Dean Blunt @ Lux Frágil, 21/5/2015

Há qualquer coisa de realmente especial na música de Dean Blunt. Provavelmente porque choca de frente com uma cultura de fugacidade e irrelevância a que se vetou boa parte da criação musical nos últimos vinte anos e especialmente porque colide com o mainstream mas também, e com igual ferocidade, com os supostos círculos alternativos onde seria normal Blunt movimentar-se. O normal é o bilhete para a irrelevância e é precisamente o oposto que é toda a obra do britânico, com as apresentações ao vivo a não serem excepção.

A última vez que o enigmático londrino actuou em Portugal (no último Out.Fest) “Black Metal” ainda era apenas vislumbre de um enorme álbum. Ainda assim foi um momento absolutamente cristalino onde todo o peso do mundo foi transformado em criação durante esse concerto. As expectativas seriam sempre enormes e quase no plano inalcançável do mítico tão grande foi a surpresa.

Tal como a capa do provocatoriamente intitulado último álbum, tudo começou na mais completa negritude. O uso de loops introdutórios não é estranho a Blunt e foi com vários minutos de uma frase repetida «over and over again» que tudo se iniciou. As figuras iam-se alinhando nas sombras com o omnipresente guarda-costas mergulhado na quase completa sombra. “50 Cent” deu o mote para uma apresentação dominada por “Black Metal” e desde esse primeiro momento que a honestidade lancinante de Dean Blunt se revela.

Há nos primeiros momentos as batidas primitivas, os dedilhados gentis, a etérea voz feminina e claro, a crueza quase frágil da voz de Blunt. “Blow” é um momento de beleza rara onde simplicidade e complexidade dançam ao som de uma frase: «back into the past». Esta capacidade de reduzir expandindo ou expandir reduzindo que estão por detrás do que mais precioso há na música do criador britânico.

No entanto, e como em qualquer explorador, há momentos bem diferentes. “X” é o primeiro momento onde a tensão e a melancolia se misturam. “Forever” tem no saxofone o momento radioso por entre a penumbra, rasgando a constante parede de samples. Há até momentos onde Blunt é quase confrontacional abeirando-se do palco e baleando o mundo com a surdez das palavras.

A “meia cover” de Shellac – “Prayer To God” – faz o desconforto aumentar mas não tanto quando, depois de tanto tempo de escuridão, os strobes rebentam na cara de toda a gente. “Mersh” pode bem ser a faixa acessível de “BM” mas o que se passou na última parte do concerto foi tudo menos fácil de interiorizar. Aliás, quanto a esse momento de peculiar euforia é quase impossível não relembrar o episódio nos NME Awards deste ano quando Blunt, ao ganhar o estéril prémio de “best newcomer”, enviou uma personagem para agradecer e a organização julgou tratar-se do “real deal”…

Dean Blunt é indiferente a tudo isso e a isto também. É por isso que o que se passou no Lux, sendo diferente da passagem pelo Out.Fest na atmosfera vivida, foi especial. Porque poucos artistas têm a capacidade de multiplicar primeiros impactos e este é um deles.

Fotografia: Telma Correia
Texto: Filipe Adão