Resurrection Fest. Primeiro a Península Ibérica, agora também a Europa

As portas abrem-se, os amplificadores ligam-se e milhares de pessoas invadem Viveiro, na vizinha Espanha. Tem sido assim todos os anos e, neste 2017, o ritual não tinha como não se repetir. As atracções eram muitas: um número de bandas que cresce de ano para ano, apostas em novos sub-géneros não normalmente associados ao festival e até um novo palco que levou a uma redefinição da logística do espaço. Todas estas provas de que longe vão os tempos em que o Resurrection Fest era um pequeno festival dedicado ao hardcore. Mas, com tantos focos de destaque, conseguiria o festival abarcar o seu crescimento e fazer com que tudo corresse na perfeição? Infelizmente, por motivos profissionais, foi-nos impossível assistir ao dia 0 (encabeçado pelos brasileiros Sepultura), por isso passamos desde já a tudo o que se passou no primeiro dia oficial do festival.

Dia 1 – 6 de Julho

E neste primeiro dia, coube aos espanhóis Bastards inaugurarem o palco principal do festival. Com uma mistura de punk e folk a banda conseguiu fazer levantar pó na audiência, ainda que a sua música se tenha revelado algo repetitiva à medida que o concerto ia decorrendo. De seguida, os também espanhóis Noctem apresentaram-se no palco secundário e foi com black metal que fizeram girar cabeças. Ainda que o som não tenha estado nas melhores condições, a verdade é que a proficiência técnica da banda e a sua boa interacção com o público se revelaram eficazes e resultaram num concerto bastante positivo. The Devil Wears Prada eram os próximos, e este foi o primeiro momento de destaque para os fãs de metalcore. Com um concerto com muita música e poucas palavras, a banda acabou por escolher um alinhamento composto por “Greatest Hits” que agradou e muito aos fãs. De resto, eles não iam ser a única banda a tomar esta decisão, como veremos mais à frente. Antes ainda de chegarmos aos nomes mais sonantes do dia, destaque ainda para as duas doses de peso bruto que se seguiram: Benighted e Malevolence. Se os primeiros se continuam a afirmar como um peso pesado no que diz ao death metal, especialmente com o novíssimo Necrobreed, num concerto que contou também com a participação de Trevor Strnad dos The Black Dahlia Murder, já os segundos surpreenderam a audiência ao apresentar Self Supremacy, um álbum que incorpora de forma exímia influências da velha e da nova guarda da música pesada.

Mas era agora altura de aquecer os motores no palco principal, porque as guitarras de Airbourne já se faziam soar. O hard rock dos australianos não tem como soar mal e, apesar do som não parecer estar a 100%, a atmosfera festiva que envolve este estilo é sempre contagiante. Resultado? A primeira grande enchente do palco principal, num ambiente que parecia saído de um concerto de uma outra certa banda australiana. Mas se o ambiente de Airbourne era de festa, já o de Comeback Kid pode ser definido apenas por uma outra palavra: comunhão. O fluxo de energia entre banda e fãs revela-se sempre tão elevado nos concertos dos canadianos que ambas as partes juntam-se numa só, criando um ambiente sempre único. E única é também como se pode caracterizar a aparição que se seguiu dos americanos Suicidal Tendencies. Um ano depois de serem induzidos no Skateboarding Hall Of Fame, e com o ícone Dave Lombardo na bateria, a banda desbravou clássico atrás de clássico numa fúria incessante. “Possessed to Skate”, “War Inside My Head”, “You Can’t Bring Me Down” e tantas outras fizeram parte do alinhamento da banda, que só pecou por, inexplicavelmente, não ter incluído também “Institutionalized”. Mas algo também inexplicável foi o concerto que se seguiu. Com uma proficiência técnica de níveis extremamente altos, os The Black Dahlia Murder varreram por completo o Chaos Stage do Resurrection Fest. O seu death metal melódico bastante moderno era mesmo o que o público estava a pedir e, aliando uma excelente interacção com o público a uma setlist bastante competente, o resultado foram 45 minutos de brutalidade extrema.

Mas estava agora na altura de assistirmos aos primeiros cabeças de cartaz desta edição do festival, os americanos Anthrax. Assim, as luzes apagaram-se, a expectativa cresceu e…. “The Numebr Of the Beast”, dos britânicos Iron Maiden, começa a soar. Uma maneira certamente diferente dos Anthrax se introduzirem, mas a verdade é que fez o público afinar bem as vozes para o que estaria para vir. E o que estava para vir foi sem dúvida um dos destaques do festival, isto porque durante os seguintes 70 minutos, os Anthrax fizeram desfilar clássico atrás de clássico, numa setlist em modo “best of” da sua carreira. “Among the Living”, “Got the Time”, “Madhouse”, “Caught in a Mosh”… todas presentes, todas tocadas de forma exemplar. Adicionando a isso um dos melhores sons do festival e à incrível presença em palco de Joey Belladona e companhia e não podia haver melhor banda para encabeçar este primeiro dia do festival.

Para terminar o dia um, restavam-nos ainda quatro nomes: um trio de folk constituído por Eluveitie, Dropkick Murphys e Korpiklaani, ao que se seguiam os portugueses Bulls On Parade. Assim, começando com a primeira banda desta armada de folk, os Eluveitie mostraram-se algo inconstantes, principalmente devido ao som que tiveram, um dos piores do festival. Ainda assim, músicas como “The Call of the Mountains” e “Inis Mona” são sempre destaques para todos os fãs do género. De seguida, os Dropkick Murphys mostraram-se também algo amenos, num concerto que por vezes se mostrava pouco sólido e algo inconsequente. Parece-nos que a banda já deu melhores concertos, inclusive em Portugal. Por fim, e tal como os anteriores, os Korpiklaani também não se mostraram no seu melhor. Uma pena, porque temas como “Vodka” e “Happy Little Boozer” costumam ser motivos mais do que suficientes para se fazer a festa. Talvez numa altura diferente do dia, como por exemplo ao fim-da-tarde, estes concertos pudessem ser vividos de outra forma. Mas se há banda que desafia qualquer sinal de cansaço, essa banda é Rage Against The Machine. Por isso, os portugueses Bulls On Parade encarregaram-se de fechar por completo o primeiro dia, com uma actuação de fez todo o público mexer ao som de temas como “Testify”, “Killing In The Name” e, claro está “Bulls On Parade”. Foi, por isso, em nota positiva que se fechou o primeiro dia do festival, ficando a expectativa para os dois que se seguiriam.

 

Dia 2 – 7 de Julho

Noite bem dormida, baterias a 100% e estava na altura do segundo dia do Resurrection Fest 2017. E este era um dia que se previa especial, começando logo com os australianos Northlane. E apesar dos fãs estarem com as expectativas algo reservadas devido em parte à direcção do último álbum, a verdade é que a banda surpreendeu bastante com um concerto altamente energético e entusiasmante. Mesmer parece mesmo ganhar outra vida ao vivo, acabando por se revelar completamente diferente em contexto de concerto. Mas os bons concertos do dia não ficavam, obviamente, por aí, pois outro dos destaques do dia foram os canadianos Annihilator. Com o brilhante guitarrista Jeff Waters agora também na voz, temas como “Phantasmagoria”, “King Of The Kill” e “Set The World On Fire” foram tocados de forma irrepreensível, com toda a técnica presente no álbum. No entanto, o concerto pareceu ter sido cortado antes da última música, pois “Allison Hell”, um dos maiores clássicos da banda, acabou por ficar de fora do alinhamento. De seguida ainda no Main Stage, voltamos às sonoridades do hardcore/metalcore moderno com os incontornáveis Architects. E se a banda é conhecida por performances que igualam os seus trabalhos em estúdio, esta foi mais uma delas. Cada concerto dos britânicos é sempre um exercício de tentar reparar na mínima diferença relativamente aos trabalhos em estúdio, algo que mais uma vez se revelou infrutífero. Ainda que sem muitas surpresas, foi mais um concerto bastante sólido da banda.

Mas as surpresas apareceram logo de seguida com os americanos Warbringer. A promover o seu recentíssimo Woe To the Vanquished, a banda optou por tocar as cinco primeiras faixas do álbum tal e qual aparecem no disco, usando o restante tempo de concerto para tocar material mais antigo. Com uma performance bastante positiva do vocalista John Kevill, que até contou com alguma teatralidade, algo bastante invulgar no género, e uma precisão matemática nos instrumentos, a banda conseguiu que a “roda” no público não parasse de girar durante todo o seu concerto. E já que falamos em movimento, a banda que se seguiu faz dele uma parte integrante dos seus espectáculos. Isto porque chegando ao Main Stage, estava na hora de ouvir os Enter Shikari. E o seu post-hardcore com influências de math-rock bastante invulgar não deixa ninguém indiferente. A energia que a banda impõe em palco é contagiante, o que levou a saltos e mosh constantes ao som de temas como “Sorry, You’re Not A Winner”. Os britânicos dão sempre concertos cheios de adrenalina e este não foi excepção. E à medida que chegávamos aos cabeças-de-cartaz do dia e do festival, nota ainda para Lost Society, que com o seu thrash/crossover não deixaram o público parar e os Deez Nuts, que apesar de bastante desfalcados no seu alinhamento instauraram o caos para os fãs do seu hardcore moderno.

Mas eis que chegavam as 00h15 e o fogo-de-artifício começava a ecoar por todo o recinto. A banda em questão não engana: os Rammstein são hoje em dia uma verdadeira instituição na música pesada e dão um espectáculo como poucos artistas no mundo. Fogo, luzes elaboradas, diversos elementos no palco, explosões de confetti, membros da banda a arder… Tudo elementos que são já quase sinónimos dos alemães e que realmente os diferenciam dos demais. Relativamente à música, os clássicos estavam lá todos: “Engel”, “Ich Will”, “America”, “Du Hast” – aliás foi mesmo durante “Du Hast” que ocorreu um dos momentos do festival, em que dois mísseis saem disparados em direcção ao público para incendiar uma plataforma colocada mesmo no meio do público, para êxtase de todos. Foram momentos como estes que coloriram um concerto assombroso dos alemães, em que praticamente não houve falhas. E se é facto que este concerto seria difícil de igualar, o que é facto é que as duas bandas seguintes eram das poucas que o poderiam fazer. Falamos claro dos pais do grindcore Napalm Death e dos mestres do progressivo Animals As Leaders. No que aos primeiros diz respeito, a sua carreira fala por si, mas este foi mais um bom concerto em que todas as eras da banda marcaram presença. Assim, com toda a fúria inerente ao género, foi possível presenciar como o som da banda evoluiu ao longo tempo, passando desde as suas raízes mais cruas até às pinceladas mais recentes no experimentalismo. Ao mesmo tempo, Tosin Abasi e companhia maravilhavam a audiência com uma verdadeira demonstração de virtuosismo. É, de facto, incrível ver como cada elemento da banda trabalha o seu instrumento, fazendo-o parecer realmente fácil. Foi, por isso, uma óptima maneira de terminar a noite e de nos prepararmos para o terceiro e último dia do festival.

Dia 3 – 8 de Julho

Chegados finalmente ao último dia do Resurrection Fest 2017, ainda tínhamos muitas surpresas e concertos para descobrir. E elas começaram desde logo com Bury Tomorrow, banda que já é reincidente no festival. Sem ser muito surpreendente, e com uma boa interacção com o público, este foi mais um concerto bastante positivo e uma óptima maneira de abrir as hostes para o que estava para vir. E o que estava para vir valia a pena, pois quem se seguia no palco principal eram os suecos Arch Enemy. Com um espectáculo repleto de fogo e teatralidades em palco, a banda apresentou-se em boa forma, revisitando vários dos seus clássicos no seu tempo de actuação. “Nemesis”, a última música do seu alinhamento, foi claramente o momento alto do concerto. Antes de voltarmos a este palco, houve tempo ainda para uma passagem rápida pelo Chaos Stage, onde os espanhóis Lords Of Black desbravam um power metal com um nível de virtuosismo na guitarra bastante elevado. Destaque para a sua cover de “Neon Knights”, um original dos britânicos Black Sabbath.

Mas se houve banda que encontrou o sucesso na década passada, essa banda são os Mastodon. Apresentando o seu último Emperor Of Sand, a banda continua a mostrar uma constante evolução com temas dinâmicos que soam extremamente bem ao vivo. Ainda assim, os seus maiores clássicos não foram esquecidos, com músicas como “The Wolf Is Loose” e “Blood And Thunder” a também fazerem parte da sua setlist. Aliando isto tudo a um dos melhores sons do festival e tivemos aqui um dos maiores destaques deste terceiro dia. De seguida, os Taake preparavam-se para invocarem o mal no Chaos Stage. A verdade é que o som caustico da banda colidiu um pouco com o ambiente solarengo que se fazia sentir nesta altura. Ainda assim, a banda mostrou-se à altura, tendo também dado um concerto no geral bastante satisfatório. Mas como é hábito no festival, o metal tem de se intercalar com o punk e hardcore, por isso quem se seguia no Main Stage eram os icónicos Rancid. Com a boa dose de energia que está associada ao género, o concerto da banda manteve a adrenalina ao máximo durante quase todo o seu tempo de actuação. Foi apenas no fim que se notou uma certa repetição, mas que acabou por não manchar um concerto bastante sólido.

E se energia e boa disposição foram as palavras de ordem em Rancid, os Mayhem queriam exactamente o oposto. Com uma atmosfera fria e densa, os noruegueses celebravam o lançamento do seu álbum seminal: De Mysteriis Dom Sathanas. Foi um concerto que não tinha de ter discursos e palavreado, em que o silêncio era a melhor resposta para a barragem de som que são as músicas da banda. Por isso mesmo, o concerto revelou-se quase gelidamente hipnotizante, e foi mais um dos destaques deste último dia do festival. Seguidamente, nota ainda para as duas últimas bandas grandes do festival. Primeiramente, o power metal bélico dos Sabaton pode ter os seus detractores, mas a verdade é que o espectáculo da banda é realmente grandioso, com direito inclusive a um tanque real situado no palco. Por fim, tínhamos ainda os Obituary, banda que já conhece bem o Resurrection Fest. A apresentar o seu álbum homónimo, a verdade é que não há muito a dizer que não seja descrever o som da banda, porque os americanos simplesmente não sabem dar maus concertos.

Com isto, chegávamos ao fim do Resurrection Fest. Na sua globalidade, o festival foi mais uma vez um sucesso, com um crescimento cada vez maior e uma expansão para novos sons e géneros. Fora dos concertos, todas as condições do festival são irrepreensíveis sem nada a apontar, por isso já podemos certamente afirmar que o festival espanhol é já um dos grandes festivais do género na Europa.

Texto: João Vinagre
Fotografia: Resurrection Fest