Peter Hook & The Light na Aula Magna. A substância da euforia e da melancolia

O projecto musical é simples – juntar canções de Joy Division com Joy Division sem Ian Curtis, a.k.a. os New Order. Peter Hook & The Light é o que resulta de um infeliz divórcio entre Peter Hook, ex-baixista dos Joy Division, e os restantes membros dos New Order, todos também ex-membros de Joy Division. Poderá dizer-se que Peter juntou o útil ao agradável e escolheu o a álbum Substance de ambas as bandas, respetivamente de 1987 e 1988, para nos brindar com um concerto que decorreu na Aula Magna no passado dia 12 e que não conseguiu deixar ninguém indiferente.

O público era composto por uma mistura entre os que queriam relembrar o revivalismo dos anos 80 e os que o queriam conhecer, os curiosos por estarem no mesmo espaço físico de um fundador de não uma, mas duas bandas de culto e os que simplesmente queriam ouvir grandes êxitos intemporais. Pessoas dos 8 aos 80 encheram o auditório da Aula Magna na esperança de passarem um bom serão acompanhados por este ícone do baixo e a sua banda.

Com um breve atraso de dez minutos, a banda entra em palco com uma postura muito descontraída e, sem demoras e sem grandes conversas, começaram por dar início ao acto de New Order. Iniciaram a noite com as surpresas “Regret”, do álbum Republic, para aquecer as almas de todos os presentes e prosseguiram com “Procession”, que sacou uma das poucas palavras da boca de Peter ao longo de todo o concerto. «I love that silence before it starts» foi a frase sincera antes de partir para “Ceremony”, que efectivamente deu inicio à festa ao fazer levantar os mais destemidos. «It seems like I’ve been here before» foram as letras que convidaram o público a cantar em plenos pulmões “Everything’s Gone Green”.

Apesar de toda esta histeria, foi “Temptation” que fez abandonar o assento confortável do auditório. Houve quem dançasse, gesticulasse, ou simplesmente só abanasse a cabeça, mas o que é certo é que o público estava praticamente todo em pé, incluindo os mais tímidos que não conseguiram mais estar sentados. É claro seguidamente em “Blue Monday” já todos sabemos o que aconteceu dentro daquelas quatro paredes. O fantástico baixo e os fortes e enigmáticos sintetizadores arrancaram as melhores danças da noite por parte do público e até da própria banda. Aqui a voz pouco baixa e não perfeita de Hook não importou muito, afinal estaríamos a experienciar a sensação de ouvir ao vivo uma das músicas de dança mais influentes de sempre.

Com o público já bastante aquecido, seguiu-se “Confusion” e Thieves Like Us”, que fizeram o seu trabalho ao acalmar os ânimos. Voltou-se ao êxtase em “The Perfect Kiss”, onde se viu de novo os mais acanhados levantarem-se para dançarem esta música tão contagiante. Avistaram-se sorrisos de, muito provavelmente, alegria ao relembrar algumas memórias. A seguir a “Subculture” , Shellshock” e “State of Nation” continuaram a fazer mexer o público. Posto isto, as aguardadas “Bizarre Love Triangle” e “True Faith” fizeram contagiar todos em memória daqueles glórios velhos tempos.

“I feel so extraordinary something’s got a hold on me I get this feeling I’m in motion, a sudden sense of liberty», foram as palavras que descreveram esta hora e meia de concerto. A banda abandonou o palco após isto, dizendo adeus e carregando os seus copos para o backstage. Foram dez minutos de muitas expressões de interrogação, pedidos de encore, assobios, onde quase todos se questionavam se teria sido o fim ou não.

Eis que depois de uma espera quase sofrida, a banda volta e há um «obrigado» muito decente da parte de Hook. A partir daqui, as treze músicas seguintes fizeram pesar a atmosfera que outrora teria sido de muita festança. A melodia de “Day of the Lords” inicia uma viagem pelo mundo de Joy Division. A festa aqui foi de outro tipo, a “Colony” fez abanar algumas cabeças, mas foi em “Shadowplay” que se fez sentir aquele arrepio na espinha e se começou a ver as danças descontroladas à Ian Curtis. Peter Hook demonstrou-se muito mais capaz de interpretar Joy Division devido à melhor combinação da sua voz com as melodias intensas. “Warsaw” voltou a fazer mexer o público ao puxar pela veia punk de todos. “Leaders of Men” e “Digital” fizeram-se seguir com um emocionante «Day in, day out» cantado em coro com um Peter Hook visivelmente muito mais animado. Depois de se ver nostalgia no olhar de Peter em “Autosuggestion”, a “Transmission” fez acontecer o inevitável e óbvio «dance, dance, dance, dance, dance, to the radio». Mas foi na brilhante “She’s Lost Control” que o público foi ao rubro num casamento perfeito entre a voz de Hook e a banda The Light.

“Incubation” fez-se acompanhar pela poderosa “Dead Souls” e em “Atmosphere” Hook fez uma dedicatória. «God bless his soul”, foram as palavras visivelmente emocionadas ouvidas pelo antigo companheiro de Ian Curtis. Passado largos anos da sua morte, ainda é relembrado fervorosamente pelos que cá ficaram e que ainda sentem a dor da partida tão prematura. Posto isto, a aguardada “Love Will Tear Us Apart” mostrou que Hook não está cansado de a tocar, de todo. A vibração desta música fez activar todos os sentidos e foi uma experiência que dificilmente irá desvanecer em cada um de nós. Tivemos direito a um curto topless de Hook visivelmente satisfeito com a reacção do público e, à saída, um nostálgico silêncio fez-se sentir pelo público que calmamente abandonou a sala.

O espectáculo foi uma mixórdia inquestionavelmente agradável, embora o sentimento agridoce ter feito sentir-se de várias formas. O concerto projectou-nos inicialmente para a euforia de New Order, com os sintetizadores a obrigarem a mexer o esqueleto. Mas quando as músicas de Joy Division ecoaram na sala, a melancolia sentiu-se na atmosfera. Sem dúvida que foi uma montanha russa de emoções que nos fez sentir o mistério à volta das duas bandas. É de agradecer a Peter Hook por nos oferecer a nobre possibilidade de ver Joy Division ao vivo.

Texto: Ana Liques