Wrekmeister Harmonies no Understage. Conforto na solidão

Wrekmeister Harmonies definem-se como um colectivo de músicos, encabeçado por JR Robinson, compositor e único membro fixo. Mas quando Esther Shaw empresta a voz – e as mãos: violino, teclas, handbells, é tudo com ela – o resultado só pode ser algo brilhante como o que assistimos no passado dia 16, no Understage do Rivoli, durante a apresentação do novo trabalho. Os dois músicos colaboraram anteriormente no Light Falls de 2016, e se já tinham provas dadas em álbum, ao vivo é evidente o quão bem se complementam.

JR Robinson é um homem de semblante sério e voz a condizer. Mesmo que não estivéssemos familiarizados com as temáticas do novo álbum, centrado em doença e morte e composto em contexto de isolação, isto deixava-se adivinhar nas letras, nas expressões faciais, na intensidade com que se agarravam aos instrumentos. A aura de The Alone Rush pedia, efectivamente, uma certa solenidade no ambiente que a sala não foi capaz de proporcionar, por culpa do já habitual burburinho por parte de quem não entende que um concerto não é o melhor local para conversar e o tremendo desrespeito que é para os restantes espectadores e, sobretudo, para os artistas.

De qualquer modo, e procurando ao máximo ignorar isto, o arrepio é inevitável quando a voz de barítono entoa pela sala, numa dicção clara que não pode deixar de captar a nossa atenção e nos coloca automaticamente atentos à história que conta. Ao mesmo tempo, Robinson actua quase naquele jeito de quem não tem uma multidão à frente, como um animal a lamber as feridas e, paradoxalmente, talvez seja isso o que nos cativa ainda mais. Mais frequentemente reconhece a presença da colega Esther: são frequentes os olhares, contagens de tempos ou acenos para assinalar novas secções. Os ambientes fantasmagóricos e inquietantes são criados, de formas distintas, tanto pelo violino como pelas partes electrónicas, criando o pano de fundo perfeito ideal para a narrativa de Robinson, um flutuar de intensidades cheio de pequenas nuances, ora uma passagem serena ornada a sininhos, ora um grito de gelar o sangue.

Ficou a sensação que o concerto tinha acabado de forma algo abrupta, abandonando o palco com um breve agradecimento e com Esther já a apressar-se a vestir o casaco; talvez tenham sentido, devido ao barulho da sala, que o público não estava assim tão interessado, mas acabaram por voltar para encore, um golpe final na alma e nos sentidos. A dinâmica estabelecida entre os músicos é digna de nota e permitiu a perfeita expressão daquilo que parece um longo e complexo processo de luto (ou vários), no seu álbum mais interessante até à data.

Texto: Joana Ribeiro
Fotografia: Daniel Sampaio