gaffin, qual pastor desta igreja humanitária da igualdade, fez-nos valer as suas semelhanças com Michael Keaton para nos lembrar que a narrativa dos Bad Religion é mais real do que ficção. Tudo continua actual na lírica e parece que pouco mudou ao longo de tantos anos, tanto na crítica religiosa como na política. Talvez tenha sido por isso que os refrães foram constantemente entoados em uníssono, numa só voz, como nos casos de “Los Angeles Is Burning” ou “21st Century (Digital Boy)”.

Já antes de “My Sanity” Gaffin mencionou que os Bad Religion não deveriam nunca estar afastados do público português, especialmente não por tanto tempo. Disse até que se deveria repetir todos anos. Essa sugestão foi novamente rematada na despedida, depois de uma recta incrível com “No Control”, “Struck A Nerve”, a nova “Do The Paranoid Style”, “Fuck Armageddon… This Is Hell” e ainda, a plenos pulmões, os hinos “Infected” e “Punk Rock Song”. O encore trouxe-nos “Sorrow”, a obrigatória “You” e a apoteose final de “American Jesus” para dar fim a um alinhamento luxuoso de 31 (!) temas.

Chegar a este ponto da carreira e continuar relevante – digamos que Age Of Unreason pode até ser um pilar para uma nova geração de fãs – e transportar essa importância para o palco de forma intocável foi quase inacreditável. A música continua a ser a sua arma de protesto social, década após década, e ficou mais do que provado de que os Bad Religion não se resumem a uns “dinossauros” do punk. Eles não mesmo estão cá para disparates dessa natureza.

Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Paulo Jorge Pereira