Vagos Metal Fest. O renascer da capital do Metal

Foi novo, mas já era tradição.

A primeira edição do Vagos Metal Fest marcou o renascer de um festival que, verdade seja dita, nunca chegou a morrer: apenas mudou de nome e de mãos. Com esta mudança veio uma abordagem diferente à relação com os fãs, directa e humilde, que resultou num evento, organizado em tempo recorde, que orgulha o Metal em Portugal. Os dias 13 e 14 de Agosto de 2016 ficarão na memória pelos concertos intensos e pelo espírito enérgico da multidão, que fez da celebração anual em Vagos um momento mágico e de genuíno espírito metaleiro.

Foram 14 os nomes que pisaram o palco do festival, seis deles nacionais. Ambos os dias abriram e fecharam precisamente com sons lusitanos, com destaque para as celebrações finais com Bizarra Locomotiva e Moonspell. O recheio foi rico e diverso, com o thrash intenso dos Vektor, o death sinfónico apocalíptico dos Fleshgod Apocalypse, o negro black dos Dark Funeral, a magia gótica dos Heavenwood, a festa folk dos Finntroll e o divino power dos Helloween, entre outros.

DIA 1 (13 de Agosto)

O primeiro dia do Vagos Metal Fest abriu com o novo projecto de stoner rock dos irmãos Correia, Apolinário e Miguel, que fizeram valer a sua experiência em bandas como Devil In Me, Men Eater e More Than A Thousand para criar um belo disco de estreia, Act One, que partilharam com o público de Vagos sob um sol quente e pouco convidativo.

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Apesar de terem uma plateia ainda a compor-se (lá em cima, a fila na bilheteira era enorme), a banda mostrou profissionalismo e agradou aos presentes, tocando temas como Deliver Us, Down By The Lake e, a fechar, Deceivers Of The Sun. Um aperitivo de entrada agradável de um projeto bastante promissor.

O festival continuou com a primeira banda internacional em palco, os franceses Betraying The Martyrs, que trouxeram o seu deathcore progressivo e sinfónico para um concerto bastante animado e recheado de breakdowns, gutural demolidor e voz limpa em refrões melódicos a contrastar.

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À banda não faltou boa disposição e simpatia, mostrando-se solidários com o povo português relativamente aos fogos antes de tocarem Where The World Ends. O novo single The Great Disillusion também não faltou. A fechar, Life Is Precious e a inevitável e divertida versão de Let It Go, que provou ser um bom pretexto para um mosh pit se tocada da forma certa.

Com um dos melhores discos de thrash metal técnico da década na bagagem, os Vektor subiram a palco a dez minutos das sete da tarde, com uma voz diabólica, uma técnica invejável e a transbordar energia, que saltou para o público sob a forma de furiosos mosh pits.

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Foi precisamente no novo álbum, Terminal Redux, que a banda centrou as suas escolhas, com uma mão cheia de temas. Charging The Void carregou energias logo a abrir, Cygnus Terminal continuou a explosão de thrash, mas foi Liquid Crystal Disease que levou o público à loucura máxima. Depois da complexa Psychotropia e do belo jogo de guitarras em Pillars Of Sand, o concerto fechou com um tema do álbum de estreia, Hunger For Violence.

Continuando com thrash, menos intenso mas mais groovy e com selo lusitano, os R.A.M.P. abriram com Insane um concerto que demonstrou bem a experiência que advém de 28 anos de carreira. Rui Duarte mostrou-se um frontman carismático, interagindo com o público naturalmente enquanto o concerto se ia desenrolando com How e Damn.

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Depois do apelo a seguirmos os nossos instinctos em Follow You, chegou a vez de exorcisar demónios com Blind Enchantment. Antes da despedida com Hallelujah, o vocalista convidou todos a ficar para a missa (acrescento eu, apocalíptica) e para o enterro negro. Terminado o concerto, o anúncio que a banda estará de volta com um tão aguardado álbum novo!

Chegara a hora de recuar no tempo. Da clássica Itália vieram os deuses do death metal sinfónico Fleshgod Apocalpyse, acompanhados da brilhante soprano Veronica Bordacchini, que juntos nos presentaram com uma atuação teatral de intensa brutalidade, qual apocalipse sonoro salpicado por inspiradoras melodias. Nem tudo foi perfeito; depois da abertura orquestral com Marche Royale, pedia-se uma explosão perfeita em In Aeternum, que ficou manchada por problemas no microfone de Tommaso Riccardi (de resto, praticamente a única falha de som em todo o festival).

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Resolvida a questão, Gravity prendeu-nos a todos à terra, que se erguia sob a forma de poeira como resultado dos furiosos mosh pits que iam assolando Vagos. Brindando-nos com um copo de vinho em Pathfinder, foi logo a seguir com a dupla Cold As Perfection e The Violation que o concerto atingiu o seu auge. Após uma pausa para respirar com Prologue, o trio final de temas: Epilogue, The Fool e o mais parecido que eles têm com uma balada, The Forsaking. Ainda hoje aquela melodia de piano final ecoa…

Negro. Fúnebre. Sons das trevas acompanhados de uma luz azul pulsante. Um grito. Por fim, a entrada triunfal dos guerreiras das trevas. Assim começava o concerto dos Dark Funeral, com Unchain My Soul. Com a chegada do ‘império de Satanás’, a banda ‘abriu os portões’ e revelou ‘os segredos das artes negras’, sempre com um fúria gritante, hipnotizando o público com o seu black metal diabólico, visitando temas novos e clássicos antigos.

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Depois da visita ao ‘templo de Ahriman’, o agradecimento da banda à organização por lhes terem arranjado guitarras com que tocar, com as suas perdidas algures pela companhia aérea que trouxe a banda norueguesa ao nosso país. Hail Murder, Vobiscum Satanas, As I Ascend, os temas sucediam-se como rajadas de um vento frio e com cheiro a morte. A terminar, a banda ‘pregou-nos à cruz’, assistiu ao ‘nosso funeral’ e enviou-nos para ‘onde as sombras reinam eternamente’. Eternamente ficará também a memória do concerto nos nossos negros corações.

Era hora de fechar a noite, de forma bizarra e à velocidade de uma locomotiva. Contagiados pela Febre de Ícaro, os Bizarra Locomotiva subiram a palco com a mesma intensidade de sempre, com Rui Sidónio em grande forma a saltar para o meio do público logo ao terceiro tema, Gatos do Asfalto, perante o ar alarmado dos seguranças que o perseguiram. Sugado pelo Buraco Negro, o público transformou o recinto numa Hecatombe de poeira, aquecendo a noite fria sob o ritmo industrial de temas como Desgraçado de Bordo e Mortuário.

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A meio do concerto, o primeiro momento menos furioso e talvez dos mais obscuros, Foges-me em Chamas, com o vocalista a sussurrar deitado nas grades. Houve ainda tempo de revisitar o passado distante da banda com Fear Now e Candelabro do Amor, antes de voarmos com O Cavalo Alado. Ergástulo marcou o regresso de Sidónio a meio do público, com a gutural ajuda de uma ‘menina’ no refrão. Para encerrar a noite em grande, dois dos maiores êxitos da banda: O Anjo Exilado e O Escaravelho. Em palco, o teclista Alpha decidiu destruir violentamente um teclado, cujos destroços arremessou para o meio do público. Cá em baixo, toda a gente em êxtase, mais que satisfeitos com um final de noite verdadeiramente caótico, protagonizado por aquela que é uma das melhores bandas nacionais ao vivo.

Dia 2 (14 de Agosto)

No dia 14 de Agosto coube à banda local GodVlad abrir o festival. Apresentando o seu mais recente EP Dark Streets Of Heaven, a banda mostrou-se capaz de prender a atenção do público com o seu metal gótico com toques de death melódico e efeitos electrónicos. Abrindo com Keep On Moving e Urban Tribes, cedo se notou que a presença da vocalista Vanessa em palco era enérgica e de enorme simpatia, com ocasionais momentos de dança do ventre. Do novo registo saltaram os três primeiros temas: Broken, a fechar o concerto, Game Of Shades e Satisdiction, a música mais calma da setlist.

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Além dos dois temas de abertura, do segundo álbum Bipolar saltaram também o tema título e Praise Your Queen. O público ainda não era muito mas recebeu bem a banda, que se mostrou agradecida e deu um bom mote de partida para o último dia do Vagos Metal Fest.

Continuando com sonoridades lusitanas, seguiram-se os portuenses Heavenwood. Depois da uma masterpiece retirada do abismo em 2011, 2016 viu a primeira parte do The Tarot Of The Bohemians ser lançada, seguramente um dos melhores discos de gothic metal do ano e um dos melhores da história do género em Portugal. A abertura com The Arcadia Order mostrou uma banda cheia de energia, no auge da sua carreira e com fome de palco. The Empress foi o primeiro de três temas novos tocados, uma verdadeira obra prima cujo videoclip foi lançado recentemente.

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Depois de The Juggler, o regresso ao passado com Rain Of July. Mas antes de se fixarem nos primeiros álbuns, Diva e Swallow, houve ainda tempo para mais um tema novo, The High Priestess, protagonizado na voz pela convidada Sandra Oliveira dos Blame Zeus (que, no álbum, canta antes The Hanged Man). A fechar, o recordar de dois dos maiores clássicos da banda, Emotional Wound e Suicidal Letters, numa despedida emotiva que conquistou o público.

E eis que surgiu em palco uma das bandas mais enigmáticas do cartaz. Os suecos Tribulation são um fenómeno relativamente recente, apesar das origens da banda remontarem a 2001. Em Vagos, maquilhados a rigor da sua sonoridade ritualesca, abriram com Strange Gateways Beckon; e em que ‘strange ways‘ se movimentaram em palco os músicos, sobretudo o guitarrista Jonathan Hultén, qual diva das trevas a dançar com a sua guitarra!

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Depois da segunda música, Melancholia, o mesmo guitarrista dirijiu-se ao centro do palco para gritar para o público, possuído por algum estranho demónio que a sua música parece ser capaz de invocar. Após revisitarem o segundo álbum com Rånda e a instrumental Ultra Silvam, regressaram ao mais recente registo com a brilhante The Motherhood Of God. Sem nunca perderem energia nem a postura teatral, o concerto foi tudo menos uma tribulação, fechando num ritmo mais elevado com When The Sky Is Black With Devils. No geral, um dos concertos mais interessantes do festival, de uma banda fiel às raízes de black e de death mas com um certo revestimento moderno e progressivo.

Chegara, para muitos, a hora de jantar. Isso, aliado ao facto do hardcore punk dos Discharge não agradar a muitos metaleiros, viu a plateia descrescer quando os experientes ingleses subiram a palco. Não obstante, foi com uma atitude exemplar e uma energia tremenda que a banda se mostrou a Vagos; quem ficou protagonizou um mosh pit praticamente incessante e furioso, que acompanhou os temas curtos e frenéticos.

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Are we Metal enough for you?“, questionou o vocalista Jeff Janiak; o tímido “yeah” do público mostrou que não, nem era isso que se pedia deles, mas sim puro, louco hardcore punk. E foi isso que eles deram, com temas como Hell On Earth, Hatebomb e Looking At Picture Of Genocide, estas duas últimas retiradas do seu novo álbum, End Of Days. Apesar de algo deslocados do festival na sonoridade, conseguiram agradar a muitos e mostraram que não é por terem uma carreira de quase 40 anos que perderam fulgor.

Se até aqui o Vagos Metal Fest tinha sido excelente, tornou-se mágico com o trio de bandas final. A começar pelos finlandeses Finntroll, que trouxeram consigo uma dose XXL de folk; mal se ouviram os primeiros acordes de Blodsvept, o público ligou-se à corrente e iniciou uma sessão de mosh, crowd surfing e saltos que se extendeu por todo o concerto. Houve momentos em que era tanta a gente a fazer crowd surfing que, apesar do enorme número de seguranças, não parecia haver os suficientes para segurar o pessoal para lá das grades.

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Aquele refrão de Mordminnen, aquela sinfonia majestosa de Nättfodd, aquela fúria de Solsagan; seguia-se momentos épicos uns atrás dos outros, com uma banda divertida e de energia contagiante em palco. Após a grande När Jättar Marschera, o primeiro regresso ao passado com Svartberg. A viagem ao álbum mais recente, Blodsvept, terminou com dois dos melhores temas do mesmo, Skogsdotter e Häxbrygd, mas ainda faltavam três hinos finais. O primeiro, a histórica Jaktens Tid, do álbum com o mesmo nome reeditado este ano. Depois, o tema que impulsionou os Finntroll para as bocas do mundo, Trollhammaren. A fechar, a divertida Under Bergets Rot. Foi uma celebração folk como a Quinta do Ega nunca viu!

São A banda de referência do power metal. São os guardiões das sete chaves do sucesso do género. São os Helloween. Em palco, uma inevitável abóbora gigante, retirada da capa do último álbum My God-Given Right. Depois de Walls Of Jericho, uma voz-off anuncia os Helloween, e momentos depois cá estão eles; faz-se história no palco do Vagos! “Here we go!” grita Andi Deris, e todos juntos voamos com Eagle Fry Free. O “miúdo” de 52 anos não precisa de nenhum Dr. Stein, tem saúde de ferro e energia para dar e vender! E o público, esse, foi convidado a participar no refrão de My God-Given Right, num exercício interactivo longo e bem executado.

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Recuando 20 anos, Steel Tormentor fez as delícias dos fãs, num dos vários momentos de mágica nostalgia. Regressando ao passado recente, seguiram-se Waiting For The Thunder e Straight Out Of Hell, ambas retiradas do álbum do mesmo nome. Numa crítica à Europa nos dias de hoje, Andi Deris provou que todos nós podemos ser Heroes, antes de sair de palco com a banda, deixando apenas o baterista Daniel Löble brilhar com um solo longo e espetacular, com ligação à entrada de Where The Rain Grows. Contando uma pequena história caricata que inspirou o tema Lost In America, Deris e companhia aproximavam-se do final do concerto, não sem antes nos mostrarem que ainda tinham bastante Power na cartola. Antes do encore, tivémos um mashup com cinco músicas: Halloween, Sole Survivor, I Can, Are You Metal? e a incontornável Keeper Of The Seven Keys.

Pouco depois, sob o coro de pessoas a gritar pelo nome da banda, regressaram a palco para a verdadeira despedida: Future World e I Want Out foram os suspiros finais de um concerto imaculado, histórico e memorável. Não se podia ter pedido mais do tão aguardado regresso da banda a Portugal!

Há melhor forma de fechar a primeira edição de um festival português de Metal do que com o nosso maior nome do género? Depois dos Helloween, a tarefa dos Moonspell de manterem a fasquia parecia impossível; no entanto, num exercício de superação deles mesmos e aproveitando a espírito festivo do público, deram um concerto fenómenal que, como a noite deles, será eterno em memória. Entrando em palco ao som de uma versão instrumental alternativa de La Baphomette, o primeiro respirar da banda foi com Breathe (Until We Are No More), provando que a condição de Extinct não se aplica à sua capacidade de composição.

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A ‘noite era eterna’; o público, eufórico sob a influência do ‘ópio’, provou estar ‘acordado’, afastando qualquer ‘ruína e miséria’ nestas duas horas de celebração intensa, com direito a efeitos pirotécnicos. Com The Last Of Us e uma viagem até Medusalem, os Moonspell continuaram a visita ao novo álbum; logo a seguir, com a ajuda surpresa de Rui Sidónio dos Bizarra Locomotiva, falaram Em Nome do Medo. Despediram-se de Extinct com Malignia, mas o concerto estava longe do fim. No ano em que celebram o vigésimo aniversário de Irreligious, do qual tocaram seis músicas, foi tempo da convidada Mariangela Demurtas dos Tristania mostrar as suas ‘garras de corvo’, numa prestação soberba em Raven Claws.

Depois de Mephisto, Fernando Ribeiro assumiu o papel de vampiro e foi buscar uma capa a condizer para interpretar Vampiria. Libertando-se da mesma, foi a vez da banda assumir a sua vertente folk, com a celebração Ataegina, dançada pelo público como se não houvesse amanhã. Por fim, a primeira despedida; Alma Mater foi cantada a plenos pulmões, com aquele orgulho nacional que só os Moonspell conseguem extrair das nossas entranhas. Teria sido um grande final, mas não, não é essa a música com que eles terminam os concertos. Não viraram as costas ao mundo sem antes voltar para ‘tudo invadir’. A festa final foi lupina, com a Full Moon Madness a ser recebida por uivos e uma última manifestação de loucura do público. Foram duas horas perfeitas que deram ao Vagos Metal Fest o final que ele merecia!

Balanço final

Muitos lamentaram a notícia em Janeiro de 2016. Mais ainda aclamaram uma outra em Abril de 2016, a anunciar a primeira edição do Vagos Metal Fest. Organizado em tempo recorde, não se podia pedir milagres à organização, num esforço conjunto da Câmara Municipal de Vagos e das promotoras Metrónomo e Amazing Events; e no entanto, foi isso que eles operaram. Com um cartaz de luxo, som quase imaculado e pontualidade durante todos os concertos, grande ambiente e preocupação com os fãs, esta estreia viu o espírito metaleiro no seu esplendor máximo.

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As bandas que pisaram o palco foram exemplos de profissionalismo, sem exceção, desde os novos Correia aos veteranos Helloween. Cada uma jogou com as armas que tinha e deu o seu melhor; cada uma foi bem recebida pelo público, que fez do festival uma celebração contínua. A organização deu a cara aos fãs em pleno festival, num exemplo de humildade e vontade, visivelmente satisfeitos por virem os seus esforços resultarem numa maré negra de 10 mil pessoas satisfeitas.

Por tudo isto, o futuro é promissor. Se a atitude se mantiver, o objetivo de ser um festival de referência ibérico será alcançado. Nós, os fãs de sonoridades pesadas, cá estaremos para opinar, ajudar e voltar a dar tudo, na edição já anunciada de 2017.

Já não será novo, mas continuará tradição. Até Vagos!

Fotografia: Marina Silva
Texto: David Matos