Batushka no Hard Club. Da catarse à salvação

A pulseira que nos é colocada antes de entrar na sala 2 do Hard Club é a do Vagos Metal Fest do ano passado, do dia em que Batushka actuaram. Esta alusão é o suficiente para nos aumentar as expectativas, pois se já tínhamos ouvido relatos positivos sobre essa actuação no Vagos, estávamos convencidos de que, numa sala fechada e mais pequena, só poderia ser ainda melhor, porque mais intenso e num ambiente mais propício à liturgia.

A primeira parte coube a Gaerea, cuja setlist incidiu maioritariamente sobre o mais recente Unsettling Whispers. Black metal é um rótulo bastante redutor para a banda portuense, com o seu gosto pela mistura de elementos de vários géneros vincado desde o início. Para quem os acompanha já há algum tempo, a evolução e amadurecimento são dignos de nota, comparativamente às primeiras actuações. Apresentam agora uma maior consistência e têm vindo a adoptar um som mais doom, em detrimento das partes “core” que eram mais evidentes no início, revelando-se uma banda verdadeiramente interessante de ver ao vivo e que sentimos que faz finalmente jus à fama de que têm gozado nos últimos tempos no underground nacional. As portas da sala permaneceram abertas nas primeiras músicas para deixar entrar mais e mais curiosos que queriam saber qual o motivo de interesse – e ali foram ficando. Bastava olhar à volta para ver que quem assistia estava convencido – mesmo aqueles que torcem o nariz quando ouvem as palavras “black metal” e “moderno” na mesma frase.

São oito os elementos de Batushka ao vivo, algo que pareceu surpreender muitos. No momento em que as figuras vestidas de negro e cara tapada assumem os seus lugares no palco, ouvem-se algumas variações de “Não sabia que eram tantos”. A banda, normalmente composta por três elementos, conta com um reforço de cinco elementos ao vivo, sendo que três, alinhados à esquerda, constituem o coro, um dos aspectos mais interessantes do som dos polacos. O vocalista balança um turíbulo, fazendo espalhar pelo recinto uma fina nuvem de fumo, enquanto a intro já toca, dando início à nossa experiência extra-corpórea que terá a duração de pouco mais de 40 minutos, ou as oito músicas que compõem o único álbum de Batushka, tocadas pela mesma ordem. Destaque para o facto de esta ordem ser seguida de forma rígida em todos os concertos, indicativo do carácter ritualístico do álbum do qual colhem frutos há três anos.

Da catarse à salvação (títulos da primeira e última músicas, respectivamente), assistir a um concerto de Batushka é um deleite para os sentidos. O rico cenário compõe-se de toda a espécie de figuras e parafernália relativas à cerimónia religiosa. Um backdrop de dimensões respeitáveis e uma espécie de biombos (que pareciam servir como divisória entre o baterista e o resto dos elementos) servem de enquadramento à acção; um púlpito, mais ou menos no centro, será ocupado pelo batushka, neste caso o vocalista; velas, caveiras e cruzes encontram-se espalhados por todo o palco, com o cheiro adocicado do incenso a reforçar o misticismo do ambiente.

Para lá dos riffs graves de fazer tremer as paredes e arrepiar qualquer presente, há em cada “Yekteniya” algo de visceral e primitivo, de indizível, característico das orações cantadas. Estas são ladainhas que nos desconcertam ao mesmo tempo que nos reconfortam, mas, sobretudo, que perduram. A fusão do black metal com os cânticos litúrgicos ortodoxos (não muito distantes do canto gregoriano, que nos é mais familiar) é brilhante e tem como intermediário um incansável sacerdote, que recorre aos mais variados elementos do ritual religioso para deslumbrar o público, como um quadro que exibe a certa altura e que é, na realidade, a capa do álbum. Se o ícone é utilizado com a intenção de idolatria ou de satirização, parecemos destinados a ficar na dúvida; existe uma ambiguidade propositada, bem contrária à atitude tradicional de uma banda de metal quanto à religião.

O vocalista asperge a multidão com água benta. Os vultos negros saem de cena e a música ainda persiste mais uns momentos. Começamos lentamente a voltar ao momento presente, ainda na dúvida sobre se voltam ao palco: uma ténue esperança, sabendo que tocaram a totalidade do álbum. Não voltam: é finda a Litourgiya. Foi curto, mas de outra forma não podia ser, com apenas um álbum na bagagem. Antes pouco e bom. À semelhança daqueles que se refugiam na oração, encontramos consolação em poder reviver este concerto infinitas vezes na nossa memória.

Texto: Joana Ribeiro

Fotografia de capa, não correspondente ao concerto reportado, com direitos reservados a Sabrina Ramdoyal e Distorted Sound Magazine – Fonte.