«O Milhões de Festa é um desafio», conta-nos Joaquim Durães

O triângulo está aí novamente. O Milhões de Festa regressa ao Parque Fluvial de Barcelos de 23 a 26 de Julho e a sua aposta para 2015 é igual a si mesmo: abunda diversidade, acentua contrastes e tem o cartão-de-visita da boa onda do costume.

A festa “milhionária” transmitida ano após ano no final de Julho, os seus mergulhos na piscina e o sentido de descoberta e apreciação musical pelas noites fora tem valido ao festival um público cada vez mais fiel ao festival e não às bandas que o cartaz ostenta – cartaz esse, deste ano, pode ser consultado aqui já com horários.

No entanto, para melhor entender a ideologia e a abordagem em torno do Milhões edição 2015, trocámos umas perguntas com Joaquim Durães, pilar da Lovers & Lollypops, editora e promotora responsável pelo festival:

Ruído Sonoro: Uma vez estava a falar de festivais com uns amigos e mencionei o Milhões de Festa. Fizeram-me a pergunta «Isso é um festival de que tipo de música?», mas o ecletismo musical do festival não possibilita uma resposta singular. É esta uma das imagens de marca desenvolvidas pelo festival?

Joaquim Durães: Mais do que uma imagem de marca, trata-se de uma missão que o festival assumiu, muito, também, por herança do trabalho que desenvolvemos ao longo do ano enquanto promotora e editora. O ecletismo faz parte do ADN da Lovers & Lollypops, e é o que faz do Milhões uma experiência melhor e mais rica. Na verdade, seria mais fácil programar um festival só de stoner, com todas as bandas semelhantes, ou virarmo-nos para o pop e focarmo-nos só nisso; mas o Milhões de Festa é um desafio, não só para nós, enquanto programadores, que procuramos que seja coerente ter uma banda de grind, como os Hemdale, a tocar antes de subir ao palco o hip-hop das THEESatisfaction, ou o techno do PERC, como para o público, que será, definitivamente, confrontado com realidades que não procuraria de outra forma.

RS: Há alguns géneros que tinham alguma presença anual, como por exemplo o caso de nomes de peso como Electric Wizard, Orange Goblin, Eyehategod ou Weedeater e ainda os riffs poderosos de bandas como High On Fire, Graveyard, Baroness ou Red Fang. Este ano houve um desinvestimento nesse sentido ou o foco do Milhões deixou de passar por aí?

JD: Nem um, nem outro. Definitivamente, esse não foi um foco do Milhões e o festival nunca se assumiu como um evento somente para riffs — nas edições de que falas, e que receberam todos esses monstros do rockar largo, tocaram nomes como The Fall, Liars, Electrelane, Alt-J, El Perro Del Mar, Frikstailers, Secret Chiefs 3, Gold Panda, El Guincho e por aí fora. E, por outro lado, este ano não deixámos os riffs de parte. Assumimos isso quando vamos buscar uma banda como Hey Colossus, que deu um novo fôlego às melodias mais arrastadas, com uma abordagem psicadélica muito própria, um nome como o de Paul Allen, dos the Heads (pais de metade das ondas de psicadélico que por aí andam), que toca com os Anthroprophh, e o peso dos Drunk in Hell, que conta com o Mike Vest, guitarrista de Bong e 11Paranoias. Estamos satisfeitos com a riffaria que temos, e podem crer que, depois de ver as actuações destas bandas, vai ser um sentimento unânime.

RS: Este ano há choques de géneros bastante interessantes. Por um lado há o electro chaabi, ou a «música de casamentos egípcios», de Islam Chipsy, por outro há o kraut de Michael Rother a invocar os seus Neu!. Pelo meio há ainda o peso de Hemdale, o tropicalismo de Meridian Brothers e, claro, a electrónica potente e misteriosa de The Bug. Como se equilibra um cartaz assim? Existe um cuidado a definir estes contrastes acentuados ou acontecem por não existirem fronteiras entre géneros no festival?

JD: O nosso grande foco é tornar a experiência do Milhões coerente e equilibrada dentro do ambiente íntimo que proporcionamos. É, também, uma missão mostrar que, no fim do dia, há menos a separar um The Bug, que apesar de se movimentar pela electrónica é um bicho mesmo violento, dado o volume a que toca e a força dos seus ritmos, e não fica a perder em robustez para uns Hemdale, por exemplo. O alinhamento é fruto dessa ideia e da missão do festival, em que a falta de fronteiras permite, também, equilibrar esses contrastes de forma coerente. Para todos os efeitos, depois de uma boa dose de porrada protagonizada por uns brutos como Drunk in Hell, vai saber mesmo bem uma pomada do Michael Rother que nos tire os pés do chão e ponha o corpo em órbita. Ou de um momento mais suave, proporcionado pelos All We Are.

RS: A não-associação de name sponsors no Milhões de Festa é também uma forma de este se desmarcar dos restantes?

JD: Toda a forma de pensar o festival, onde se enquadra a nossa abordagem ao sponsoring, será no sentido de fazer algo único. O Milhões é um evento para 4 mil pessoas, não mais do que isso, e a essas não desejamos a poluição agressiva que se encontram nas alternativas mais mainstream. Faz parte do Milhões de Festa aquele ambiente único e íntimo, a boa onda na piscina e o bem-viver e melhor comer no Taina, aliado a festa rija noite dentro, e tal não seria possível com uma presença intensa de publicidade. Apesar disso, não deixamos ter sponsors no festival, como se pode ver com o palco Vodafone FM e com a piscina Ginga Beat Red Bull Music Academy Radio.

RS: O scouting do festival já colheu frutos ainda verdes que amadureceram para as massas. Como se olha para projectos como alt-J, Crystal Fighters ou Toro Y Moi nos dias que correm depois de terem passado pelo Milhões?

JD: Para nós, esses nomes servem-nos de incentivo para continuar a trabalhar. Essas bandas passaram pelo Milhões numa fase mais humilde da carreira deles, mas isso não nos impediu de ver neles o valor que os grandes promotores, agora, lhes dão. É nesse sentido que continuamos a procurar e a apostar em novos talentos — e quando o fazemos, é porque acreditamos seriamente na capacidade que cada um dos artistas tem para proporcionar uma boa actuação, e no valor da sua arte. Continuaremos, por isso, a trabalhar para encontrar novas e mais pérolas; esta edição não será, de forma alguma uma excepção.

RS: Existe algum projecto presente no cartaz deste ano que possa vir a pisar palcos tão grandes como os dos nomes mencionados?

JD: Infelizmente, não temos a capacidade de fazer futurologia, e temos de ter, também, a humildade de saber que nem todas as nossas apostas são certeiras. Contudo, os All We Are estão a galgar terreno e a crescer imenso com o disco de estreia; os Peaking Lights estão, há muito, a pedir um palco grande onde possam demonstrar a sua pop ácida; os Hey Colossus têm toda a força necessária para arrasar os maiores estrados dedicados ao riff; os Holydrug Couple não tarda fazem o circuito Primavera; e o Islam Chipsy, como cabecilha das festas mais incríveis do Médio Oriente, não tardará a ser cobiçado ao nível de um Omar Souleyman (ainda que não sejam comparáveis). Isto tudo esquecer The Bug — o Kevin Martin é uma das pérolas mais bem guardadas deste planeta, andando desde meio dos 90s a passar debaixo dos radares e a ser aposta constante de editoras consagradas como a Ninja Tune e a Hyperdub. Assim que se descobrir a intensidade demolidora com que o produtor ataca as hostes, e a forma como os seus MCs as levam ao rubro, não faltará muito para que o catapultem para experiências maiores (já aconteceu este ano, no Glastonbury e no Sonar, por exemplo).

Entrevista: Nuno Bernardo
Fotografia: Carolina Neves