The Kills. Ela e Ele, Cinza e Gelo, e um Coliseu rendido a seus pés

Longe de serem estreantes no nosso país, os The Kills saíram do circuito dos festivais – exceptuando um concerto pontual na Casa da Música pela altura de Midnight Boom –  e voltaram a Portugal para apresentar Ash & Ice, o quinto registo, no Coliseu de Lisboa e no Hard Club no Porto. Estivemos na data da capital e pudemos testemunhar, mais uma vez, o quão explosivo é este duo ao vivo.

Quem já os viu ao vivo, já sabe ao que vai. Quem os vê pela primeira vez, espelha as reacções já sabidas. À saída do Coliseu foram muito comuns os “Epá, aquela miúda!”, “Oh, mas e a química que eles têm?” e “O tipo é o maior!”.

Com já mais de 15 anos de vida musical conjunta, os The Kills – Jamie Hince e Alison Mosshart – mantêm uma longevidade e consistência talvez um pouco invulgar na cena mais alternativa e do garage rock, uma convivência que se transpõe e acrescenta muito (cada vez mais) à experiência que é vê-los ao vivo.

E, ainda assim, possuem o condão de inovar com coerência e prova disso mesmo é o disco lançado este ano, que mistura inúmeras sonoridades diferentes às já habituais guitarras sujas de inspiração blues e ao rock desmazeladamente competente que aprendemos a adorar. O fruto da paragem forçada de Jamie Hince, – devido a uma lesão na mão – uma impossibilidade de tocar que se revelou um pretexto para explorar e desenvolver um lado mais electrónico que ouvimos em inúmeros temas do disco lançado este ano.

Recebidos por entre aplausos, o duo rapidamente ocupou o palco do Coliseu – bastante composto, ainda que não lotado – enquanto o Hince desferia os primeiros acordes de “Heart of a Dog”, um dos singles orelhudos do novo registo. Ao público, fiel, nada mais resta senão deixar-se invadir e reagir naquele bate-o-pé que marca do compasso, balançando o corpo ao ritmo da música.

Como num jogo de ténis, nas duas pontas do court, há que decidir se seguimos atentamente a frenética Mosshart, para quem o grande palco parece não ter o espaço suficiente para a sua cadência deambulatória, ou o mais contido Hince, que não deixa de a acompanhar nos estrondosos riffs de guitarra. Poucas palavras, que o que se quer é música, e uma transição suave para “U.R.A. Fever”, expondo a limpo toda a falada química e sensualidade entre ambos. A electrizante “Kissy Kissy”, num regresso a 2003, jogou na perfeição com a ritmada “Hard Habit to Break” de 2016, num registo uniforme e consistente que suprime o passar dos anos e faz crescer ao vivo as novas canções, como “Impossible Tracks” e a “Doing it to Death”, esta última entoada pela plateia.

Numa actuação repleta de picos de energia, e com uma entrega e dinâmica cativante, parámos em vários momentos do repertório da banda, com a arrepiante “Black Balloon”, “Tape Song”, cantada a plenos pulmões e acompanhada por palmas, “Future Starts Slow”, agora estrela de publicidade, e mesmo “Monkey 23”, que ganhou proporções quase épicas na guitarra de Jamie Hince.

Perante um Coliseu em êxtase, o regresso para o cada vez mais mandatório encore. Alison Mosshart abandonou por momentos a postura de abanar o cabeça para a frente e para trás, atirar-se de corpo para o chão ou mesmo emergir inesperadamente junto dos outros dois elementos em palco – a cargo da percussão – e surgiu só, munida da guitarra, para um belíssimo momento acústico com “That Love”. Momento de acalmar os ânimos e apreciar a beleza da música e da sala como um todo, com os pequenos pontos luminosos de isqueiros que despontavam um pouco por todo o lado a acompanhar a voz e guitarra.

Os restantes três elementos juntaram-se a Alison no palco e, declarado o seu amor a Lisboa, obviamente correspondido pelo arrebatado público, a descarga de potência seguiu com a dançável “Siberian Nights”, culminando com a intensa “Love is a Deserter”. No topo do bolo, para o final, guardou-se uma deliciosa “Sour Cherry”, inquieta e prazenteiramente descontrolada. “Go home it’s over” ouve-se na música e assim o fizemos, certos de que os The Kills tiveram os concertos em nome próprio que já bem mereciam, deixando o público encantado e rendido à sua atitude e energia.

Texto: Rita Bernardo
Fotografias cedidas por Alexandre Antunes/Everything Is New

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