Jameson Urban Routes, dança e “amour”

O Jameson Urban Routes, festival indoor promovido pelo Musicbox, celebrou a sua edição de 2015 nos dias 22, 23, 24, 30 e 31 de Outubro com música para gostos variados e de vários pontos do mundo. Entre apresentações de novos discos, estreias em Portugal e DJ sets muito eloquentes, guardamos o testemunho de três noites na sala do Cais do Sodré.

Discos novos, discos escolhidos e muita dança

A dança foi a premissa da segunda noite do Jameson Urban Routes, no Musicbox. O alinhamento deste dia do festival, que traz sons frescos e novas tendências ao Cais do Sodré, passou pelos portugueses Holy Nothing, as norte-americanas Telepathe e o espanhol El Guincho, ainda que em formato DJ set.

Vindos do Porto, os Holy Nothing subiram ao palco naquela que foi a primeira data oficial para a apresentação de Hypertext, o longa-duração fresquinho que acabaram de lançar, depois de um ano de 2014 agitado, com o EP Boundaries, várias datas na estrada e “Cumbia” a brilhar na rádio.

Como comprovamos de imediato, há algo de muito simples e despretensioso neste trio, que vai muito além das confortáveis alpargatas que trazem nos pés. Ainda assim, os temas do disco reflectem uma mistura de sonoridades e influências, dos sons quentes à música de dança mais old school. O resultado é uma malha sonora dinâmica, fluída e consolidada. Com guitarra, baixo, teclado, groovebox, drumpad, Pedro Rodrigues, Samuel Gonçalves e Nelson Silva descomplicaram com um formato banda e mostraram uma sonoridade enérgica ao pacato público do Musicbox, que se rendeu lentamente, ainda que se fazendo difícil. Ainda que a vibrante “Cumbia” e a robótica “Mind” já nos sejam familiares, rendemo-nos desde logo à electrizante “Dusk” e à contagiante “Rely On”. Pelo meio, projecções coloridas, com motivos tropicais ajudavam a encher o sentido das canções. A quase orientalidade de “Apex” terminou o concerto em beleza , com lâmpadas brancas que iluminavam a banda e o público. No final, a certeza de que Hypertext ainda vai rolar muitas vezes em casa e a vontade de dançar com estes moços mais uma vez.

As norte-americanas Telepathe foram a confirmação relâmpago do cartaz do festival e trouxeram igualmente a Lisboa um álbum novo. Depois de um hiato de seis anos, Destroyer, o sucessor do disco de estreia Dance Mother (2009), mantém a vertente experimentalista e pesada, nos meandros da synthpop. Há claramente uma vibe “depeche-modiana” que é palpável nos temas do novo disco como “Slow Learner”, “Drown Around Me” ou “Destroyer”. Contudo, o que em disco parece uma mistura fresca e crua, com as vozes desvanecidas e algum desequilíbrio instrumental, em palco pareceu um tanto ou quanto disperso e pouco potente, mesmo com os gritos descontrolados e entusiasmados. Depois da alegria de Holy Nothing e durante a espera por El Guincho, a actuação do duo de Brooklyn pareceu especialmente soturna, falhando em cativar grande parte do público.

Ainda que em formato dj set, o espanhol Pablo Diaz-Reixa, conhecido como El Guincho, trouxe os seus discos para um set verdadeiramente arrojado e foram muitos os que apareceram para compor a animada pista. Com o sucessor de Pop Negro, de 2010, prestes a ser lançado, El Guincho trouxe o mix de ritmos quentes e calorosos que lhe são conotados, do afrobeat à tropicália, passando pelo rock n´roll, mas também o hip-hop, que não deixou ninguém indiferente. A noite seguiu com Nicola Cruz e a família Príncipe.

Fotografia: Nuno Bernardo
Texto: Rita Bernardo

 

Amour dans le Musicbox

À quarta noite de Jameson Urban Routes, a expectativa era muita. Mais não seja porque já há umas boas semanas que os bilhetes se encontravam esgotados. Ainda assim, muitos enfrentaram a chuva e à porta tentavam a sua sorte uma última vez. O motivo para tanto alarido? Os franceses La Femme, que assinalaram a sua estreia em Portugal perante um Musicbox inquieto. E não era caso para menos.

Mas a noite começou com os portugueses The Sunflowers, mais concretamente o seu amigo E.T., saído directamente do vídeo de “Charlie Don’t Surf”, lado B do single “Zombie”, que gentilmente distribuiu um link para o download gratuito de ambas as faixas, sob a forma de um mini-vinil simbólico, aos primeiros que passaram a porta da sala do Cais do Sodré. Da nossa parte, muito obrigado.

A verdade é que esta dupla do Porto, um guitarrista/vocalista e uma baterista, ou Jesus e Brandão, se preferirem, não tem ainda muito tempo de vida, mas já soube destacar-se ao segundo EP Ghosts, Witches and PB&Js, que foi o mote para andar a tocar um pouco por todo o país durante o ano. E é muito fácil gostar destes The Sunflowers. Primeiro porque há sempre girassóis presentes de alguma forma (em pano de fundo, por exemplo), segundo porque são naturalmente engraçados (melhores calções de sempre!) e depois porque mantêm um concerto sempre a rasgar do início ao fim. O som sujo, frenético e intencionalmente desleixado traz consigo uma energia contagiante e uma aura punk e garage rock bem presente, que não deixa ninguém indiferente e abre cedo o moshpit na frente do palco. “Mama Kim”, a canção do segundo EP que lhes conhecemos da rádio, foi tocada a passo acelerado, sendo que deste último registo ouvimos ainda “Witch”. Houve tempo para voltar aos Ramones e ao clássico “Blitzkrieg Bop”, num concerto que terminou com o amigo alienígena no crowdsurf e com uma guitarra cor-de-rosa insuflável a ser atirada para o público.

Já os La Femme chegaram e montaram desde logo uma muralha de três teclados em frente do público, peça essencial deste som híbrido e tão cativante que apresentam. A banda, originária de Biarritz, a meca do surf francesa, canaliza, justamente, a sonoridade surf rock dos anos 60 e junta-lhe os sintetizadores, obtendo uma fusão hipnótica assumidamente punk, com alguma da sensualidade gainsbourguiana, mas que é dançável como se de yé-yé se tratasse. Os seis elementos rapidamente preencheram o palco do Musicbox e “Amour Dans Le Motu” deu início a uma sucessão de melodias que incitaram a uma dança exaltada do público, ainda que devidamente coordenada com a música e contida nas possibilidades de um espaço lotado. Psycho Tropical Berlin, o único longa-duração da banda até à data, lançado em 2013, foi o foco principal do alinhamento, sendo que houve um regresso ao EP Le Podium#1 com a errática “Télégraphe” e tempo para apresentar um tema novo.

As trocas de palavras foram poucas, com o já habitual arranhar de português, mas nada necessárias, já que, não só o mistério em torno da banda tem o seu quê de apelativo, como o que interessa é a música. “It’s time to Wake Up 2023”, estendida além da já longa duração em disco, foi uma viagem pelo som maquínico dos teclados e a voz ambiguamente fria e doce da “Femme” do grupo, Clèmence Quélennec. Contudo não houve nada de sensaborão no alinhamento que prosseguiu ritmado com “Nous Étions Deux” e “Welcome America”. Enquanto isso, os La Femme permaneciam na sua própria dinâmica comedida, coexistindo com a loucura, euforia e felicidade genuína de um Musicbox à pinha. Não deixa de ser engraçado como um bando de “aprumadinhos” deixou o público num tal estado de desvario.

As vertiginosas malhas “Sur La Planche” e “Antitaxi” – que serviu como pretexto para auferir se os táxis parisienses são como os da capital portuguesa – quebraram o ritmo da dança e deixaram o público entregue à cadência desgovernada do moshpit.

Depois desta última, a banda acabou por voltar a subir ao palco por mais duas vezes, motivada pelos aplausos incessantes. Ainda ouvimos “La Femme Ressort”, mas o segundo encore, claramente feito em estilo de gratidão pela fantástica recepção, já pareceu um pouco demais, depois de quase duas horas a dar tudo na pista. Não desfazendo, uma estreia que nos deixou rendidos e curiosos quanto ao futuro da banda francesa. Tirada a barriga de misérias, foi difícil a saída do Musicbox, já perto da 1h30. A chuva não deu tréguas e debaixo do arco da “rua cor-de-rosa” abrigavam-se os que saiam, os que iam entrar para seguir a noite com Xinobi, em formato banda, e os que estavam apenas de passagem.

Fotografia: Nuno Bernardo
Texto: Rita Bernardo

 

Melodias orientais distorcidas sobre fuzz

O que acontece quando juntamos um arquétipo do indie ocidental e um artista de origem libanesa, empreendedor de uma abordagem contemporânea nas sonoridades do Médio Oriente? Acontece Suuns & Jerusalem In My Heart.

Radwan Ghazi Moumneh (Jerusalem In My Heart) e os rapazes de Montreal reuniram-se nessa mesma cidade canadiana de onde saiu o disco homónimo, editado neste ano pela Secretly Canadian. Uma fusão perfeita entre sonoridades étnicas do Médio Oriente, psicadelismo, sintetizadores densos e ritmos electrónicos futuristas, combinada entre a desconstrução exploratória de Moumneh e a rigidez e precisão dos Suuns.

Na passada noite de Sábado, depois da actuação do português Ricardo Remédio, o grupo trouxe ao palco bem-artilhado do Musicbox, e a uma sala composta, os frutos deste projecto – “Metal”, uma das estrelas do disco, surge-nos como a personificação exacta dessa mescla que compõe este projecto. Melodias orientais distorcidas sobre um fuzz de guitarra intrépido e estrondoso, enlaçados entre o novo-psicadelismo e o sangue-novo de projectos como o do nigeriano Omar Moctar (Bombino). “In Touch”, por seu lado, inclina-se para uma electrónica afável com melódicos acordes de guitarra pelo meio, enquanto “3attam Babey” nos remete para um punk sujo envolvo em vocais espaciais e meditativos.

A seguir a linha étnica e hipnótica da noite, viriam os portugueses HHY & The Macumbas, já conhecidos da casa e sempre uma experiência positiva a repetir não importa quando. O palco atestado pelas costuras, a luz quente-avermelhada e a sonoridade densa e hipnotizante de carácter transgénero, que passa pelos caminhos do dub, do psicadelismo, do noise, da electrónica complexa e, talvez, dos ritos tribais.

O fecho da noite ficou ao cargo de RP Boo, mestre do footwork oriundo de Chicago que colocou os presentes numa posição de dança frenética e do português BLASTAH na secção clubbing.

Fotografia e texto: Telma Correia