DakhaBrakha no Teatro da Trindade Inatel. A natureza do leste que fez sorrir Lisboa

O relógio anuncia as horas, e eis que as portas para a majestosa sala do Teatro da Trindade Inatel se abrem – é dia 22 de Setembro e há concerto do Ciclo Mundos. A sala começa a compor-se com rostos curiosos. Rostos que emanavam nacionalidades de várias partes do mundo, e de idades distintas. No palco avista-se um mar de instrumentos consumidos pelo vazio das cadeiras.

A sala aproxima-se da sua lotação e as luzes apagam-se. Vindos de Leste, cobertos pelos tradicionais trajes ucranianos que ostentam cores brancas e vermelhas, envoltos em simbolismos, os DakhaBrakha ocupam as suas cadeiras e os seus carinhosos instrumentos.

Os rostos femininos esconderam-se pela assinatura da banda, os Karakul russos, mas as suas vozes ao quebrarem o silêncio com os seus agudos e femininos gritos – quase como que um chamado – mostram a feminidade das mulheres do leste. Havia então começado a nossa viagem pelo mundo através da música.

O mar de instrumentos que avistávamos percorria toda a nossa imaginação, entre eles o piano, violoncelo, ukelele, variados elementos de percussão, mas o principal instrumento eram as vozes que se faziam transformar em sons, que dificilmente se imaginam possíveis. Ouvia-se um saxofone mas ele não se encontrava em palco – o pandemónio percorreu os rostos mais suspeitos. Não era um saxofone que ouvíamos mas sim a voz de Marko, que mais uma vez se transformava num instrumento. Arrebatador.

Sentado o público dançava, de olhos fechados. Voava da maneira que podia ao som de uma música proveniente de um outro mundo, um mundo onde todos somos um só, e a cultura é toda uma mistura harmoniosa e apaixonante de cada um de nós. O público dançava, sim, sentado ou de pé. Os sons de pássaros saíam da boca dos ucranianos apaixonados pelo mundo e pela música, e os arrepios lá surgiam. Uma mistura de natureza com sons provenientes de locais desconhecidos e intrigantes. Os pássaros assumiram as vozes do público, e quando demos por nós, eramos todos um mar de sons que saíam de sorrisos viciantes.

Ao longo de quase duas horas de concertos podemos extasiar-nos com músicas como “Tataryn-Bratko”, “Vesna” e “Kaprpats’Kyy Rap” que nos deu uma visão muito mais interessante do rap que conhecemos.

A sala consumia-se de palmas após ouvir a magia de “Yanky”, que colocou o público todo a gritar sons que nem nós mesmos sabíamos o significado. Novas palmas, o concerto havia acabado. O concerto de uma sala que se aplaudia de pé, criando uma sonoridade quase tão superior às vozes dos ucranianos que apaixonaram o público português. As bandeiras avistavam-se e uma banda emocionada agradecia de coração cheio em palco.

Após uns largos minutos de aplausos em pé, os DakhaBrakha lá decidem dar-nos mais um pedacinho da sua aliciante música. “Baby” foi a música escolhida para quebrar um último gelo que restava, a banda fez o público rir, imitar vozes estranhas, bater palmas enquanto dançava e ainda tivemos direito a algumas piadas pelo meio.

Todo o carinho que lhes foi dado ao longo do concerto foi agradecido, e nós, claro, agradecemos pela incrível noite de música que nos proporcionaram. À porta do Teatro, o público aglomerava-se para comprar as últimas cópias dos CDs e para fazer as últimas apreciações do concerto. Mas antes que a sala se esvaziasse, a banda que trouxe consigo um pouco do mundo para nós não pode deixar de dar um último adeus.

Concluída a noite, ficou na lembrança as batidas fortes e os gritos agudos de um novo mundo, e não posso deixar de me sentir ingrata com as minhas palavras sobre um concerto que encheu a alma de todos os que o presenciaram. Mas as palavras são difíceis de escolher quando se tem uma experiência como aquela que os DakhaBrakha nos deram.

Texto: Mariana Pisa
Foto cedida por Oleksandr Ratushnyak