MONITOR. A autoestrada da dança sem limites

Num final de tarde agitado, com toda a alegria e azáfama da Feira de Maio mesmo ali ao lado, a cidade do Lis presenciou uma pequena mancha negra num local familiar, mas novo. Depois de uma 1ª edição de sonho no antigo Beat Club e de uma 2ª edição alternativa na Blackbox do Teatro José Lúcio da Silva, o MONITOR – Minimal Wave & Post-Punk International Rendez-Vous voltou à origem, no renovado espaço que é o sonho de qualquer amante de concertos ao vivo, Stereogun.

A excelente acústica da sala e a panóplia de efeitos visuais ao dispor elevam qualquer concerto a um patamar superior, não tendo sido os seis de 26 de Maio de 2018 exceção. Com um cartaz quase exclusivamente composto por bandas em estreia em Portugal, apenas 16.66% do mesmo representava um regresso, o de Hante., a solo luso. Mais um dia em que Leiria respirou cultura, na cidade onde nada acontece excepto tudo o que é bom!

A fragrância dos sonhos

O arranque da 3ª edição do MONITOR deu-se quando o relógio marcava 18:22, subindo a palco a primeira de três duplas da noite: o projecto parisiense Fragrance. Com o seu mentor Matthieu Roche a tomar conta da voz e ocasionalmente das teclas, o concerto teve uma preciosa ajuda feminina nos sintetizadores, que mesmo sem microfone ia cantarolando para si alguns refrões. Marcado por uma sonoridade de synthpop sonhadora, agradável ao ouvido e capaz de elevar o espírito, bem acompanhada pela voz doce de Matthieu, o concerto desenrolou-se durante 44 minutos.

Com destaque para temas como So Typical e Lust For Lights logo na primeira metade, bem como a inevitável Collapse a fechar, a memória que fica do concerto é de uma dupla tímida mas doce em palco, um potencial tremendo para o futuro musical de Matthieu Roche e mais uma aposta certeira da Fade In, à qual o músico e produtor agradeceu o convite no final, tendo sido bastante aplaudidos na sua saída de palco.

Ante a doce escuridão

O espectáculo prosseguiu com um synthwave mais negro e atmosférico, com Hélène de Thoury a apresentar o seu projecto Hante. mais uma vez em Portugal. Eram 19h30 quando a música, produtora (entre outros, precisamente do EP de estreia dos Fragrance) e editora francesa subiu a palco para um arranque de concerto a ritmo lento, misterioso e ligeiramente sufocante. Depois da introdução, Empty Space e Live To Die Another Day mostraram-nos algo do mais recente álbum Between Hope & Danger, cujo tema homónimo surgiu à sexta música da setlist, uma das faixas mais sonhadoras da noite.

Os trabalhos anteriores também tiveram o seu momento, com destaque para a brilhante The Storm do trabalho de estreia ou In Cold Water do segundo álbum. Éternité deu-nos um dos momentos mais emocionantes da noite, mas foi a recta final do concerto que realmente ficou no ouvido, com a melodia de Lies // Light, a tristeza de Living In A French Movie e o ritmo de One More Dance a fechar, na qual Hélène se juntou ao público presente para dançar com todos. Boa presença em palco e excelentes composições resultaram num belo concerto, com a artista em palco a quebrar o semblante sério que manteve durante quase toda a actuação para receber com um sorriso quente as palmas no final, precisamente 1 hora depois do concerto ter iniciado.

Unhas negras num cabaret de variedades

Em todas as edições do MONITOR tem havido um concerto que se destaca, quer seja pela irreverência ou sonoridade, quer seja pela presença em palco ou inesperada superação. Em 2018, arrisco-me a dizer que essa medalha vai para os húngaros Black Nail Cabaret, que fecharam a primeira parte do festival. Com a carismática e expressiva Emese Arvai-Illes na voz e o calmo e imponente Krisztian Arvai nas teclas, o concerto teve início às 20h40 e foi uma viagem por uma sonoridade de pop negra, electrónica e surpreendentemente original.

Da mais experimental The Critical Cult Of Dora à hipnotizante Satisfaction, da dançante Let Me In à mais calma e sonhadora Therapy, o carrossel de emoções foi intenso, variado e para todos os gostos, num concerto que revelou uma vocalista desinibida e com uma voz peculiar viciante. Fechando com Veronica e a sua letra perturbante, o público despediu-se da dupla às 21h35, que mereceu cada aplauso. Lá fora caía a noite, que se adivinhava igualmente interessante.

 

Repostas as energias, os… monitores?… voltaram à Stereogun, para uma segunda parte onde finalmente o post-punk iria ter o seu espaço. Quem não regressaria seriam as presenças femininas em palco (bem, quase, mas já lá vamos).

 

Ode à post-alegria

O último dos três projectos franceses da noite subiu a palco quando faltavam poucos minutos para a meia-noite. O trio parisiense L’An2000 não teve a noite mais feliz da sua vida, com algumas dificuldades técnicas ao longo do concerto, mas nem por isso deixaram de dar um magnífico concerto. Com uma postura despreocupada e claramente a divertirem-se com aquilo que faziam, a sua boa disposição e melodias entuasiasmantes contagiaram o público.

Com um repertório curto (2 EPs) que deverá ter sido tocado na íntegra, a banda mostrou potencial para um futuro risonho, com a voz quente e grave de Wandy Giraud a ser bem acompanhada pela bateria incansável de Benoît Aubert e por Tom Foucaud, que ora se focava no baixo nos temas mais rock, ora o fazia nas teclas nas apostas mais electrónicas. Temas como Nonsense, Je Te Fuis e Strangers foram os pontos altos do concerto, que serviu como um belo digestivo para uma plateia que tinha acabado de chegar do jantar.

Na autoestrada da perfeição

A sonoridade post-punk acenou o adeus à 01h11, com as guitarradas dos britânicos Autobahn. A sua prestação foi a toda a velocidade, mas com alguns furos no amplificador pelo meio (o que despertou a ira do vocalista Craig Johnson, cuja presença em palco foi errante e bizarra, mas com uma prestação vocal impecável). Com a sonoridade mais agressiva da noite, o público deixou-se contagiar com temas como Immaterial Man, A Beautiful Place To Die e Seizure.

A viagem pelas terras de Sua Majestade, reminiscente da sonoridade de Joy Division, fez-se com uma banda competente e com espaço para cada músico brilhar. A despedida deu-se com o tema homónimo do álbum The Moral Crossing, num concerto que apenas pecou por não ter durado mais.

 
 

O bizarro cair de pano

Passavam 31 minutos das 2 da manhã quando o último acto abraçou a luz dos holofotes. E que acto! Lembram-se de ter mencionado que a presença feminina não iria voltar? Bem, meio que menti. Petra Flurr apresentou-se em palco com vestes e maquilhagem associadas ao género feminino, o que causou um primeiro impacto forte. Igualmente forte foram as batidas do mexicano 89st a que ele deu voz, associando o adjectivo frenético à plateia que dançava ao som do electro-punk minimalista.

Maschinen e Purple Eyes (cujo título Petra fez questão de encarnar) foram alguns dos momentos mais agitados da noite, numa electrónica penetrante, inquietante, provocante. O último sonoro que ecoou nas paredes da Stereogun foi Monotone Zone, dando por término a 3ª edição do MONITOR quando passavam 27 minutos das 3 da manhã. Na despedida, os músicos mostraram-se muito agradecidos, transparecendo simpatia e empatia com o público.

 

Numa noite de tons negros e azulados, qual céu celeste, foram 6 os projectos-estrela que pisaram o palco, cimentando a qualidade do MONITOR, evento único e repleto de surpresas.

Texto: David Matos
Fotografia: Marina Silva
Agradecimentos: Fade In