MONITOR – Minimal Wave & Post Punk International Rendez-Vous

Numa cidade que tem respirado música e transpirado cultura, o nascer de mais um projeto da Fade In. No passado sábado, dia 28 de Maio de 2016, o Beat Club em Leiria recebeu a primeira edição do MONITOR. Sob o epíteto Minimal Wave & Post Punk International Rendez-Vous, o evento trouxe a Portugal seis estreias absolutas de sonoridades alternativas e de performances singulares; nomes escolhidos a dedo para os mais exigentes, os não-conformistas, os aventureiros sonoros.

Casa cheia, recheada de caras conhecidas do Entremuralhas, ouvintes da Unidade 304, jovens curiosos e menos jovens de gosto requintado. Foi um evento em dois actos marcado pela dança, pelos artistas com personalidade, pela pontualidade e pela língua francesa. Foi, sobretudo, mais uma prova viva que a cidade do Lis tem na Fade In e outros promotores pilares sólidos, um selo de qualidade para emancipar a música na região.

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Com início marcado para as 18h, foi mais que pontual a subida a palco da canadiana Xarah Dion. Tímida e de voz doce, foi deambulando por músicas do álbum de estreia Le Mal Nécessaire, com um ar algo triste, inclusive emocionando-se logo nos primeiros temas. Recomposta, o concerto foi ganhando mais ritmo até ao final, sobretudo com o tema título e L’Asphalte Chaude, com o público a dançar na sala quente de fim de tarde. No final, após cerca de 45 minutos em palco, Xarah foi bastante aplaudida, o que lhe arrancou um grande sorriso.

Seguiu-se o artista belga Luminance, subindo a palco 10 minutos depois das 19 horas. Com a ajuda de um teclado, uma guitarra e sintetizadores, deu um concerto cheio de atitude e sonoridades post-punk imersas num mundo de dark synth. Depois de uma introdução com guitarra, No Second Act impôs um ritmo de dança industrial, que não mais nos largou. Depois de Wait e Exercise, o regresso ao novo disco Sans Visage com a brilhante The Grey.

Luminance_3

Sempre muito à vontade e irrequieto em palco, o artista foi saltando entre temas com e sem guitarra, sempre intensos, sempre com o público presente a responder com corpos em movimento e cabeças à deriva nas ondas de som. Facts Without Emotions deu a tal tonalidade mais post-punk ao concerto, que terminou de forma perfeita com The Perfect Blend.

Oito minutos depois das oito da noite, o terceiro e último concerto da primeira parte. Em contraste com Luminance, que vinha com um aspecto de jovem metaleiro, os Peine Perdue apresentaram-se como uma dupla retirada de algum livro de memórias; ele, de fato e gravata; ela, com um vestido branco de estilo antigo. De cigarro na mão e com imagens de um filme antigo a rodar nos monitores do MONITOR, a calma e sonhadora Alesteir deu início ao concerto, sendo também a música que abre o seu novo disco, Nuit Blanche.

Peine Perdue_1

Já de si negro, o ambiente ficou ainda mais escuro quando a vocalista pediu para baixarem as luzes. Presqu’île foi o momento em que o concerto se tornou mais dançável; Je Penche revisitou os primórdios da banda. Em Gravure Sur Acier, o ambiente foi de balada no início, mas depressa acelerou; no entanto, foi o tema seguinte, Cerceaux, que deu início à fase final do concerto, marcada pelos ritmos mais intensos e pela dança entre o público. No Souvenir, com a sua entrada estilo arma a disparar, e Chic Final – Nocturne, como que um helicóptero a levantar voo, foram os dois remates finais. Na despedida, um beijo entre Coco Gallo e Stephane Argillet, unindo música e amor.

Com a barriga cheia de comida mas já com fome de dança, o público voltou depois da pausa de jantar para a segunda parte do MONITOR, para a qual estariam reservadas as duas melhores atuações do evento. Com hora marcada para as 23, os Tisiphone subiram a palco pouco depois, palco esse onde se destacava uma bateria com um dos pratos carcomido por traças metálicas.

A introdução foi calma, progressiva, com a vocalista e percussionista Clara de costas, a virar-se lentamente, enquanto Léonard na guitarra e Suzanne no baixo impunham um ritmo de transe. Nada nestes minutos iniciais fazia prever a evolução apocalíptica da música, qual ritual negro de batida forte e voz de pura loucura, só igualada no olhar febril da vocalista; tal intensidade revelou-se demais para uma das cordas da guitarra, que cometeu suicídio. Depois de voltar a dar corda, o ritmo subiu na curta mas eficaz Black Vevelt, com Léonard a ofegar no microfone. Looking Down foi um positivo abuso de experimentalismo psicadélico, no qual toda a banda cantou.

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O expoente máximo do concerto foi a delirante Hereux Je Suis, onde Clara foi claramente possuída pelo espírito de uma velha bruxa demente, enquanto gritava, de olhos esbugalhados, molhando-se com água e destruindo a bateria. A segunda metade do concerto foi mais contida, mais trabalhada, com Blind a dar um toque sonhador e suspirante e Spiritual Object a servir de balada ritualistica. Desire foi o momento punk da banda, com a baixista a rir-se das estranhas expressões do guitarrista. A fechar, e depois da longa, negra e intensa Empty Streets, a vocalista pergunta se podem tocar mais uma, The Feast, recebendo um rotundo sim do público, rendido a um concerto brilhante no qual a única pintura que ficou borrada foi mesmo a dos olhos de Clara.

Depois de uma hora de pura magia, seguiram-se 38 minutos de relaxante, dançante, contagiante post-punk. Meia hora depois da meia noite, o duo feminino Mensch subiu a palco, tímido e sorridente. Swim Swim foi o primeiro mergulho na sua sonoridade quente, mas foi com o segundo tema The Greatest Escape que se deu a primeira escapadela até ao mais recente álbum, Tarifa, cujo tema título se seguiu. Agradecendo em três línguas, a vocalista e guitarrista Vale Poher pareceu sempre mais à vontade em palco que a baixista Carine Di Vita, mais contida.

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Push Me Away foi dos melhores temas da noite, com a apresentação do novo álbum a continuar com Cosmopolitain, After Love e More Is More. Como não podia deixar de ser, o duo tocou também Saudade na sua estreia em Portugal, com uma letra a condizer com essa palavra tão única e tão nossa. O concerto terminou com Vale a tocar no meio do público, um pequeno acto de rebeldia sempre bem vindo nos concertos. Para a história ficou um espectáculo não tão marcante como o anterior, mas de inegável interesse pela qualidade das composições.

3, 2, 1. Depois do trio de negro e louco ritualismo e do duo de alegre e bem disposto punk, bastou uma pessoa em palco para o encher de tal forma que ele pareceu minúsculo para conter tanto talento. Falamos claro de Madmoizel, que vinte minutos depois da uma da manhã deu início ao acto final do MONITOR. Come, dizia ela; e ela veio, a dança, impossível de conter tal era a intensidade de ritmos electrónicos, acompanhados das melhores vocalizações que o palco do Beat já presenciou. Apresentando o novo álbum The Love Machinery, Madmoizel prosseguiu com Dancefloor, o nome mais apropriado para descrever todo o espaço do bar.

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Beat Frequencies foi um monstro de tema, com múltiplas camadas de sons e loops vocais sobrepostos; o concerto atingiu um ritmo alucinante e seguiu-se Imaginary Love, cuja introdução nos levou a sonoridades orientais. Com continuação sonora em Lone Wolf, em conjunto os temas atingiram a marca dos 11 minutos, um verdadeiro épico que culminou numa explosão sonora. Terminada a apresentação do novo disco, o concerto regressou a Lady Dandy com I Won’t Be Yours, atingindo a velocidade da luz, qual choque eléctrico que esgotou as últimas energias do público. Mas como ainda faltava a incontornável Freaks, lá se encontrou força extra para a celebração final, daquele que foi o concerto da noite e que certamente ainda hoje ecoa na mente de quem o presenciou.

A primeira edição do MONITOR foi um sucesso, com a Fade In a voltar a quebrar fronteiras; seis concertos, seis estreias em Portugal, não fizeram por menos! Prometida ficou a vontade de repetir o evento nos próximos anos, que será muito bem vindo e deixa no ar a pergunta: com quem seremos surpreendidos em 2017?