Moonspell no Lisboa Ao Vivo. Fazendo tremer a memória

A noite caíra sobre a capital, extinguindo o sol e arrefecendo os corpos; o dia, 31 de Outubro, assinalava o Halloween, espalhando magia negra no ar; a banda, os Moonspell, prometia reavivar o feitiço e a memória; o álbum, 1755, trouxe consigo recordações tristes e trágicas, fazendo tremer de medo os corações lusitanos.

A segunda noite de apresentação do novo trabalho da mais internacional banda portuguesa prometia e cumpriu-se com casa cheia, um mar negro de almas vivas recordando os defuntos, numa sala erguida onde outrora ruínas reinavam, numa cidade viva que há 262 anos morria em chamas e cinzas. Passava meia hora das 22 quando o público vibrou Em Nome Do Medo, o ponto de partida do concerto e do novo álbum, na sua nova roupagem orquestral, épica e fantasmagórica.

A banda ficou completa em palco no tema homónimo de 1755, álbum que foi tocado na íntegra e por ordem. Seguiu-se In Tremor Dei, o tema que reacendeu as chamas em Lisboa, contando com a improvável mas deliciosa contribuição do fadista Paulo Bragança, que se juntou a Fernando Ribeiro para uma prestação imaculada e fazendo jus à essência e nome do tema, tremendo, sem Deus.

Apontando-se o dedo de culpado à superior entidade divina do mundo cristão, a espectáculo continuou em Desastre, mas foi com Abanão que Lisboa Ao Vivo tremeu, com uma prestação vocal simplesmente demolidora no refrão. Depois de um Evento para avivar a memória, chegou o 1 de Novembro, com a voz do Fernando num registo um pouco fora do habitual, dando uma roupagem mais rasgada e desesperada à música.

O trio final do novo álbum teve direito a interpretações mais teatrais e a um público ainda mais vibrante, não obstante a constante energia da sala cheia em todos os momentos do concerto. Ruínas teve direito a cinza no ar, caindo sob um público maravilhado com o solo de Ricardo Amorim, a estrela deste tema. Seguiu-se o single Todos Os Santos, cantado a plenos pulmões por todas as almas presentes. Nas mãos do Fernando, uma cruz com um laser vermelho percorria a sala, qual luz destruidora.

O novo álbum despediu-se com a negra e sufocante versão de Lanterna dos Afogadas, o momento mais emotivo e sombrio da noite, um hino à memória da tragédia de 1755 com uma letra que, apesar de não ter sido escrita para a ocasião, encaixa perfeitamente. As luzes afogaram-se e apenas a lanterna ficou, pondo término à apresentação de 1755.

Após uma curta pausa, aproveitada pelo público para respirar um pouco e recarregar energias, os Moonspell voltaram a palco para uma seleção de temas escolhidos a dedo para terminar a noite em celebração. Everything Invaded foi recordada com saudade, numa viagem de 14 anos no passado até The Antidote. Seguiu-se Night Eternal, um clássico eterno que adensou as trevas da noite. Em Nome Do Medo regressou na sua versão original, acompanhada pelo vocalista dos Bizarra Locomotiva, Rui Sidónio, que saltou logo para o meio do público, voltando depois a palco para uma prestação intensa e visceral, abraçando Fernando Ribeiro enquanto ambos entoavam “sou sangue do teu sangue“.

A noite estava a chegar ao fim, mas houve ainda tempo para celebrar a noite das criaturas míticas com Vampiria e invocar, com forte ajuda do público, o demónio Mephisto. A fechar, os hinos incontornáveis da banda: primeiro Alma Mater, que fundiu a sala numa só voz, em memória de um jovem fã da banda que perdeu a vida nos incêndios de Pedrógrão Grande; a fechar, como sempre, Full Moon Madness, o ponto final numa noite louca, intensa e memorável.

O novo álbum dos Moonspell, 1755, mostrou resultar muito bem ao vivo, numa prova da ligação íntima entre a banda e o país que os criou, cantando na língua de Camões e reavivando a memória de uma tragédia que devastou Lisboa e ainda hoje nos faz tremer.

Texto: David Matos

Fotos: Marina Silva

Agradecimentos: Sara Espírito Santo